| 24 abril, 2023 - 16:14

ANÁLISE DAS CANDIDATURAS LARANJAS DE MULHERES NO PROCESSO ELEITORAL NO RIO GRANDE DO NORTE: ENTRE A IGUALDADE DE GÊNERONA POLÍTICA E O DIREITO FUNDAMENTAL A ELEIÇÕES LIVRES DE FRAUDES

 

Por Yuri Felipe Lima Damasceno Cortez de Medeiros e Abraão Luiz Filgueira Lopes 1 INTRODUÇÃO O direito ao voto é um dos direitos mais importantes da democracia, uma vez que está diretamente ligado ao exercício da cidadania das pessoas para que estas façam parte do processo político, elegendo seus representantes ou até mesmo se candidatando

Por Yuri Felipe Lima Damasceno Cortez de Medeiros e Abraão Luiz Filgueira Lopes

1 INTRODUÇÃO

O direito ao voto é um dos direitos mais importantes da democracia, uma vez que está diretamente ligado ao exercício da cidadania das pessoas para que estas façam parte do processo político, elegendo seus representantes ou até mesmo se candidatando aos cargos políticos disponíveis. No entanto, durante muitos anos, apenas uma pequena parcela da população possuía acesso a este direito.

Desse modo, diversos grupos da sociedade brasileira eram excluídos da participação política, pois não tinham acesso a este direito básico fundamental que é o voto, pois eram impedidos de exercerem a sua cidadania de maneira cem por
cento democrática, pois não tinham vez, voz ou qualquer chance de escolha sobre quem estaria no poder para representá-los nos próximos anos, sendo completamente excluídos de todo e qualquer processo político que existia no país.

Um dos grupos prejudicados por tal conduta antidemocrática era justamente o das mulheres, de maneira que inviabilizava a existência de um(a) representante que defendesse os direitos da classe feminina. Nesse sentido, este trabalho tem como objetivo principal a realização de uma análise para averiguar se a criação da cota de gênero nas eleições proporcionais incentivou de fato a efetivação da participação feminina na política. Especificamente,
será observado se: a) verificar se a proposta que obriga a participação do gênero feminino nas campanhas realmente funciona; b) observar se são necessários outros incentivos sociais que levem representantes do gênero feminino a sua efetiva participação política por livre e espontânea vontade.

Para tanto, foi realizada uma pesquisa de caráter descritivo e exploratório, por meio da análise bibliográfica, documental, jurisprudencial e pesquisa de campo, com a realização de entrevistas semiestruturadas com três mulheres que foram candidatas em eleições municipais.

Diante disso, este trabalho está dividido em seis tópicos, sendo o primeiro esta introdução. O segundo, trata da representatividade feminina no cenário atual. O terceiro versa acerca da participação política igualitária como pressuposto democrático, observando-se as leis que visam incentivar a participação feminina na política e as fraudes existentes em decorrência das cotas intrapartidárias de gênero.

O quarto tópico aborda a opinião feminina diante do tema em questão, com os depoimentos coletados durante a pesquisa. Em seguida, está o entendimento do Tribunal Regional Eleitoral do estado do Rio Grande do Norte sobre as fraudes com relação à lei das cotas de gênero na política. Por fim, está a conclusão deste trabalho, seguido das referências bibliográficas utilizadas.


2 DA REPRESENTATIVIDADE FEMININA NO CENÁRIO ATUAL

O direito ao voto feminino só veio a se tornar possível após muita luta, empenho e um trabalho coletivo desempenhado por grupos de mulheres que tinham interesse e faziam questão de fazerem parte dos processos políticos do país. A luta por esse direito despontou no país no final do século XIX, pois foi no ano de 1881, que foi realizada a reforma na legislação eleitoral do país com a promulgação da denominada “Lei Saraiva”. Esta que trouxe grandes modificações para o sistema eleitoral do Brasil e, em seu artigo 4º, inciso X, veio a permitir que todo brasileiro com título científico pudesse votar, ou seja, liberando o voto também para as mulheres, porém só para aquelas que tivessem tal qualificação científica.

Desse modo, a representatividade feminina continuaria completamente irrelevante, pois pouquíssimas mulheres possuíam o requisito determinado. Vejamos o trecho da Lei Saraiva:
Decreto no 3.029, de 9 de janeiro de 1881 Reforma a legislação eleitoral. – Lei Saraiva.
Hei por bem Sanccionar e Mandar que se execute a seguinte Resolução da
Assembléa Geral:
Dos Eleitores
Art. 2º E’ eleitor todo cidadão brazileiro, nos termos dos arts. 6º, 91 e 92 da
Constituição do Imperio, que tiver renda liquida annual não inferior a 200$
por bens de raiz, industria, commercio ou emprego.
Art. 4º São considerados como tendo a renda legal, independentemente de
prova:
X. Os habilitados com diplomas scientificos ou litterarios de qualquer
faculdade, academia, escola ou instituto nacional ou estrangeiro, legalmente
reconhecidos.


Com a generalização proposta em lei de que “todo” brasileiro com título científico pudesse votar, a cientista Isabel de Souza Mattos aproveitou-se da oportunidade para exigir na Justiça o direito ao voto, mas não obteve sucesso.

Portanto, a luta pela participação política continuava muito longe de se encerrar, já que a possibilidade que surgiu com a reforma eleitoral era apenas o começo de uma longa caminhada, visto que a luta das mulheres pelo direito ao voto gerou um crescimento ainda maior da causa, no começo do século XX, quando chegaram a surgir associações, instituições e até partidos em defesa dessa pauta. Um dos grandes exemplos disso foi a fundação do Partido Republicano Feminino, porLeolinda Daltro e Gilka Machado, em 1910. O principal objetivo do partido era
mobilizar a sociedade em torno dos direitos políticos das mulheres, já que ambas as fundadoras sequer eram eleitoras, muito menos elegíveis.

No ano de 1920, uma das associações mais importantes para a causa foif undada e, assim, surgiu a Liga pela Emancipação Intelectual da Mulher (LEIM) que, posteriormente, veio a se tornar a Federação Brasileira para o Progresso Feminino (FBPF), filiada à International Woman Suffrage Aliance. Embora o estatuto da FBPF
previsse a defesa de outros aspectos, o centro de sua luta foi o sufrágio feminino.

