| 9 setembro, 2020 - 14:10

“Criminalização da advocacia”, dizem entidades sobre busca e apreensão em escritórios

 

O Conselho Federal da OAB e o IGP – Instituto de Garantias Penais se posicionaram contra a operação da Lava Jato que nesta quarta-feira, 9, cumpriu mandados de busca e apreensão contra escritórios de advocacia. Para as entidades, houve uma tentativa de criminalizar a advocacia. O advogado Cristiano Zanin Martins, que foi alvo da operação nesta manhã,

O Conselho Federal da OAB e o IGP – Instituto de Garantias Penais se posicionaram contra a operação da Lava Jato que nesta quarta-feira, 9, cumpriu mandados de busca e apreensão contra escritórios de advocacia. Para as entidades, houve uma tentativa de criminalizar a advocacia.

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Ilustrativa

O advogado Cristiano Zanin Martins, que foi alvo da operação nesta manhã, também se manifestou contra a decisão de Bretas autorizando a operação: “Além do caráter despropositado e ilegal de autorizar a invasão de um escritório de advocacia e da casa de um advogado com mais de 20 anos de profissão e que cumpre todos os seus deveres profissionais, essa decisão possui claros traços de abuso de autoridade”.

Confira as manifestações.

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A Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas e Valorização da Advocacia do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil denota nas operações desta manhã mais uma clara iniciativa de criminalização da advocacia brasileira. 

Ao tempo que ansiamos por um Brasil limpo e de combate à corrupção, não arredaremos do devido processo legal, tampouco de seus instrumentos, as prerrogativas da advocacia.

A Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil trabalhará para cintilar todas as violações aos direitos e prerrogativas da advocacia e encetará todas as medidas administrativas e judiciais, de natureza civil e penal, contra os que se lançam e insistem em criminalizar a advocacia brasileira.

Prerrogativas da advocacia e persecução penal são coisas jurídicas harmônicas e absolutamente conciliáveis. O processo de criminalização da advocacia, que desrespeita as prerrogativas, é ditatorial e atenta contra o Estado de Direito e à Democracia. Não há estado democrático sem uma advocacia livre. A Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas e Valorização da Advocacia cumprirá o seu papel histórico e não transigirá na defesa dos advogados e das advogadas brasileiras.

Alexandre Ogusuku
Conselheiro Federal
Presidente da CNDPVA

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O Instituto de Garantias Penais (IGP) alerta para os riscos que uma operação equivocada do Ministério Público, aparentemente destinada a criminalizar a advocacia, pode acarretar para a democracia, os cidadãos e toda a sociedade.

Com base em delação sem qualquer prova, procuradores de primeira instância lançaram suspeitas que revelam total desconhecimento sobre o funcionamento dos honorários advocatícios, que não são serviços com valor definido em tabela. Não há qualquer elemento que justifique medidas tão invasivas contra profissionais que, por dever de ofício, estão à frente da defesa jurídica dos cidadãos.

A advocacia é peça fundamental para o sistema de Justiça e não se pode criminalizar o exercício da defesa do jurisdicionado, atividade essencial para o bom funcionamento do Judiciário. É triste e causa perplexidade ver esse tipo de operação persecutória em nosso país. O IGP confia nas instâncias do Poder Judiciário para impedir qualquer tipo de perseguição à classe dos advogados.

O enfraquecimento do direito de defesa põe em xeque valores fundamentais para a democracia e a sociedade.

Ticiano Figueiredo
Presidente do Instituto de Garantias Penais

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Nota do advogado Cristiano Zanin Martins

1. Atentado à advocacia e retaliação. A iniciativa do Sr. Marcelo Bretas de autorizar a invasão da minha casa e do meu escritório de advocacia a pedido da Lava Jato somente pode ser entendida como mais uma clara tentativa de intimidação do Estado brasileiro pelo meu trabalho como advogado, que há tempos vem expondo as fissuras no Sistema de Justiça e do Estado Democrático de Direito. É público e notório que minha atuação na advocacia desmascarou as arbitrariedades praticadas pela Lava Jato, as relações espúrias de seus membros com entidades públicas e privadas e sobretudo com autoridades estrangeiras. Desmascarou o lawfare e suas táticas, como está exposto em processos relevantes que estão na iminência de serem julgados por Tribunais Superiores do país e pelo Comitê de Direitos Humano da ONU.

O juiz Marcelo Bretas é notoriamente vinculado ao presidente Jair Bolsonaro e sua decisão no caso concreto está vinculada ao trabalho desenvolvido em favor de um delator assistido por advogados ligados ao Senador Flavio Bolsonaro. A situação fala por si só.

