A proibição de um réu foragido participar de audiência virtual não implica renúncia tácita ao direito de participar do ato. Com esse entendimento, nesta segunda-feira (2/5), o ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, concedeu liminar em habeas corpus para que um acusado não sofra tal restrição imposta pelo juízo da causa.
“Em verdade, a relação de causa e efeito estabelecida pela autoridade coatora (foragido, logo impedido de participar dos atos instrutórios) não está prevista em lei. Não bastasse, entendo ser descabida a presunção de renúncia ao direito de participar da audiência quando há pedido expresso da defesa em sentido contrário”, enfatizou Fachin.
Ainda que o impedimento de participação na audiência remota fosse baseado em eventual previsão legal, tal norma proibitiva, na visão do ministro, não se coadunaria com a Constituição Federal. Fachin citou o professor Aury Lopes Júnior, conforme o qual o processo penal deve ser “instrumento a serviço da máxima eficácia das garantias constitucionais”, em especial do contraditório e da ampla defesa.
O ministro ainda ponderou que, se a audiência fosse presencial, o réu teria o direito de comparecer espontaneamente ao ato. Logo, conforme Fachin, o comparecimento à audiência virtual deve ser facultado ao acusado. No caso concreto, o paciente responde a processo por tentativa de homicídio qualificado, ameaça e porte de arma perante a 2ª Vara de Tanabi (SP).
A prisão preventiva foi decretada em 20 de abril de 2021 para garantir a ordem pública e assegurar a aplicação da lei penal. Apesar de não ser localizado, o réu constituiu advogado e responde à ação. A audiência virtual chegou a ser designada, porém, a juíza Kerla Karen Ramalho de Castilho Magrin vetou a participação do acusado no último dia 6 de abril.
De acordo com a magistrada, “a audiência virtual já designada não pode ser utilizada para privilegiar o menosprezo do réu com a aplicação da lei penal e com a atividade jurisdicional, permitindo-lhe exercer a sua autodefesa e acompanhar a colheita das provas orais sem que cumpra a prisão processual há muito tempo decretada”.
Na fundamentação de sua decisão, a juíza concluiu que, “permanecendo foragido, o réu renuncia tacitamente ao direito de participar da audiência de instrução e de acompanhar os atos instrutórios”. Ela ainda decretou a revelia do acusado em razão de não ter sido cumprido o mandado de prisão preventiva.
Link enviado
Com o deferimento da liminar, o réu pôde participar da audiência virtual designada para a terça-feira (3/5). Após o início do ato, presidido pelo juiz Rafael Salomão Spinelli, a defesa do acusado o comunicou sobre a decisão tomada na véspera por Fachin. O magistrado, então, encaminhou link para que o acusado, de onde estivesse, ingressasse no ambiente on-line.
O Tribunal de Justiça de São Paulo e o Superior Tribunal de Justiça negaram o pedido da defesa para que o acusado, mesmo estando foragido, pudesse participar da audiência remota. Por esse motivo, o habeas corpus foi impetrado no STF. Antes de apreciá-lo, o ministro Fachin observou que, no caso, não caberia a aplicação da Súmula 691, do Supremo.
A súmula diz que “não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar”.
Porém, no caso concreto, Fachin destacou que o deferimento da liminar é justificado pelo poder geral de cautela outorgado aos juízes e tribunais nas hipóteses de plausibilidade jurídica (fumus boni juris) do pedido e da possibilidade de lesão irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora).
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HC 214.916