Essa associação era liderada pela feminista Bertha Lutz, um dos grandes nomes na luta pela equiparação dos direitos de homens e mulheres no Brasil. O engajamento das mulheres diante dessa causa fortaleceu o movimento e
finalmente, na década de 1920, as primeiras conquistas começaram a ser percebidas, quando o estado do Rio Grande do Norte aprovou a Lei Estadual 660, de 25 de outubro de 1927, garantindo o direito de voto às mulheres. O feito ocorrido nas terras potiguares foi explorado pela Federação Brasileira pelo Progresso Feminino para que esse direito se estendesse às mulheres de todo o país.

Com a aprovação da lei no Rio Grande do Norte, a primeira mulher a exigir seu alistamento foi a professora Celina Guimarães, residente no município de Mossoró, sendo ela a primeira mulher a se alistar para voto tanto no Brasil como naAmérica Latina. Também em terras potiguares, apenas um ano depois, a cidade de Lajes/RN teve como candidata Alzira Soriano, que concorria ao cargo de prefeito municipal. Alzira não só foi candidata, como foi eleita com 60% dos votos, tomando posse em 1º de janeiro de 1929.

Porém, apesar dos avanços significativos que aconteceram no Rio Grande do Norte, o direito ao voto feminino só avançou no país anos depois, mais precisamente no ano de fevereiro de 1932, com a aprovação do Código Eleitoral (Decreto n.º21.076). Esse Código estabeleceu normas para a padronização das eleições que
seriam realizadas a partir daí, ficando estabelecido que o voto seria obrigatório esecreto, além de serem abolidas as restrições de gênero ao voto. Com isso, as mulheres conquistaram o direito de voto no Brasil, fazendo de nosso país o primeirona América Latina a conceder o sufrágio para as mulheres.

A conquista do voto pelas mulheres após a elaboração do Código Eleitoral de1932 pode ser percebida pelo Artigo 2º desse decreto, no qual se define quem podevotar “É eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na forma deste código” (BRASIL, 1932).

Dessa forma, as mulheres tiveram as suas atividades políticas devidamente iniciadas e podiam votar desde que tivessem mais de 21 anos e fossem alfabetizadas. A partir do ano de 1934, o voto feminino passou a constar da
Constituição promulgada naquele ano, estando presente inclusive nas constituições seguintes, e atualmente o voto é um direito assegurado a todo cidadão brasileiro, incluindo os analfabetos.

Apesar do exposto acima acerca dos esforços coletivos para que as mulheres passassem a participar de maneira efetiva em nosso cenário político, a sua representatividade ainda é mínima e muito abaixo do esperado nos dias de hoje,
tendo em vista que representam uma pequena maioria da população brasileira (51,8%, em 2019), segundo dados do IBGE (2019), e representam 52,5% dos eleitores no Brasil, segundo dados do próprio cadastro eleitoral, sendo mais de 77 milhões de eleitoras em todo o Brasil em um total de 147,5 milhões de eleitores
(TSE, 2020).

Mesmo correspondendo à maioria da população, o gênero feminino continua tento números inexpressivos na política, pois dos 557.407 pedidos de registro de candidatura que foram feitos junto ao Tribunal Superior Eleitoral nas eleições
municipais no ano de 2020, apenas 33,6% desses candidatos representavam o gênero feminino (TSE 2020). Tais números são absurdamente inferiores quando comparados à porcentagem de mulheres na população, sendo importante salientar que muitas dessas mulheres candidatas são apenas “laranjas” para o preenchimento
das cotas intrapartidárias de gênero, assunto que será amplamente debatido em
momento oportuno.

No ano de 2020, foram eleitas apenas 651 prefeitas (12,1%), contra 4.750
prefeitos (87,9%); já para as câmaras municipais, foram eleitas 9.196 vereadoras
(16%), contra 48.265 vereadores (84%). A discrepância de gêneros é avassaladora
quando colocada lado a lado, mas não impediu que houvesse uma grande conquista
para as mulheres nas eleições de 2020, quando houve um aumento no número total
de mulheres eleitas, com mais de 50% de candidatas ao cargo de prefeito e viceprefeito, o que apesar de ser um grande avanço, não é o suficiente.

Nas últimas eleições gerais, que ocorreram no ano de 2018, apesar da nítida
desproporção que ainda existe, houve grandes avanços rumo à igualdade de gênero
no cenário da representação política brasileira. Com efeito, tivemos 290 eleitas para
assumir os cargos em disputa, correspondendo a 16,20% do universo de 1.790
escolhidos, um crescimento de 5,10% com relação à eleição anterior (TSE, 2019).

Para a Câmara dos Deputados, em 2018, foram eleitas 77 parlamentares, um
aumento de 51% em relação ao último pleito, quando foram escolhidas 51 mulheres
para a casa. Já nas assembleias legislativas, foram eleitas 161 representantes, um
crescimento de 41,2% em relação a 2014, quando foram escolhidas 114 mulheres
para o cargo de deputada estadual. No Senado Federal, apenas sete mulheres
foram eleitas, representando 13% dos parlamentares da casa (TSE, 2019).

Dessa forma, os números acima apresentados retratam a dura realidade da
discrepância entre representatividade de gêneros no cenário político brasileiro, pois
apesar do incentivo à participação feminina na política, isso não vem ocorrendo como
o esperado. Basta colocar os números de representantes lado a lado para observar
que, apesar da maioria feminina do eleitorado e da população brasileira, infelizmente
a sua sub-representação no cenário eleitoral ainda se trata de uma realidade evidente,
deixando diversas dúvidas e questionamentos quanto às iniciativas tomadas rumo ao
incentivo feminino na participação política estarem corretos.

3 A PARTICIPAÇÃO POLÍTICA IGUALITÁRIA COMO PRESSUPOSTO
DEMOCRÁTICO

Inicialmente, é necessário conceituar a democracia para que se torne nítida a
sua ligação direta com a importância da existência de representantes que se
identifiquem com a maioria das classes existentes na sociedade, e não somente
com algumas delas, visando a satisfação política de todos e não só de grupos em
específico, pautando-se nisso a necessidade da igualdade.

O conceito de democracia é um debate que intriga diversos estudiosos da
Ciência Política há séculos, ao se debruçarem sobre essa discussão. Robert Dahl
(2001), em seu livro “Sobre a democracia”, apresenta posicionamentos
extremamente importantes para a teoria democrática contemporânea, evidenciando
a exigência de que todos os cidadãos sejam considerados politicamente iguais como
um princípio elementar de um governo democrático, ou seja, sob o amparo de que
todos sejam tratados como se estivessem igualmente qualificados para participar do
processo de tomada de decisões políticas.

De acordo com Dahl (2001), para que um governo possa estabelecer um
processo democrático apto a satisfazer esse pressuposto, deve haver a observância
de cinco critérios interdependentes. Os quatro primeiros determinam que os
cidadãos devem ter oportunidades iguais e efetivas para: a) manifestar-se
previamente acerca da adoção de uma política (participação efetiva); b) decidir
sobre a adoção de uma política, devendo os votos ser contabilizados igualmente
(igualdade de voto); c) aprender sobre políticas alternativas e suas consequências
(entendimento esclarecido); d) decidir como e quais pautas devem ser colocadas no
planejamento, possibilitando a revisão de políticas adotadas e a inclusão de novas
(controle do programa de planejamento). O quinto determina que “Todos ou, de
qualquer maneira, a maioria dos adultos residentes permanentes deveriam ter o
pleno direito de cidadãos”.

Dessa forma, podemos perceber que a democracia não é uma linha reta, pois
é pautada em diversos e diferentes princípios, sendo necessário apenas entender
que ela serve para permitir que o máximo possível de cidadãos participe do governo
através do sufrágio universal. Sendo assim, torna-se nítida a necessidade da
diversidade de representantes em nosso país, pois é com ela que conseguiremos
atingir o sentimento popular de participação política ativa, o que claramente não
ocorre. Nesse sentido, a sub-representação feminina na política nacional tem sido
objeto de constantes debates acadêmicos e proposições legislativas, com o principal
objetivo de sanar esse déficit histórico existente, que põe o Brasil em posição
vexatória quando se trata da representação feminina na política.

Exemplo disso é a pesquisa realizada pela União Interparlamentar (IPU), que
trouxe dados de representação feminina no Congresso Nacional das Nações pondo
o Brasil na posição 154ª dentre 188 analisadas. Em análise dos dados do TSE,
Marilda Silveira (2019, p. 270) traz que nas circunscrições estaduais e municipais a
situação não é diferente, tendo sido apenas de 11% a ocupação feminina das
cadeiras de assembleias legislativas nas eleições 2014, enquanto no legislativo
municipal o sexo feminino não passa dos 14%.

Nesse cenário, visando melhorar a diversidade de gêneros dos
representantes, o próprio texto legal ordinário veio a contemplar previsão normativa
no sentindo de minimizar a discrepante disparidade participativa entre gêneros no
Brasil ao prever a “cota de gênero”, estabelecendo que do número de candidaturas a
serem lançadas pelo partido, observar-se-á o percentual mínimo de 30% para
candidaturas do sexo minoritário, conforme literalidade do art. 10, §3º, da Lei nº
9.504/199744
.
3.1 Das leis que “incentivam” a participação feminina na política

No ano de 1995, foi aprovada a Lei n° 9.100, estabelecendo o mínimo de 20%
de candidaturas femininas para os cargos legislativos nas eleições municipais de

  1. Em 1997, essa lei foi substituída pela Lei n° 9.504, com o Código Eleitoral
    Brasileiro, que estabeleceu o mínimo de 25% para as candidaturas femininas nas
    eleições de 1998, elevado para 30% a partir das eleições municipais de 2000.
    Já a Lei n° 12.034, aprovada em 2009, criou uma cota de 30% de
    candidaturas para mulheres. A norma obrigava que as candidaturas aos cargos
    proporcionais – deputado federal, estadual ou distrital e vereador – fossem
    preenchidas (e não apenas reservadas, como era antes) com o mínimo de 30% e o
    máximo de 70% de cidadãos de cada sexo. Verificou-se, no entanto, que os partidos
    lançavam candidaturas de mulheres apenas para preencher a cota, sem investir em
    suas campanhas.

Por isso, para as Eleições Gerais de 2018, o Tribunal Superior Eleitoral, por
meio da Resolução TSE nº 23.553/2017, estabeleceu que os partidos políticos
destinassem ao financiamento de campanhas de suas candidatas no mínimo 30%
do total de recursos do Fundo Partidário utilizado nas campanhas eleitorais.
A norma determinou, ainda, que os recursos do Fundo Partidário teriam de
ser aplicados na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da
participação política das mulheres, criados e mantidos pela secretaria da
mulher do respectivo partido político ou, inexistindo a secretaria, pelo

Art. 10. Cada partido ou coligação poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a
Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 150%
(cento e cinquenta por cento) do número de lugares a preencher, salvo: […] § 3o Do número de vagas
resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30%
(trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política de
que trata o inciso IV, conforme percentual que será fixado pelo órgão
nacional de direção partidária, observado o mínimo de 5% (cinco por cento)
do total (TSE, 2017).

As determinações da Resolução nº 23.575/2018 foram implementadas após
decisão tomada pelo TSE em maio, quando o Plenário da Corte confirmou que as
agremiações partidárias deverão reservar pelo menos 30% dos recursos do Fundo
Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), conhecido como Fundo Eleitoral,
para financiar candidaturas femininas.

3.2 Das fraudes existentes em decorrência das cotas intrapartidárias de gênero

Como foi amplamente exposto anteriormente, as mulheres são historicamente
excluídas da vida política, vindo a conquistar seus direitos políticos de forma bem
mais tardia do que os homens. Contrariando os tempos passados, o cenário atual
demonstra que a presença de mulheres na política tem ganhado nos últimos anos
um lugar privilegiado no debate público, mas infelizmente a quantidade de mulheres
no Poder Legislativo permanece significativamente menor em relação à de mulheres
na sociedade.

Embora a Lei Eleitoral não preveja que a reserva do percentual mínimo será
ocupada pelo sexo feminino, a prática eleitoral no Brasil, principalmente ao se tratar
de eleições municipais, conduz inequivocamente a esta pressuposição. Portanto,
trata-se de uma política afirmativa que busca a expansão da participação da mulher
no processo eleitoral brasileiro.

No entanto, a referida “cota de gênero” implica grandes desafios e, dentre
eles, está o que será analisado no presente artigo, qual seja: garantir que os
diretórios partidários em vigência – inclusive os municipais – recebam verbas
destinadas à promoção da participação da mulher na política e, de fato, impulsionem
campanhas educativas nesse sentido.

Tendo em vista que o país convive com um déficit histórico da ínfima
participação feminina no processo eleitoral, a mera exigência de percentual mínimo
por gênero nas composições das chapas proporcionais está muito distante das ações partidárias que estimulem essa participação. Assim, o que realmente ocorre é que tal exigência termina por ocasionar uma verdadeira peça de teatro, pois temos visto atualmente a “obediência” da cota de gênero através do lançamento de candidaturas femininas “laranjas”, simulando o alcance do percentual estabelecido em lei.