2. Comprovação dos serviços. De acordo com laudo elaborado em 2018 por auditores independentes, todos os serviços prestados à Fecomércio/RJ pelo meu escritório entre 2011 e 2018 estão devidamente documentados em sistema auditável e envolveram 77 (setenta e sete) profissionais e consumiram 12.474 (doze mil, quatrocentas e setenta e quatro) horas de trabalho. Cerca de 1.400 (mil e quatrocentas) petições estão arquivadas em nosso sistema. Além disso, em 2018, a pedido da Fecomércio-RJ, entregamos cópia de todo o material produzido pelo nosso escritório na defesa da entidade, comprovando a efetiva realização dos serviços que foram contratados. Os pagamentos, ademais, foram processados internamente pela Fecomércio/RJ por meio de seus órgãos de administração e fiscalização e foram todos aprovados em Assembleias da entidade — com o voto dos associados.

3. Natureza dos serviços prestados. Nosso escritório, com 50 anos e atuação reconhecida no mercado, foi contratado a partir de 2012 para prestar serviços jurídicos à Federação do Comércio do Rio de Janeiro (Fecomércio-RJ), que é uma entidade privada que representa os milhares de empresários e comerciantes daquele Estado. A atuação do escritório em favor da Fecomércio/RJ e também de entidades por ela geridas por força de lei — o Sesc-RJ e do Senac-RJ —, pode ser constatada em diversas ações judiciais que tramitaram perante o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, do Superior Tribunal de Justiça, do Supremo Tribunal Federal, e também em procedimentos que tramitam no Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e perante outros órgãos internos e externos à entidade. Em todos os órgãos judiciários houve atuação pessoal e diligente do nosso escritório.

A atuação do nosso escritório deu-se um litígio de grandes proporções, classificado como uma “guerra jurídica” por alguns veículos de imprensa à época, entre a Fecomércio/RJ e a Confederação Nacional do Comércio (CNC), duas entidades privadas e congêneres de representação de empresários e comerciantes. Cada uma delas contratou diversos escritórios de advocacia para atuar nas mais diversas frentes em que o litígio se desenvolveu.

4. Abuso de autoridade. Além do caráter despropositado e ilegal de autorizar a invasão de um escritório de advocacia e da casa de um advogado com mais de 20 anos de profissão e que cumpre todos os seus deveres profissionais, essa decisão possui claros traços de abuso de autoridade, pois: (a) o seu prolator, o Sr. Marcelo Bretas, é juiz federal e sequer tem competência para tratar de pagamentos realizados por uma entidade privada, como é a Fecomercio/RJ, e mesmo de entidades do Sistema S por ela administrados por força de lei; a matéria é de competência da Justiça Estadual, conforme jurisprudência pacífica dos Tribunais, inclusive do Superior Tribunal de Justiça; (b) foi efetivada com o mesmo espetáculo impróprio a qualquer decisão judicial dessa natureza, como venho denunciando ao longo da minha atuação profissional, sobretudo no âmbito da Operação Lava Jato; (c) foi proferida e cumprida após graves denúncias que fiz no exercício da minha atuação profissional sobre a atuação de membros da Operação Lava Jato e na iminência do Supremo Tribunal Federal realizar alguns dos mais relevantes julgamentos, com impacto na vida jurídica e política do país. Ademais, foge de qualquer lógica jurídica a realização de uma busca e apreensão após o recebimento de uma denúncia — o que mostra a ausência de qualquer materialidade da acusação veiculada naquela peça.

Esse abuso de autoridade, aliás, não é inédito. A Lava Jato, em 2016, tentou transformar honorários sucumbenciais que nosso escritório recebeu da Odebrecht, por haver vencido uma ação contra a empresa, em valores suspeitos — e teve que admitir o erro posteriormente. No mesmo ano, a Lava Jato autorizou a interceptação do principal ramal do nosso escritório para ouvir conversas entre os advogados do nosso escritório e as conversas que eu mantinha com o ex-presidente Lula na condição de seu advogado, em grave atentado às prerrogativas profissionais e ao direito de defesa. Não bastasse, em 2018 a Lava Jato divulgou valores que o nosso escritório havia recebido a título de honorários em decorrência da prestação de serviços advocatícios.

Todas as circunstâncias aqui expostas serão levadas aos foros nacionais e internacionais adequados para os envolvidos sejam punidos e para que seja reparada a violação à minha reputação e à reputação do meu escritório, mais uma vez atacadas por pessoas que cooptaram o poder do Estado para fins ilegítimos, em clara prática do lawfare — fenômeno nefasto e que corroeu a democracia no Brasil e está corroendo em outros países.

São Paulo, 9 de setembro de 2020
Cristiano Zanin Martins

Migalhas


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