| 22 dezembro, 2022 - 08:41

8ª Turma do TST mantém reconhecimento de vínculo de motorista de Uber

 

A 8ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o exame de recurso da Uber do Brasil contra decisão que reconheceu o vínculo de emprego de uma motorista do Rio de Janeiro. Segundo o relator, ministro Agra Belmonte, a relação da motorista com a empresa é de subordinação clássica, pois ela não tem nenhum controle sobre o

A 8ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o exame de recurso da Uber do Brasil contra decisão que reconheceu o vínculo de emprego de uma motorista do Rio de Janeiro.

Reprodução8ª Turma do TST mantém reconhecimento de vínculo de motorista de Uber

Segundo o relator, ministro Agra Belmonte, a relação da motorista com a empresa é de subordinação clássica, pois ela não tem nenhum controle sobre o preço da corrida, o percentual do repasse, a apresentação e a forma da prestação do trabalho.

“Até a classificação do veículo utilizado é definida pela empresa, que pode baixar, remunerar, aumentar, parcelar ou não repassar o valor da corrida”, ressaltou. A motorista trabalhou para a Uber entre 2018 e 2019.

Segundo ela, sua remuneração mensal era de cerca de R$ 2.300, e seus gastos com combustível e manutenção do automóvel eram de R$ 500. Além do vínculo, ela pediu, na reclamação trabalhista, horas extras, ressarcimento desses valores e indenização por danos extrapatrimoniais.

O pedido foi julgado improcedente pelo juízo de primeiro grau. Após a sentença, foi apresentada uma proposta de acordo pelo qual a motorista receberia R$ 9 mil a título de indenização e desistiria do seu recurso ordinário.

Mas o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região não homologou o acordo, por entender que seus termos eram inadequados, e reconheceu o vínculo de emprego. 

A decisão levou em conta que a lei, acompanhando a evolução tecnológica, expandiu o conceito de subordinação clássica, a fim de alcançar os meios informatizados de comando, controle e supervisão.

“O que a Uber faz é codificar o comportamento dos motoristas, por meio da programação do seu algoritmo, no qual insere suas estratégias de gestão, e essa programação fica armazenada em seu código-fonte”, concluiu. 

Ao analisar o agravo pelo qual se pretendia rediscutir a não homologação do acordo, o ministro Agra Belmonte ressaltou que, segundo o TRT, a empresa vem se utilizando de um expediente conhecido como “litigância manipulativa”, o uso estratégico do processo para evitar a formação de jurisprudência sobre um tema (no caso, o vínculo de emprego).

Um dos aspectos da prática é a celebração de acordo apenas nos casos em que houver a expectativa de que o órgão julgador vá decidir em sentido contrário ao seu interesse. 

Para o ministro, a finalidade do acordo proposto pela Uber não foi a conciliação em si, como meio alternativo de solução de conflitos, “mas um agir deliberado, para impedir a existência, a formação e a consolidação da jurisprudência reconhecedora de direitos trabalhistas aos motoristas”. A conduta, a seu ver, configura abuso processual de direito.

Em relação ao vínculo, o relator observou que a nova modalidade de prestação de serviços de transporte individual, mediante uma “economia compartilhada”, embora tenha inserido uma massa considerável de trabalhadores no mercado, também é caracterizada pela precariedade de condições de trabalho, com jornadas extenuantes, remuneração incerta e submissão direta do próprio motorista aos riscos do trânsito.

“Doenças e acidentes do trabalho são capazes de eliminar toda a pontuação obtida na classificação do motorista perante o usuário e perante a distribuição do serviço feita automaticamente pelo algoritmo”, exemplificou. Na avaliação do relator, os princípios da livre iniciativa e da ampla concorrência “não podem se traduzir em salvo-conduto nem em autorização para a sonegação deliberada de direitos trabalhistas”.

Para Agra Belmonte, a expressão “subordinação algorítmica” apontada pelo TRT é uma “licença poética”. “O trabalhador não estabelece relações de trabalho com fórmulas matemáticas ou mecanismos empresariais, e sim com pessoas físicas ou jurídicas detentoras dos meios produtivos”, assinala.

E, nesse sentido, a CLT (artigo 6º, parágrafo único) estabelece que os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos. 

“A Uber não fabrica tecnologia, e aplicativo não é atividade. É uma transportadora que utiliza veículos de motoristas contratados para realizar o transporte de passageiros”, afirmou o relator.

