A pedido de juízes e desembargadores do TJ/SP, o advogado Ives Gandra da Silva Martins produziu parecer no qual entendeu que a resolução 525/23 do CNJ, que estabelece ação afirmativa de gênero para acesso de magistradas a tribunais de 2º grau, extrapola competências e é inconstitucional.
Os juízes questionaram se o CNJ ultrapassou limites constitucionais ao emitir a resolução, considerando o Estatuto da Magistratura. Também perguntam se o gênero poderia ser considerado um critério válido para determinar o acesso de juízas aos tribunais.
Limites constitucionais
Ives Gandra Martins, amparando-se na CF, sustentou que “a lei é mais inteligente que o legislador”, de modo que as novas normas devem sempre levar em conta a Constituição como precedente imediato. Assim, entende que uma restrição não imposta pela CF não pode ser feita por lei ou ato infraconstitucional.
Para o advogado, uma análise sistemática feita com técnicas hermenêuticas é essencial, especialmente diante de princípios que podem se opor. Também ressaltou que o intérprete não pode se afastar das leis da hermenêutica por “conivência”.
O parecerista defende que os únicos critérios para promoção de magistrados devem ser a antiguidade e o mérito, conforme estipula o art. 93 da CF, excluindo, portanto, o critério de gênero.
“A norma constitucional do artigo 93 é claríssima e aplicável por uma interpretação sistêmica. E por se tratar de norma sistêmica, qualquer disposição em ato normativo infraconstitucional que pretenda introduzir outro tipo de critério de promoção de magistrados, eliminando-se o inalienável e irredutível direito constitucional, é de densa e manifesta inconstitucionalidade.”
Afronta à igualdade
Para o jurista, a resolução do CNJ viola o princípio da igualdade e o sistema de promoção baseado em antiguidade e mérito, acabando por excluir aqueles já incluídos no sistema. “[…] tal norma ainda macularia de morte o princípio da igualdade, que é a base do regime democrático de Direito”, completou.
Mudanças culturais
O parecerista destaca a necessidade de uma mudança cultural para promover a igualdade de gênero, sem a imposição das cotas.
Afirma que as mulheres merecem “aplausos” pela dedicação e dificuldades que encontram no mercado de trabalho. Para o jurista, antigamente as mulheres eram vistas “muito mais por seus atributos pessoais do que por seu desempenho profissional”. Em contrapartida, afirma Ives Gandra, a realidade vem sendo alterada, com maior presença de mulheres no Judiciário.
Como exemplo, cita a presença de 40% de juízas mulheres no TJ/SP, entendendo que o critério da igualdade de gênero está em “vias de concretização” e que, com o passar do tempo a paridade será atingida, “até considerando que as mulheres são mais dedicadas e, muitas vezes, mais competentes que os homens”.
Assim, conclui que não basta o aumento das vagas para mulheres no Judiciário sem a mudança de padrões comportamentais da sociedade, pois, “se não mudarmos a mentalidade da sociedade de que ainda a mulher seria subordinada, frágil e reconhecida por sua beleza, essa realidade social não mudará”.
Nesse sentido, afirmou que a igualdade é um desafio que não deve ser enfrentado pela via ideológica, como o que fez a resolução do CNJ.
Mais ônus
Ives Gandra Martins considera que a cota insinua que as juízas alcançaram presença na 2ª instância, não por seus méritos, mas pela condição feminina, criando “certo desconforto para as próprias mulheres, pois serão classificadas pelo simples fato de serem ‘mulheres’ e, não em função de sua ‘competência’ e ‘antiguidade’, critérios objetivos para sua promoção junto ao Tribunal que representa”.
Sistema de cotas
O parecerista ainda destacou que as cotas são uma regra de igualdade “educacional”, não “profissional”, ainda mais se tratando da magistratura, que depende de técnica para ser exercida.
Ao final, o advogado concluiu que a resolução 525/23 extrapola as atribuições do CNJ e introduz critérios não previstos na CF e na legislação para a promoção de magistradas, sendo, dessa forma, inconstitucional.
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