Para Manuela Nonô (2019, p. 311), uma das principais causas do insucesso
das cotas de gênero seria o preenchimento fraudulento das vagas pelos partidos
políticos. Ao que tudo indica, o contexto das enganosas candidaturas femininas está
inserido em um cenário de consequência à inexistência de políticas partidárias
contínuas que incentivem, de fato, a participação feminina, o que é exposto no
deficitário sistema de repasse das verbas as agremiações estaduais e municipais
para que seus diretórios promovam as respectivas ações de incentivo.

É evidente que o percentual mínimo exigido pela lei eleitoral é muito aquém
do necessário para alcançar o objetivo da norma. Na prática, e não raramente,
sequer há qualquer recebimento de verba do Fundo Partidário pelos diretórios
municipais, sendo importante destacar que muitos destes diretórios só aparecem em
anos eleitorais.

No sentido de contribuir com a efetiva participação da mulher na política, e
não tão somente no processo eleitoral, o retorno das doações por pessoas jurídicas
ganha extrema relevância ao soar como alternativa de arrecadação aos diretórios
partidários estaduais e municipais para arcar com o financiamento de programas de
incentivo a essa participação, semeando uma base para colher o crescimento do
quantitativo de mulheres políticas.

Nesse sentido, ainda que o Tribunal Superior Eleitoral se posicione de forma
rígida diante da eventual tentativa de fraudar a cota de gênero, impondo aos partidos
a sanção de indeferimento do DRAP, ocasionando a cassação de todos os
diplomas, o fato é que a efetiva participação feminina na política está muito mais
ligada à atuação de programas partidários de incentivo do que ao direito eleitoral
sancionador.
Relembra-se que não é possível caracterizar-se candidaturas como “laranjas”
pela mera ausência de votos dados a candidatas, porquanto o recebimento de votos
não é exigível a nenhum candidato, ao passo que o não recebimento será mero
indício de fraude. Quanto ao tema proposto, o ex-ministro do TSE, Henrique Neves
(2019), deixa claro que “ninguém pode ser considerado culpado por seu nome, suas
ideias e propostas não terem sido aceitas pelo eleitorado. O que define a falsidade,
nesse caso, é a inexistência da campanha eleitoral”.

Hoje se observa o crescimento de lides eleitorais com o objetivo de analisar
eventuais candidaturas femininas “laranjas”; logo mais os diretórios partidários estarão a burlar os critérios adotados pela justiça eleitoral a identificar candidaturas “laranjas”
e teremos, então, não apenas candidatas “laranjas” como também propagandas
eleitorais “laranjas”, prestações de contas “laranjas”, eleitores “laranjas” (aqueles que votaram em determinada candidata para maquiar a fraude), etc.

Assim, embora de suma importância para o crescimento da participação
feminina no processo eleitoral, a ação afirmativa de cota de gênero prevista no art.
10, §3º, da Lei das Eleições, e suas respectivas sanções correspondentes, são
insuficientes para a efetiva participação das mulheres na política. A própria Manuela
Nonô (2019, p. 305), não obstante ponderar a relevância da cota de gênero,
destaca: “Da instituição das cotas até hoje, o aumento no número de candidaturas
femininas foi muito maior que o do número de eleitas, que teve crescimento
praticamente imperceptível”.

Portanto, faz-se necessário, para o efetivo crescimento da participação
feminina na política, que o déficit histórico de baixa representatividade seja sanado
com o investimento em programas partidários de incentivo à participação das
mulheres.

4 DA OPINIÃO FEMININA DIANTE DO TEMA EM QUESTÃO

Diante do polêmico tema em questão, algumas representantes políticas do
Estado do Rio Grande do Norte emitiram opinião sobre as cotas intrapartidárias de
gênero e qual seria a solução para que se resolva ou pelo menos se amenize a
quantidade de candidaturas laranjas femininas nas eleições.

A primeira a opinar sobre o tema foi Francisca Soares da Silva, conhecida
como “Peba Soares”, atual vice-prefeita da cidade de Ielmo Marinho/RN:
Eu sou Francisca Soares, conhecida como Peba. Exerci dois mandatos de
vereadora em Ielmo Marinho e hoje estou como vice-prefeita pelo segundo
mandato. Entrei na política por vontade própria e vejo que as mulheres
temem muito em lançar o seu nome, pois escuto muitos relatos em meu dia
a dia dizendo que tenho muita coragem em ser candidata. Agora, para que
não exista candidatura laranja, acho que deveria ser eliminada a cota
partidária e deixar livre, além de incentivar as mulheres, incentivo através
dos partidos, priorizar as mulheres, criar grupos femininos, lançar ações
comunitárias… Isso não só no período eleitoral, mas sim no dia a dia,
fazendo o social, que é muito importante. Então eu acredito que a solução
seria um grande incentivo para as mulheres procurarem por livre e
espontânea vontade partidos para lançarem as suas candidaturas, para que
não tenha que ser feito por obrigação, por exigência ou por lei (SILVA,
2021, informação verbal).

Também opinando sobre o tema, Marianna Almeida Nascimento, atual
prefeita da cidade de Pau dos Ferros/RN:

Meu nome é Marianna, eu estou prefeita de Pau dos Ferros/RN, a cidade
mais importante da nossa região, a região do Alto Oeste Potiguar, onde
temos ao todo 37 (trinta e sete) municípios que fazem parte dessa região e
pra mim é com muito orgulho que assumi essa função de prefeita hoje, e fui
a primeira mulher eleita prefeita do nosso município, então assim, é um
marco muito grande na minha vida, mas também na vida de todas as
mulheres que acabam me vendo até como fonte de inspiração. Então
assim, eu acho que as cotas de gênero acaba precisando ter, porque nesse
mundo da política predominantemente é bem mais ocupado por homens, já
participei de reuniões em Brasília onde tinham cerca de 30 (trinta) prefeitos
homens e somente eu de mulher, as vezes a gente até acaba perdendo até
a fala porque todos eles ficam naquele “negócio” exaltados, discutindo…
Mas a gente precisa sim manter nosso posicionamento, precisamos ter um
papel de destaque onde a gente tá, então eu acredito que essa forma de
obrigar que existam essas cotas de gênero é uma forma de realmente
resguardar os espaços que podem ser ocupados por mulheres, os espaços
femininos, então eu acredito que é, que não deixa de ser uma forma de
incentivo nesse sentido, mas acredito que mais do que nunca precisa de
uma política mais intensa para que evite essas candidaturas laranjas, no
sentido de incentivo, para que as mulheres participem na política, para que
as mulheres vejam que a política não é mais aquele espaço somente de
homem. O lugar da mulher é exatamente onde ela quiser estar e na política
é um desses locais que precisa de fato da mão feminina para gerir os
municípios, então acredito que com o incentivo, com determinadas
estratégias para incentivar a participação da mulher no cenário político local,
a qualificação de mulheres em determinados curso de liderança para que
adquiram habilidades para atuação nos espaços públicos, nos espaços
políticos, acho que é mais ou menos por ai, acho que não é só disponibilizar
a cota, mas sim ter instrumentos para que as mulheres ocupem essa cota e
não seja apenas para cumprir uma obrigação eleitoral, seja por vontade
própria né?! Por ter abertura para fazer determinadas contribuições no
cenário político, acho que vai por aí, bem nesse sentido de que a coisa
funciona dessa forma, sempre visualizando a possibilidade de manter
sempre as mulheres em qualificação, em especializações, em incentivos…
com propagandas bacanas nas mídias, acho que todo esse tipo de trabalho
precisa ser exercido o quanto antes para que mais mulheres ocupem locais
de destaque na nossa política local (NASCIMENTO, 2021, informação
verbal).

No mesmo teor das representantes anteriores, a atual prefeita do município
de Ielmo Marinho/RN, Rossane Marques Lima Patriota, opinou o seguinte:
Primeiramente, sobre as cotas intrapartidárias de gênero. O caminho das
cotas, ele torna mais rápido que as mulheres cresçam nos cargos público,
talvez para compensar tantos anos de limitações, de preconceitos, que
infelizmente hoje ainda existe. Mas as mulheres vem a cada ano mais
célere conquistando o seu espaço. Já para que se resolva o problema das
candidaturas laranjas femininas, no meu ponto de vista seria uma fiscalização mais rigorosa, mais eficaz e uma punição severa aos partidos
que não cumprirem a lei (PATRIOTA, 2021, informação verbal).


5 DO ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO ESTADO DO
RIO GRANDE DO NORTE

Com os inúmeros casos de candidaturas laranjas femininas, principalmente
nas eleições proporcionais, o Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Rio Grande
do Norte (TRE) passou a julgar diversas Ações e Impugnação de Mandato Eletivo
(AIME) tratando do abuso de poder político/autoridade, com foco nas
corrupções/fraudes das cotas intrapartidárias de gênero, o que é gerado pelas
candidaturas laranjas femininas para o preenchimento das cotas de gênero.

As sentenças, em sua maioria, versam sobre o reconhecimento da prática do
abuso de poder, consubstanciada na fraude à norma constante no artigo 10, § 3°, da
Lei n° 9.504/1997 (cota de gênero), caracterizadas por candidaturas femininas
consideradas fictícias. A consequência dessas sentenças de reconhecimento à
fraude de gênero é tornar SEM EFEITO o Demonstrativo de Regularidade de Atos
Partidários (DRAP) do partido, que lançou as candidaturas fantasmas, determinando
tanto a ANULAÇÃO DOS VOTOS recebidos pela legenda no sistema proporcional
das Eleições Municipais, como também, em ato reflexo, a CASSAÇÃO DOS
DIPLOMAS de MANDATOS ELETIVOS dos eleitos e suplentes e a retotalização do
quociente eleitoral e diplomação dos novos eleitos.

De forma resumida, as candidaturas que se configuram, de fato, como
laranjas, levam literalmente todo o investimento feito pelo partido na campanha a se
perder, uma vez que as sentenças cassam as chapas com candidaturas fantasmas
por completo, pois os votos estão sendo anulados por legenda e não apenas os
votos da candidata fantasma, de forma que prejudica todos os candidatos e não só o
que tentou burlar a legislação.

Para que melhor seja compreendido o entendimento majoritário do TRE, o
parecer da Procuradoria do TRE nos autos do processo nº 0600001-
19.2021.6.20.0006, especifica alguns detalhes para que se configure a candidatura
laranja, fraudando as cotas de gênero:

EMENTA: ELEITORAL. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE
MANDATO ELETIVO. RECURSO. ALEGAÇÃO DE FRAUDE À COTA DE
15
GÊNERO. CANDIDATURAS FEMININAS SIMULADAS. É ASSENTE O
ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL NO SENTIDO DE QUE NÃO
DEVEM SER CASSADOS MANDATOS ELETIVOS QUANDO NÃO
SUFICIENTEMENTE DEMONSTRADO O PROPÓSITO PREVIAMENTE
DELIBERADO DE FRAUDAR A REGRA QUE EXIGE A RESERVA DE
VAGAS POR GÊNERO NO REGISTRO DE CANDIDATURAS. AUSÊNCIA
DE PROVA ROBUSTA NA ESPÉCIE PARA DEMONSTRAR O ACERTO
PRÉVIO ENTRE O PARTIDO E O(S) CANDIDATO(S). PARECER PELO
CONHECIMENTO E PROVIMENTO DO RECURSO.

De início, logo na ementa citada acima já podemos perceber que não é tão
simples que seja acatada a AIME alegando o abuso de poder por fraude às cotas
gênero, é necessário prova robusta para que a cassação da chapa fraudadora se
concretize.

A AIME acima citada encontra-se em trâmite na 6ª Zona Eleitoral, em CearáMirim/RN, em face dos candidatos ao cargo de vereador pelo Partido Socialista
Brasileiro (PSB), nas eleições daquele município, em 2020, imputando-lhes a prática
de fraude em razão do lançamento de duas candidaturas supostamente fictícias.
Após tramitação regular do feito em primeira instância, em dissonância com o
parecer do Ministério Público Eleitoral (MPE) oficiante na primeira instância, o juiz a
quo julgou procedentes os pedidos formulados, reconhecendo a prática de abuso de
poder consubstanciada na fraude à norma constante no artigo 10, §3°, da Lei n°
9.504/1997 (cota de gênero), perpetrada pelas duas impugnadas que concorreram
com candidaturas consideradas fictícias pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) de
Ceará-Mirim nas eleições municipais de 2020.

Além disso, assim como já citado acima, também tornou sem efeito o
Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) do PSB de Ceará-Mirim
e determinar tanto a ANULAÇÃO DOS VOTOS recebidos por essa legenda no
sistema proporcional das eleições municipais de 2020, conforme preconizado pelos
artigos 222 e 237, ambos do Código Eleitoral, como também, em ato reflexo,
determinar a CASSAÇÃO DOS DIPLOMAS de MANDATOS ELETIVOS dos eleitos e
suplentes, ordenando, ainda, a necessária atualização nos sistemas CAND/SISTOT.

