“A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados”.
Com base no Tema 280 de repercussão geral do Supremo Tribunal Federal, a 1ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (RJ e ES), por maioria, concedeu Habeas Corpus para anular a apreensão de 695 quilos de cocaína feita por policiais federais em galpão em Itaguaí (RJ), além de ordenar o desentranhamento dessas provas do processo.
Com isso, caberá à primeira instância avaliar se há justa causa para a continuidade da ação penal. Além disso, os desembargadores revogaram a prisão preventiva dos três réus.
Em setembro de 2021, policiais federais vigiavam um galpão em Itaguaí. Os agentes relataram que se dirigiram ao local devido a informação “não rastreável”, “de inteligência”. Eles viram dois carros entrando e saindo do galpão, mas nada fizeram.
Pouco depois, policiais civis chegaram ao local e ingressaram no galpão, visando a realizar uma inspeção. Com isso, os policiais federais os seguiram e encontraram 695 quilos de cocaína. Em seguida, prenderam em flagrante os três homens que estavam nos carros.
A defesa dos acusados impetrou Habeas Corpus. O advogado criminalista Antonio Pedro Melchior fez sustentação oral em uma das ações e o advogado Rodrigo Bello, na outra. Melchior citou parecer do ex-professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro Geraldo Prado, hoje investigador integrado ao Instituto Ratio Legis, da Universidade Autónoma de Lisboa.
Prado apontou que o ingresso dos policiais no galpão foi clandestino, pois as portas foram arrombadas. Também disse que, devido às condições geográficas do local, era impossível saber o que havia dentro do galpão. Ou seja, não dava para ter “certeza visual do crime”. Sem fundadas razões de flagrante delito, nem mandado judicial, a invasão do domicílio é ilegal, argumentou Melchior.
Ingresso ilegal
A relatora do caso, desembargadora Simone Schreiber, apontou que o ingresso dos policiais no galpão foi ilegal, pois eles não demonstraram satisfatoriamente as razões que justificariam a ação sem mandado judicial.
Galpão se enquadra no conceito de domicílio estabelecido pelo artigo 150, III, parágrafo 4º, do Código Penal: “Compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade”. Portanto, disse a magistrada, o galpão está protegido pelo artigo 5º, XI, da Constituição Federal, que tem a seguinte redação: “A casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador”.
Conjur