| 16 junho, 2020 - 13:13

Juiz autor da primeira denúncia ao CNJ critica órgão ‘que não pune quem deve’

 

Sob o título “O balanço dos 15 anos do CNJ”, o artigo a seguir é de autoria de Danilo Campos, juiz de direito aposentado em Minas Gerais. *** Neste domingo, 14 de junho, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) completa 15 anos desde sua instalação e como eu o inaugurei em 2005, denunciando o tráfico

Sob o título “O balanço dos 15 anos do CNJ”, o artigo a seguir é de autoria de Danilo Campos, juiz de direito aposentado em Minas Gerais.

Reprodução

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Neste domingo, 14 de junho, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) completa 15 anos desde sua instalação e como eu o inaugurei em 2005, denunciando o tráfico de influência na carreira da magistratura mineira (Procedimento de Controle Administrativo nº 1), quero ter também a primazia de fazer o balanço de suas realizações neste debute, fazendo-o sob o compromisso de ser fiel aos fatos e a verdade, em nome da lei.

E sobre esta primeira denúncia, muito embora os fatos tenham ficado cabalmente comprovados e a Constituição Federal proclame solenemente a meritocracia no Judiciário, o resultado dela é que quem a recebeu como relator hoje está sentado no TST (Tribunal Superior do Trabalho) com o mérito somente de ter vendido sua alma ao diabo.

Enfim, nada diferente de outros tempos, nos quais subtrair injustamente de uma mãe a guarda da filha inocente valia pontos na corrida ao STF (Supremo Tribunal Federal), a exemplo do que nos conta Fernando Morais sobre Nelson Hungria em “Chatô, O Rei do Brasil”.

Assim, a prostituição continua a ser ainda a forma mais usual de ascensão na carreira judicial e as consequências disto podemos enumerá-las aos montes, a constatar-se primeiramente pela boa sorte de políticos mineiros, notória e ostensivamente corruptos, que têm sido personagens destacados do nosso noticiário policial.

Passando a outros fatos, de outra feita eu denunciei ao CNJ fraude grosseira em concurso público de cartórios realizado pelo TJ-MG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais), porque apesar da Resolução 81 do CNJ proclamar expressamente a uniformidade dos critérios de aferição dos títulos em tais concursos, uma candidata representada pelo filho do presidente do tribunal (que indicara os componentes da banca) conseguiu o cargo valendo-se de um critério exclusivo de pontuação, chamando atenção o detalhe do sobrenome da candidata favorecida ser o mesmo do então presidente do tribunal.

Além disso, a certidão que embasara o falso título também era falsa desde a origem (secretaria da administração do governo certificando absurdamente o exercício de função privada regida pela CLT), quando o edital exigia a cópia da anotação na carteira de trabalho e do livro de registro do empregado.

Por esta e outras façanhas o presidente da comissão do concurso posteriormente veio a ocupar o cargo de conselheiro junto ao próprio CNJ.

Também, denunciei à Polícia Federal e ao Ministério Público esquema bilionário de fraudes contra o seguro DPVAT, beneficiado por decisões judiciais completamente fora dos padrões, o que importou na redução de mais de 10 vezes o valor do seguro pago pelo contribuinte, sem até hoje nenhuma ação do CNJ para apurar a atuação dos tribunais nestes casos que importaram, segundo levantamentos feitos, num rombo de mais de R$ 40 bilhões à economia popular.

Mas enquanto tudo isso acontecia, as pessoas que eu denunciei lá atrás chegavam ao TJ-MG, promovidas pelo critério do merecimento, e uma vez colocadas nos postos mais altos do judiciário mineiro, impuseram-me, no final de uma carreira de 37 anos de serviços públicos, as duas únicas punições disciplinares que tomei na vida e uma pena de prisão por supostos crimes contra a honra, sem me permitirem, no entanto, a prova da verdade.

Porém, porque como diz o velho ditado mais depressa se pega o mentiroso que um coxo, a condenação criminal foi completamente anulada pelo Superior Tribunal de Justiça enquanto as duas condenações disciplinares, proferidas por quem foram, eu as tenho na conta de verdadeiros troféus.

E não é nada absolutamente incomum no Judiciário pagarem os operosos pela honra dos carreiristas, cuja vocação é sempre fazer de cada decisão uma oportunidade, o que nos revela os muitos sacrifícios que são impostos na carreira judicial aos que ousam desafiar o sistema posto.

Um desses mártires foi José Liberato Costa Póvoa, desembargador em Tocantins, falecido aos 75 anos de idade em 25 de dezembro de 2019, que entre diversas obras deixou um livro de denúncias, “Justiça Bandida”, por publicar.

Homem simples, foi colocado um dia sob a condição vil de um vendedor de sentenças e afastado do cargo passou a responder a investigações que passados dez anos não deram nunca em nada.

Curiosamente, esse “vendedor de sentenças”, em contraposição a outros mais afortunados que em Minas foram pegos recentemente em grampo da Polícia Federal negociando, desavergonhada e escandalosamente, cargos públicos e continuam a exercer mesmo assim seus cargos na direção de tribunais, como se nada houvera acontecido, deixou aos seus herdeiros em inventário apenas uma casa de morada e a pensão da viúva.

Outro desses mártires que podemos citar é um juiz ainda jovem, Fernando Cordioli Garcia, de Santa Catarina, que ousou impor o rigor da lei aos poderosos de seu estado, mas que sem ao menos um laudo médico foi afastado de suas funções como louco.

Esse jovem juiz, mesmo sem nenhuma acusação de fatos insidiosos contra si, foi aposentado compulsoriamente com a perda de seus direitos civis, tendo o direito a uma candidatura a deputado federal negada pela justiça, que não lhe permite sequer advogar.

Então, na verdade, o CNJ que não soube moralizar a carreira dos juízes e que não pune quem deve, não se constituiu verdadeiramente como órgão de controle externo do Judiciário, que continua sendo governado e manipulado por cúpulas corruptas e antidemocráticas, cujo único interesse é manter-se no poder ao custo do sacrifício da verdadeira justiça.

Assim, aos pretendentes à carreira judicial recomendo responderem à mesma questão colocada um dia por Max Weber sobre a carreira acadêmica: “Você se acredita capaz de ver, sem desespero nem amargor, ano após ano, passar à sua frente mediocridade após mediocridade?”

Aos que responderem afirmativamente a esta indagação eu recomendaria então a magistratura, registrando porém que não é fácil continuar acreditando na justiça ao mesmo tempo que somos nós mesmos injustiçados.

Folha de S. Paulo


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