
A criação de uma turma de medicina exclusiva para pessoas oriundas de assentamentos da reforma agrária e comunidades quilombolas na UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) gerou uma disputa jurídica que coloca em dúvida a realização do processo seletivo, marcado para o próximo domingo (12).
Logo após o anúncio da política, em 10 de setembro, Tadeu Calheiros (MDB), vereador do Recife, ingressou com uma ação popular questionando a medida. Segundo ele, a iniciativa ataca a igualdade de oportunidades ao conceder preferências “baseadas em critérios discricionários”.
O pano da fundo do descontentamento do parlamentar é a possibilidade de membros do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) serem beneficiados pela ação afirmativa.
Na última quarta-feira (1º), uma liminar concedida pela 1ª instância do Judiciário acatou os argumentos de Calheiros e suspendeu o edital. Porém, após recurso da universidade, por meio da AGU (Advocacia Geral da União), o Tribunal Regional da 5ª Região determinou na terça-feira (7) a restauração imediata da seleção. Essa decisão ainda pode ser contestada por meio de novos recursos.
A comemoração da UFPE, que defende a política destacando que ela visa combater a exclusão social e formar profissionais de saúde com um olhar sensível às realidades das comunidades rurais e periféricas, durou pouco.
Na manhã desta quinta-feira, uma nova liminar voltou a vetar o edital. A 9ª Vara da Justiça Federal em Pernambuco acatou uma ação movida por outro vereador recifense, Thiago Medina (PL). No processo, ele critica a forma de seleção do vestibular, por meio de redação e análise do histórico escolar, dizendo ser “um tapa na cara de quem estuda anos para passar em medicina”.
A universidade deve recorrer novamente. Segundo defesa preparada pela AGU (Advocacia-Geral da União), as 80 vagas oferecidas no edital são suplementares e financiadas pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), “o que significa que não prejudicam o número de vagas destinado ao processo seletivo regular”.
Além disso, a AGU alerta que a suspensão do edital, a dias da prova, causaria danos irreparáveis aos 1.201 candidatos inscritos.
O edital reserva 80 vagas —equivalente a uma turma inteira— do curso de medicina do Centro Acadêmico do Agreste, unidade da UFPE no interior de Pernambuco, para beneficiários do Pronera (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária).
Tal programa, que existe desde 1998, tradicionalmente oferece cursos de graduação em áreas como pedagogia, direito, agronomia, engenharia agrícola, medicina veterinária, entre outras. Pela primeira vez, a iniciativa quer incluir a formação de médicos.
Podem concorrer às vagas pessoas oriundas de assentamentos e acampamentos cadastrados pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), quilombolas, educadores do campo, egressos de cursos promovidos pelo instituto e participantes do Programa Nacional de Crédito Fundiário.
Clarice dos Santos, coordenadora-geral de Educação, Arte e Cultura do Campo do Incra, comemorou a criação da turma, classificando-a como uma iniciativa estratégica para fortalecer o SUS (Sistema Único de Saúde). Ela ressaltou que o curso será fundamental para garantir médicos capacitados e familiarizados com as realidades do campo, onde a escassez de profissionais é uma das principais dificuldades enfrentadas pela população.
A proposta gerou controvérsia desde o seu anúncio, e não somente em Pernambuco. O CFM (Conselho Federal de Medicina) foi um dos primeiros a se manifestar contra a criação da turma. Para a entidade, a medida teria um caráter ideológico, privilegiando um grupo politicamente organizado, referindo-se especificamente ao MST.
O imbróglio logo se chegou ao Congresso Nacional. O senador Dr. Hiran (PP-RR), presidente da Frente Parlamentar da Medicina, qualificou o edital como “uma anomalia”, afirmando que a medida abre um “precedente perigoso” para futuras ações afirmativas nas universidades públicas.
A Comissão de Fiscalização e Controle do Senado, da qual Hiran é membro, inclusive convocou os ministros da Educação, Camilo Santana, e da Reforma Agrária, Paulo Teixeira, a prestarem esclarecimentos sobre a criação da turma e os critérios adotados.
Fonte: Folha de S. Paulo