Porém, como já citado acima, são necessárias provas robustas para que se
concretize a cassação do mandato por candidaturas fictícias; portanto, o parecer da
Procuradoria constatou que as provas produzidas não evidenciavam a fraude em
questão, pois, não há prova na espécie a indicar o dolo de fraudar as eleições.

Dessa forma, os elementos indicativos dos fatos alegados como fraudulentos
não apontam, com a segurança que se exige nesses casos, que as candidatas
tenham perpetrado efetivamente a infração ao disposto no art. 10, § 3.º, da Lei n.º
9.504/1997, cuja transgressão, segundo assentado pelo Tribunal Superior Eleitoral,
exige prova robusta, “a denotar o incontroverso objetivo de burlar o mínimo de
isonomia entre homens e mulheres que o legislador pretendeu assegurar (…)” (TSE.
RO-El -Agravo Regimental no Recurso Ordinário Eleitoral nº 060169322 –Porto
Velho/RO, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, DJe 22/04/2021).

Em casos como esse, impositiva a demonstração de que o ardil perpetrado,
normalmente precedente à fase de registro de candidatura e da campanha eleitoral,
seja voltado ao mero preenchimento formal da cota. No caso acima retratado,
durante o trâmite processual as candidatas obtiveram êxito em comprovar seu
interesse no lançamento de suas candidaturas, bem como a participação em atos
políticos partidários e a confecção de material de campanha.

As candidatas provaram junto à prestação de contas acostadas aos autos que
houve movimentação financeira de recursos por ambas as candidatas, sobretudo
dispêndio com materiais de campanha, conforme revelam as notas fiscais
apresentadas, emitidas durante o curso da campanha eleitoral. Além disso, juntaram
imagens de “santinhos” e bottons.

Nesse sentido, o parecer do TRE deixa evidente a existência de
candidaturas fictícias cadastradas no DRAP simplesmente para burlar as cotas de
gênero, porém, elenca uma série de fatores necessários para que realmente seja
comprovada a candidatura laranja, mas mesmo com todos os fatores necessários,
ainda assim, não são poucas as chapas cassadas por burlarem as cotas
intrapartidárias de gênero.

Nos autos do processo nº 0600001-93.2021.6.20.0046, em trâmite perante a
46ª Zona Eleitoral de Ceará Mirim/RN, em caso semelhante foram feitas as
seguintes constatações durante o trâmite processual:

EMENTA: AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL – AIJE.
VEREADORES. ELEIÇÕES MUNICIPAIS DE 2020. ALEGAÇÃO DE
FRAUDE. COTA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97.
“CANDIDATURAS FICTÍCIAS”. PARÂMETROS DEFINIDOS PELO TSE.
LEADING CASE DO RESPE 193-92/PI. PRESENÇA DE PROVAS
ROBUSTAS. IMPOSSIBILIDADE DE CONDICIONAMENTO À PROVA
CATEGÓRICA DE CONLUIO PRÉVIO. ENTENDIMENTO QUE ANIQUILA
OS VALORES OBJETIVOS DA NECESSIDADE DE TUTELA DAS
PRÓPRIAS COTAS DE GÊNERO. CANDIDATURAS COM VOTAÇÃO
INEXPRESSIVA. AUSÊNCIA DE MOVIMENTAÇÃO DE RECURSOS NAS
PRESTAÇÕES DE CONTAS. CANDIDATURA SEM POTENCIAL DE
DEFERIMENTO. DESISTÊNCIA QUE PRECISA SER COMPATIBILIZADA
COM OS IDEAIS NORMATIVOS. INTERPRETAÇÃO QUE O
PERCENTUAL SÓ SE FAZ NECESSÁRIO QUANDO DO DRAP
INVIABILIZA MUDANÇAS. FRAUDE RECONHECIDA. ROBUSTEZ DAS
PROVAS CONSIDERADAS. ANULAÇÃO DOS VOTOS. CASSAÇÃO DOS
MANDATOS DOS ELEITOS E SUPLENTES. INELEGIBILIDADE POR OITO
ANOS RESTRITA AOS PARTICIPANTES DIRETOS DA FRAUDE.
PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS QUE SE IMPÕE (AÇÃO DE
IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (11526) Nº 0600001-
19.2021.6.20.0006 / 006ª ZONA ELEITORAL DE CEARÁ-MIRIM RN).
Nesse caso, há indícios gritantes de fraude de candidatura do sexo feminino
de duas candidatas, em que uma delas sequer possuía domicílio eleitoral no
município para o qual se candidatara, tampouco tempo mínimo de filiação partidária,
não tendo sequer recorrido da sentença de indeferimento de seu registro de
candidatura. Por outro lado, a outra candidata fictícia renunciou à candidatura logo
após o deferimento do DRAP sem que o partido tivesse providenciado sua
substituição, quando podia fazê-lo, o que é indício suficiente para evidenciar a sua
candidatura fraudulenta.

Além destas, mais duas candidatas femininas da chapa do PSDB obtiveram
votações inexpressivas (poucos votos) em relação ao total de votos obtidos pelos
candidatos do sexo masculino da mesma chapa, bem como não realizaram atos de
campanha para si, mas tão somente pediram votos para o candidato ao cargo
majoritário, tendo suas contas de campanha sido apresentadas à Justiça Eleitoral
sem movimentação financeira, fatos que, analisados em conjunto, caracterizariam
indícios fortes de fraude em suas candidaturas.

Em sua fundamentação, a sentença traz uma colocação fundamental para
que se torne ainda mais evidente a função dos partidos dentro do cenário político,
influenciado inclusive no incentivo à candidaturas femininas e outros quesitos que
levam a ações como esta, vejamos:

Terceiro: os partidos e coligações políticos, infelizmente, são utilizados com
fins meramente eleitoreiros, ou seja, suas estruturas formais e jurídicas, na
maioria dos casos, só servem para assegurar ou manter privilégios pessoais
de alguns de seus integrantes, sem que haja qualquer interesse realmente
partidário e com isso os abusos de poder ficam mais fáceis de serem
praticados, já que a falta de uma ideologia partidária na acepção da palavra
faz com que haja todo tipo de acomodação e muitas vezes, através dessas
entidades, é que se cometem muitas das ilegalidades que viciam o
processo eleitoral e tal fato não será também olvidado em nenhum dos
julgamentos a nós submetidos (AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO
ELETIVO (11526) Nº 0600001-19.2021.6.20.0006 / 006ª ZONA ELEITORAL
DE CEARÁ-MIRIM RN).

