| 21 julho, 2020 - 09:06

O Direito e a amizade: repercussões no STJ – parte 01

 

“Perdi vinte em vinte e nove amizadesPor conta de uma pedra em minhas mãos(…)E vinte e nove anjos me saudaram E tive vinte e nove amigos outra vez” (Legião Urbana – Vinte e Nove)

Por Rodrigo Leite | Telegram: https://t.me/pilulasjuridicasSTFSTJ

Você certamente já recebeu mensagens no celular dizendo ser “Dia do Amigo” em 4 de fevereiro, em 18 de abril, hoje (20 de julho) e receberá em 30 de julho. Apesar de todo dia ser propício para comemorar esse encontro de corações ou de almas, fato é que existem quatro datas nas quais, costumeiramente, comemora-se o dia do amigo.

Na Argentina, no Uruguai, no Brasil e no Chile a data mais célebre é comemorada em 20 de julho. A Organização das Nações Unidas considera que o dia deveria ser 30 de julho. Segundo Luana Castro Alves Perez (https://bit.ly/2DTp7SH) a escolha da data foi impulsionada pelo médico paraguaio Ramón Artemio Bracho, fundador da Cruzada Mundial da Amizade, campanha que visava à difusão da cultura de paz ao realçar a importância da boa convivência entre os povos. Todo dia 30 de julho o médico conclamava paraguaios a reunirem-se com o propósito de oferecer ajuda mútua, fortalecendo assim os valores da amizade.

De uma forma ou de outra, a nota importante que é no Direito, os enlaces ou repercussões da amizade são predominantemente processuais e refletem no direito que todas as partes possuem de terem um julgamento imparcial e justo, decorrente do devido processo legal.

art. 145 do Código de Processo Civil enumera algumas situações que rendem ensejo à suspeição do magistrado. São hipóteses que o legislador selecionou como sendo indicadoras de o juiz não deve atuar naquelas situações.

Não há preclusão pro iudicato no reconhecimento da suspeição. Registram Alexandre Freire e Rodolfo Rodovalho (Comentários…2016, p. 224) que por evidente a preclusão é para a parte interessada em alegar a suspeição do juiz. Isso não significa que, superado o prazo do art. 146 do CPC/2015, o juiz não possa dar-se por suspeito, afastando-se do processo. Em verdade, se se tratar de situação que compromete sua imparcialidade, o juiz não só pode como deve fazê-lo.

Assim, diz-se que há suspeição do juiz quando ele for “amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados.” No CPC/1973 a suspeição (art. 135, I) era destinada apenas à relação quando o magistrado fosse “amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer DAS PARTES”. O CPC/15 adicionou a amizade ou inimizade do juiz com o advogado como sendo hipótese de suspeição.

De acordo com Marinoni, Arenhart e Mitidiero (Código…2016, p. 279-280), a amizade ou inimizade, especialmente em relação ao advogado, deve ser significativa, a ponto de abalar a imparcialidade do magistrado. Não basta, por isso, que o juiz conheça a parte ou o seu advogado. O fundamental é o grau da parcialidade que essa amizade ou inimizade opera no julgador.  De acordo com Patrícia Miranda Pizzol (Comentários…2016, p. 228) a lei utiliza conceitos indeterminados que deverão ser preenchidos no caso concreto. Para ela, não é qualquer relação de amizade ou inimizade que ensejará suspeição. Dever ser uma amizade ou inimizade forte. Para Andre Roque (Teoria geral…2018, p. 551) amizade íntima é conceito que remete a um vínculo forte, além da mera convivência profissional.

De acordo com o STJ, as hipóteses de suspeição são taxativas e devem ser interpretadas restritivamente, de modo a não comprometer a independência funcional do magistrado. Para o Tribunal, a) contratação de prestação de serviços advocatícios por magistrado, mormente se o vínculo já se extinguiu antes mesmo do ajuizamento do processo em que o causídico atua e no qual se alega a existência de favorecimento, não está entre as causas de suspeição do art. 145 CPC/2015; b) Não se mostra suficiente para comprovar a existência de amizade íntima entre o juiz e o advogado de uma das partes o fato de o causídico ter prestado em momento anterior serviços de advocacia para o magistrado (REsp 1783015/AM, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 12/05/2020, DJe 18/05/2020).

Segundo o STJ, a alegação de existência de amizade ou inimizade do julgador para com uma das partes ou para com seus advogados (art. 145 do CPC) deve ser devidamente comprovada.

(AgInt na ExSusp 190/DF, DJe 24/08/2018; AgInt na ExSusp 194/DF, DJe 21/08/2019).

Para o Superior, a outorga de medalhas ou comendas, por órgãos públicos, não é fator a ensejar suspeição, pois é ato que reflete o desempenho da função pública do indivíduo (AgRg na ExSusp 8/CE, Corte Especial, DJe 11/06/2001). Já o aconselhamento do juiz a uma das partes a não propor a ação pretendida, por entendê-la “improdutiva”, vincula sua opinião, tornando-o suspeito. Todavia, não haverá suspeição se ele der o conselho em audiência de conciliação, para ambas as partes (REsp 307.045/MT, DJ 19/12/2003). Decidiu-se ainda que “a afirmação de suspeição por motivo de foro íntimo em determinado processo não impede o exercício da jurisdição em outros feitos, distribuídos ao magistrado por força de prevenção” (REsp 202.914/RS, DJ 20/11/2000).

Por óbvio, há suspeição do Juiz que, ao receber exceção de suspeição contra si, indefere, ele próprio, a petição liminarmente e promove o andamento do feito, pois há clara inobservância às normas processuais nessa situação (REsp 1440848/DF, DJe 04/08/2014).

Para o STJ, apenas o magistrado que se declarou suspeito pode reconhecer se ainda persistem ou não os motivos que o fizeram se declarar suspeito – REsp 785.939/ES, DJe 28/09/2009. No caso, o STJ considerou possível o juiz reavaliar as causas que o fizeram se declarar suspeito por motivo de for íntimo em processos futuros.

Abraço. Até a parte 02.


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