“Basta ela deslogar o motorista do sistema para que ele fique excluído do mercado de trabalho. Basta isso para demonstrar quem tem o controle do meio produtivo”, concluiu. A decisão foi por maioria, vencido o ministro Alexandre Ramos, que compunha o quórum da 8ª Turma.

Divergências
A questão do vínculo de emprego entre motoristas e plataformas de aplicativos ainda é objeto de divergência entre as Turmas do TST. A matéria já está sendo examinada pela Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1), órgão responsável pela uniformização da jurisprudência das Turmas.

Dois processos com decisões divergentes começaram a ser examinados em outubro, e o julgamento foi interrompido por pedido de vista, após sugestão do atual vice-presidente do TST, ministro Aloysio Corrêa da Veiga, de que o tema seja submetido à sistemática dos recursos repetitivos.

Outro lado
Leia a nota enviada pela Uber à revista eletrônica Consultor Jurídico:

“A Uber esclarece que vai recorrer da decisão anunciada pela 8ª Turma do TST. Além de não ser unânime, a decisão representa entendimento isolado e contrário ao de sete processos já julgados pelo próprio Tribunal – o mais recente deles divulgado na semana passada.

Em sua manifestação, o ministro relator, Alexandre Agra Belmonte, não mencionou fatos do processo específico, julgando o caso, aparentemente, baseado apenas em concepções ideológicas sobre o modelo de funcionamento da Uber e sobre a atividade exercida pelos motoristas parceiros no Brasil.

Como destacou o ministro Alexandre Luiz Ramos, em manifestação contrária à do relator, as provas reunidas no processo demonstram a inexistência do vínculo de emprego entre a motorista e a Uber. A própria motorista reconheceu, em depoimento à Justiça, que não recebeu nenhum tipo de ordem, nem teve nenhum tipo de supervisão, nos cerca de seis meses em que usou o aplicativo da Uber.

Além disso, os três ministros concordaram que o trabalho realizado por meio de plataformas digitais representa um novo modelo e que ainda não existe uma legislação no país que regulamente essa nova realidade.

Jurisprudência

Nos últimos anos, as diversas instâncias da Justiça brasileira formaram jurisprudência consistente sobre a relação entre a Uber e os parceiros, apontando a ausência dos requisitos legais para existência de vínculo empregatício (onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação). Em todo o país, já são mais de 3.200 decisões de Tribunais Regionais e Varas do Trabalho reconhecendo não haver relação de emprego com a plataforma.

Os motoristas parceiros não são empregados e nem prestam serviço à Uber: eles são profissionais independentes que contratam a tecnologia de intermediação digital oferecida pela empresa por meio do aplicativo. Os motoristas escolhem livremente os dias e horários de uso do aplicativo, se aceitam ou não viagens e, mesmo depois disso, ainda existe a possibilidade de cancelamento. Não existem metas a serem cumpridas, não se exige número mínimo de viagens, não existe chefe para supervisionar o serviço, não há obrigação de exclusividade na contratação da empresa e não existe determinação de cumprimento de jornada mínima. 

O próprio TST já afastou em sete julgamentos unânimes a existência de vínculo de emprego entre a Uber e os parceiros. Em um dos mais recentes, a 4ª Turma considerou que “cabe ao motorista definir os dias e horários em que vai trabalhar” e afastou a hipótese de “subordinação jurídica, pois é possível desligar o aplicativo e não há vinculação a metas”. 

Decisão da 5ª Turma também afastou a subordinação pelo fato do motorista ter liberdade para “ligar e desligar o aplicativo na hora que bem quisesse” e “se colocar à disposição, ao mesmo tempo, para quantos aplicativos de viagem desejasse”. 

Entendimento semelhante vem sendo adotado pelo TST desde os primeiros julgamentos do assunto, em fevereiro e em setembro de 2020. 

Também o STJ (Superior Tribunal de Justiça), desde 2019, vem decidindo que os motoristas “não mantêm relação hierárquica com a empresa porque seus serviços são prestados de forma eventual, sem horários pré-estabelecidos, e não recebem salário fixo, o que descaracteriza o vínculo empregatício” – uma das decisões mais recentes neste sentido foi publicada em setembro de 2021.”

RRAg-100853-94.2019.5.01.0067


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