A colocação feita pelo juiz é de extrema importância para que se escancare a
falta de incentivo, conforme já foi abordado neste artigo, uma das funções do partido
é incentivar e investir na candidatura feminina, o que nitidamente não ocorre, e os
partidos nas vésperas das eleições terminam por levar mulheres a serem candidatas
no “laço”, sem que exista um preparo ou sequer um incentivo para isso.
Ao final da fundamentação, é feita outra importantíssima observação acerca
da igualdade de gênero dentro do meio político, no que se refere à vontade dos
homens que comandam os partidos em predominar no partido, sem que exista uma
concorrência com o gênero feminino. Vejamos:

Quinto e último dentro da particularidade desse julgamento, na qual
infelizmente podemos claramente deduzir que o contexto geral trazido só
potencializa a realidade de que os homens querem continuar a sua
predominância no meio político, pois infelizmente os avanços legais para
que a igualdade de gênero se faça representar efetivamente na conquista
de mandatos foram incipientes, justamente porque na mesma pegada, os
que comandam os partidos, maioria esmagadora por homens, não só
continuam burlando as regras, bem como não estimulam substancialmente
que as mulheres possam efetivamente concorrer, pelo contrário, as induzem
a participar das fraudes, o que evidentemente, quando devidamente
comprovado, não pode ser tolerado, devendo ser aplicada a sanção a
todos, tudo com escopo de que possamos avançar nessa política legal
estabelecida e que esperamos que no futuro se consolide (Ação de
Impugnação de Mandato Eletivo (11526) Nº 0600001-19.2021.6.20.0006 /
006ª Zona Eleitoral de Ceará-Mirim RN).

Além de tudo isso, a sentença também traz o leading case que estabeleceu
os marcos hermenêuticos que serviram para nortear a análise dos fatos e das
provas nos casos de candidaturas fictícias, tendo o Tribunal Superior Eleitoral a
oportunidade de se debruçar sobre o tema ao analisar o Recurso Especial Eleitoral
nº 193-92/PI (Dje 04/10/2019), de relatoria do Ministro Jorge Mussi, caso
emblemático do município de Valença, no Estado do Piauí. Vejamos, a seguir, a
ementa do referido Acórdão e seus principais pontos que guardam relação com o
caso concreto:

RECURSOS ESPECIAIS. ELEIÇÕES 2016. VEREADORES. PREFEITO.
VICE-PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL
(AIJE). ART. 22 DA LC 64/90. FRAUDE. COTA DE GÊNERO. ART. 10, §
3º, DA LEI 9.504/97. […] TEMA DE FUNDO. FRAUDE. COTA DE GÊNERO.
ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97. ROBUSTEZ. GRAVIDADE. AFRONTA.
GARANTIA FUNDAMENTAL. ISONOMIA. HOMENS E MULHERES. ART.
5º, I, DA CF/88. 4. A fraude na cota de gênero de candidaturas representa
afronta à isonomia entre homens e mulheres que o legislador pretendeu
assegurar no art. 10, § 30, da Lei 9.504/97 – a partir dos ditames
constitucionais relativos à igualdade, ao pluralismo político, à cidadania e à
dignidade da pessoa humana – e a prova de sua ocorrência deve ser
robusta e levar em conta a soma das circunstâncias fáticas do caso, o
que se demonstrou na espécie. 5. A extrema semelhança dos registros
nas contas de campanha de cinco candidatas – tipos de despesa,
valores, data de emissão das notas e até mesmo a sequência numérica
destas – denota claros indícios de maquiagem contábil. A essa
circunstância, de caráter indiciário, somam-se diversos elementos
específicos. 6. A fraude em duas candidaturas da Coligação Compromisso
com Valença 1 e em três da Coligação Compromisso com Valença II revelase, ademais, da seguinte forma: a) lvaltânia Nogueira e Maria Eugênia de
Sousa disputaram o mesmo cargo, pela mesma coligação, com
familiares próximos (esposo e filho), sem nenhuma notícia de
animosidade política entre eles, sem que elas realizassem despesas
com material de propaganda e com ambas atuando em prol da campanha
daqueles, obtendo cada uma apenas um voto; b) Maria Neide da Silva
sequer compareceu às urnas e não realizou gastos com publicidade; c)
Magally da Silva votou e ainda assim não recebeu votos, e, além disso,
apesar de alegar ter sido acometida por enfermidade, registrou gastos
– inclusive com recursos próprios – em data posterior; d) Geórgia Lima,
com apenas dois votos, é reincidente em disputar cargo eletivo apenas
para preencher a cota e usufruir licença remunerada do serviço
público. […] (Recurso Especial Eleitoral n° 19392, Acórdão, Relator(a) Min.
Jorge Mussi, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 193, Data
04/10/2019, Página 105/107).

O julgamento desse processo representou significativa mudança de
paradigma e estabeleceu diretrizes para toda a Justiça Eleitoral, uma vez que essa
questão, por demais complexa, ainda não havia sido examinada com a devida
profundidade.

De acordo com a diretriz firmada pelo TSE, para fins de configuração de
fraude à cota de gênero que conduza à cassação de mandatos, a prova de sua
ocorrência deve ser robusta e levar em conta a soma das circunstâncias fáticas do
caso. A decisão também apontou algumas circunstâncias fáticas consideradas aptas
a caracterizar a fraude: a) disputa entre candidatos com parentesco entre si na
mesma coligação sem notícia de animosidade entres eles; b) indícios de maquiagem
contábil, com extrema semelhança entre os registros das contas de campanha das
candidatas; c) votação zerada; d) disputar cargo eletivo apenas para preencher a
cota e usufruir licença remunerada do serviço público.

Por fim, diante das circunstâncias fáticas acolhidas pelo entendimento
majoritário do TSE, ficou constatado nos autos do caso na 46ª Zona de Eleitoral de
Ceará-Mirim o seguinte:
Desconsiderando toda argumentação ora desenvolvida em torno da fraude
discutida, embora esse não seja o propósito, é fato inconteste que o
percentual mínimo da cota de gênero, prevista no art. 10,§3º da Lei nº
9.504/1997, fora cumprido no momento do julgamento do DRAP, mas não
encontrava-se atendido no dia da eleição, já que, a Urna Eletrônica contava
com menos de 30% de candidaturas do sexo feminino do partido
Investigado – PSDB, o que representou, como ora defendido, em patente
transgressão da norma prevista no art. 10,§3º da Lei nº 9.504/1997; 2) As
votações das candidatas do sexo feminino foram inexpressivas, pífias em
relação a dos demais candidatos do sexo masculino da mesma legenda; 3)
As prestações de contas das candidatas do sexo feminino apresentaram-se
sem movimentação de recursos e/ou doações estimáveis; 4) O motivo que
ensejou o indeferimento do registro de candidatura de ANA KARLA DE SÁ,
qual seja, ausência de domicílio eleitoral no município de Taipu, e a
ausência de recurso da decisão de indeferimento do seu RCAN,
demonstram que a candidatura da mesma foi “fabricada” com intuito
exclusivo de preenchimento da cota de candidaturas do sexo feminino. 5)
Não houve, em momento algum do conjunto probatório, prova efetiva de
que as candidatas impugnadas realizaram campanha eleitoral; 6) O
santinho da candidata Investigada, ANA KARLA DE SÁ, juntado aos autos
(ID nº 84483068), com fins de se comprovar a realização de campanha
eleitoral pela mesma, não merece ser reconhecido como prova desse fato,
por duas razões: a uma, porque não houve registros da confecção desse
material na prestação de contas da Investigada; a dois, porque, suposto uso
do material, seja impresso ou não, não fora confirmado pelos demais
Investigados em juízo, o que pode denotar até sua elaboração para fins de
iludir o presente processo; 7) É irrelevante perquirir, in casu, o motivo da
renúncia da candidata NÁDIA FERNANDA LIMA DE ALMEIDA, para fins de
se concluir pela fraude, já que o somatório dos outros elementos de provas
são suficientes para tanto. (Recurso Eleitoral nº 0600001-
19.2021.6.20.0006. Recorrente: Aderbal Pereira de Araújo Filho e outros.
Recorrido: Jácio Luiz da Silva Cruz. Relatora: Juíza Adriana Cavalcanti.
Natal/RN, 21 de Outubro de 2021).

As circunstâncias apontadas acima, analisadas em conjunto, são mais que
suficientes para atestar a não observância da regra prevista no art. 10, §3º da Lei nº
9.504/1997, no dia da eleição, e, ao mesmo tempo, comprovar a fraude perpetrada
pelas impugnadas em benefício do seu partido.

No presente caso, em decorrência lógica dos fatos e com base nas provas
obtidas, foi concluído que as impugnadas participaram da convenção somente para
validar seu consentimento e dar ares de legalidade às suas candidaturas, uma vez
que não consta sua participação em outros atos de campanha do partido, como
carreatas, caminhadas, visitas e passeatas, corriqueiras em qualquer campanha
eleitoral. Tampouco fizeram propaganda na internet, meio mais utilizado no pleito de
2020, em razão da pandemia.

Portanto, diante do exposto na sentença, fundamentado no artigo 22, inciso
XIV, da Lei Complementar n° 64/1990, foi julgado procedente o pedido formulado em
tal Ação de Impugnação de Mandato Eletivo para o fim de:
a) reconhecer a prática de abuso de poder, consubstanciada na fraude à
norma constante no artigo 10, § 3°, da Lei n.° 9.504/1997 (cota de gênero),
perpetrada pelas impugnadas ANA KARLA DE SÁ, FRANCISCA ZULEIDE
DO NASCIMENTO SILVA e MARIA DE FÁTIMA TEIXEIRA DE OLIVEIRA,
que concorreram com candidaturas consideradas fictícias pelo Partido da
Social Democracia Brasileira – PSDB de Taipu/RN nas Eleições Municipais
de 2020; b) Tornar sem efeito o Demonstrativo de Regularidade de Atos
Partidários – DRAP do Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB de
Taipu/RN e determinar tanto a ANULAÇÃO DOS VOTOS recebidos por esta
legenda no sistema proporcional das Eleições Municipais de 2020,
conforme preconizado pelos artigos 222 e 237, ambos do Código Eleitoral,
como também, em ato reflexo, determinar a CASSAÇÃO DOS DIPLOMAS
de MANDATOS ELETIVOS dos eleitos e suplentes, ordenando, ainda, a
necessária atualização nos sistemas CAND/SISTOT, a fim de melhor refletir
o teor desta decisão. (Recurso Eleitoral nº 0600001-19.2021.6.20.0006.
Recorrente: Aderbal Pereira de Araújo Filho e outros. Recorrido: Jácio Luiz
da Silva Cruz. Relatora: Juíza Adriana Cavalcanti. Natal/RN, 21 de Outubro
de 2021).

6 CONCLUSÃO

A partir do tema pesquisado, podemos perceber que este assume um caráter
relevante na medida em que se trata de um novel instituto jurídico que
evidentemente ainda não está acomodado na jurisprudência eleitoral. Encontrar uma
solução para o problema não é fácil, mas certamente a solução passa um importante
trabalho de conscientização da mulher sobre o seu importante papel na política.

A lei eleitoral em vigor tratou de conceder incentivos financeiros obrigatórios às
cotas de gênero, principalmente para as candidaturas femininas. Entretanto, não
regrou a distribuição entre as candidatas, deixando na mão dos partidos a
obrigatoriedade do gasto com a cota feminina, mas sem que exista uma obrigação de
repartição do dinheiro de forma igualitária entre todas as candidaturas da cota de
gênero. Isso permite que o comando partidário possa escolher e direcionar o dinheiro
da cota partidária para essa ou aquela candidatura feminina, prejudicando outras.

Ouvidas as candidatas femininas eleitas e citadas acima, a que detém um
maior número de mandatos, sendo dois mandatos de vereadora e dois de viceprefeita em Ielmo Marinho/RN, Peba Soares, apresentou a melhor solução para
minorar o efeito de candidaturas laranjas, consistente num trabalho de
conscientização das mulheres não somente no ano eleitoral, mas em período
contínuo.

O trabalho de conscientização das candidaturas femininas deve ser constante
para que as mulheres se sintam estimuladas e encorajadas a trabalhar, com
antecedência, a possibilidade de candidatura, principalmente aquelas mulheres que
ocupam posições de muito contato com o povo, como as representantes
comunitárias, as agentes de saúde, as enfermeiras, as professoras, as atendentes
etc. Enfim, a saída é conscientizar as mulheres, bem antes do período eleitoral, do
direito que elas têm, dos incentivos financeiros para candidatura, da real chance de
vitória, enfim, fazer um trabalho didático de encorajamento das mulheres, a ser
realizado de forma obrigatória pelos partidos políticos sob a coordenação da Justiça
Eleitoral


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