| 13 julho, 2020 - 15:14

Existe o direito ao embelezamento?

 

Direito ao embelezamento, felicidade(s), autonomia privada e procedimentos estéticos – parte 01

Por Rodrigo Leite | Telegram:https://t.me/pilulasjuridicasSTFSTJ
Na mitologia grega, Narciso, filho de Cefiso e Liríope, era notabilizado por sua beleza. Ao nascer, diante de sua boniteza, sua mãe perguntou a Tirésias, espécie de adivinho da região, se Narciso viveria muito tempo. O adivinho previu que Narciso viveria muito tempo, mas desde que nunca contemplasse, não olhasse a sua própria imagem, não conhecesse seu próprio rosto. Caso Narciso admirasse sua face e seus contornos estaria com a vida amaldiçoada. Em outra fase da vida, a ninfa Eco se apaixonou por Narciso, mas não teve o amor correspondido. Todavia, lançou sobre ele uma maldição para que ele se apaixonasse por ela. Narciso se apaixonou, só que por si mesmo, pela sua própria imagem. O fim da história de Narciso possui duas versões, ambas decorrentes da maldição lançada: ele morreu de desgosto por admirar tanto sua própria imagem, mas sem conseguir possuí-la ou morreu afogado ao tentar tocar sua imagem refletida na água.

Por isso, na célebre canção “Sampa”, Caetano Veloso afirmou que “Narciso acha feio o que não é espelho.” Tudo era feio, menos sua própria imagem.

A beleza estética também é ressaltada por Vinícius de Moraes em seu clássico poema “Receita de mulher”, de 1959, quando imortalizou a frase: “as muito feias que me perdoem, mas beleza é fundamental.” A contemplação do belo também foi ressaltada na célebre passagem do escritor uruguaio Eduardo Galeano, quando narra a viagem de Diego e seu pai Santiago e o encontro com o mar. Ao ver a imensidão do oceano, sua admiração foi tanta que “o menino ficou mudo de beleza“, disse Galeano. Após emudecer com o belo o garoto disse: “pai, me ensina a olhar!” Vemos, pois, que na literatura, na poesia ou na música a beleza sempre foi objeto de análise e – de admiração (sem trocadilho).

Na atualidade, em nome da busca pela beleza e pela [inatingível?] perfeição corporal ou estética, muitas pessoas até sacrificam suas vidas para tentarem se adequar a um padrão a elas imposto, na busca (talvez vã) de expungir marcas corporais e detalhes que o tempo e a vida nos deixa.

Todavia, cada qual tem – diante de sua autonomia privada – a liberdade de deixar-se natural ou implementar modificações estéticas. Não há nenhum mal nas duas posições. Isso está dentro do espectro de autodeterminação e da busca pelo bem estar físico e psíquico de cada qual. A procura pelo embelezamento acaba sendo a busca da felicidade, direito consagrado pelo STF – ver votos do Min. Ayres Britto na ADI 3510, 28/05/2010 e do Min. Celso de Mello no RE 477554, 26/08/2011. Para Celso, “o princípio constitucional da busca da felicidade, que decorre, por implicitude, do núcleo de que se irradia o postulado da dignidade da pessoa humana”. Assiste, “por isso mesmo, a todos, sem qualquer exclusão, o direito à busca da felicidade, verdadeiro postulado constitucional implícito, que se qualifica como expressão de uma idéia-força que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana.”

Segundo os três tenores da literatura nacional – Leandro Karnal, Mário Sérgio Cortella e Luiz Felipe Pondé – em sua já clássica obra Felicidade: modos de usar. São Paulo. Planeta: 2019, a felicidade seria um momento de vibração tão intensa da vida, com a compreensão de que naquele momento já se poderia até morrer. A felicidade é um desejo permanente, mas é uma circunstância provisóriaNenhum e nenhuma de nós é feliz o tempo todo. Aliás, uma pessoa que é feliz o tempo todo não é feliz, é tonta, diz Cortella (p. 25). De acordo com Luiz Felipe Pondé, a felicidade não é possível se você não tiver consciência de que tem culpa de muita coisa e de que faz muita coisa errada (p. 47). Para Karnal, “essa busca de felicidade provoca profunda infelicidade” (p. 121)

A autonomia privada rege nossas escolhas e repercute no exercício e na fruição dos direitos da personalidade. A autonomia privada reverbera no direito ao próprio corpo nas seguintes frentes: no direito à doação de órgãos, no direito ao embelezamento, no direito à mudança de sexo, no direito à integridade física, no direito à autolesão e no direito à reprodução humana (BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro, 2005, p. 168).

Na parte 02 examinaremos como a doutrina encara o direito ao embelezamento. Falaremos de temas como autolesão, tatuagens, piercings e a posição do STJ sobre os procedimentos estéticos.


Leia também no Justiça Potiguar

Comente esta postagem: