| 20 abril, 2020 - 15:00

Quais as consequências da compra e venda de ascendentes para descendentes e cônjuges?

 

Na nossa “pílula jurídica” de hoje trataremos da compra e venda entre ascendentes e descendentes ou cônjuges

Por Rodrigo Leite

Na nossa “pílula jurídica” de hoje trataremos da compra e venda entre ascendentes e descendentes ou cônjuges.

Ilustrativa

O tema é regido pelo art. 496 do CC, que assim prevê:

“Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido. Parágrafo único. Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória.”

A disposição legal visa proteger o núcleo familiar e a legítima dos herdeiros necessários. Na compra e venda é necessária a concordância porque não será submetida à colação. Houve erro legislativo ao inserir a expressão “em ambos os casos” no parágrafo único, já que a menção é somente para a segunda hipótese (cônjuge casado sob o regime de separação obrigatória).

Para Stolze e Pamplona (2019:560), se casado sob o regime de separação obrigatória, por não ter interesse jurídico reconhecido por lei no patrimônio do alienante, não precisará consentir.

Segundo Nelson Rosenvald e Felipe Braga Netto (2020: 597) o art. 496 “engloba qualquer relação na linha reta…qualquer ascendentes, independentemente do grau de parentesco está abrangido pelo sistema do CC/02, impondo-se a anuência dos outros interessados.” Segundo eles, essa concordância deve ser expressa e escrita. Para Daniel Carnacchioni (2020: 1112) “não há limitação do grau de parentesco” e “a norma se refere apenas aos descendentes existentes e aos que gozam desse estado no momento da venda”.

A venda de ascendente para descendente sem o consentimento dos demais descendentes e do cônjuge é anulável (no regime do CC/16 há quem defendia que era nula). Trata-se, pois, de defeito do negócio que não pode ser declarado de ofício de pelo juiz (ver art. 168, parágrafo único do CC e REsp 399574/PR, 05/04/10).

Como o art. 496 não trouxe um prazo para alegar a anulabilidade, aplicamos o art. 179 do CC (idem Enunciado 368 do CJF):

“Art. 179. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato.”

A diferença entre o regime do Código Beviláqua e do Código Reale é que, atualmente, o prazo para tentar desfazer essa venda é decadencial de 2 (dois) anos contados do desfecho do negócio (a contar da data da conclusão do ato). No regime anterior (CC/16) esse prazo era prescricional e vintenário, tendo sido editada a Súmula 494 pelo STF nesse sentido, mas sem eficácia atualmente em virtude do art. 179 do CC.

O STJ, ao interpretar o art. 496 entende que a alienação de bens de ascendente a descendente, sem o consentimento dos demais, é ato jurídico anulável, cujo reconhecimento exige:

1) a iniciativa da parte interessada;

2) a ocorrência do fato jurídico, qual seja, a venda inquinada de inválida;

3) a existência de relação de ascendência e descendência entre vendedor e comprador;

4) a falta de consentimento de outros descendentes; e

5) a comprovação de simulação com o objetivo de dissimular doação ou pagamento de preço inferior ao valor de mercado – REsp 1679501/GO, DJe 13/03/2020, posição também adotada no REsp 476557/PR, DJ 22/03/04;

6) quanto ao item anterior (5), nos EREsp 661858/PR DJe 19.12.08, no REsp 752149/AL, 02/10/10 e REsp 953.461/SC, DJe 17/06/11, acrescentou-se que alternativamente, deveria-se realizar a demonstração de prejuízo.

Por fim, a doutrina diverge se o art. 496 engloba o companheiro. Não se aplica para Rosenvald, Braga Netto e Flávio Tartuce. Aplica-se para Paulo Lobo e Luiz G. Loureiro. Carnacchioni diz que depende se o companheiro for atingido ou não com a venda.

Resumo: a venda de ascendentes para descendentes sem anuência dos demais e do cônjuge (salvo hipótese do parágrafo único), é negócio ANULÁVEL, que deve ser questionada no prazo DECADENCIAL de 2 ANOS contados da celebração do negócio. A Súmula 494 do STF perdeu eficácia e a doutrina diverge se o artigo engloba o companheiro.

Em outro resumo, comentaremos os reflexos da DOAÇÃO entre ascendente e descendentes e suas diferenças para a compra e venda aqui tratada.

Assunto para outro dia.

Abraços!

Rodrigo Leite – Natal/RN

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