Os desembargadores que compõem a 2ª Câmara Cível do TJRN mantiveram sentença proferida em uma ação civil pública para determinar que o Município de Natal reforme e instale os equipamentos no prédio do Distrito Sanitário Zona Sul (COVISA), deixando-o apto ao acesso e uso das pessoas portadoras de deficiência ou mobilidade reduzida – sob pena de multa única de um milhão de reais. A decisão ocorreu de forma unânime.
A multa poderá ser aplicada, seja pela não inclusão na primeira lei orçamentária subsequente ao trânsito em julgado; seja pela não elaboração do projeto complementar e do respectivo cronograma físico-financeiro da obra no prazo de três meses anteriores à execução das obras; seja, ainda, pela não execução da obra no exercício orçamentário a que refere a lei orçamentária em questão.O valor será bloqueado de suas contas, transferido para depósito judicial, a ser liberado em favor do próprio Município, tão logo comprove a adjudicação da execução da obra e a aquisição e instalação dos equipamentos ao(s) licitante(s) vencedor(es) – e sem embargo da possibilidade de execução específica da obrigação de fazer.No recurso ao Tribunal de Justiça contra sentença da 1ª Vara da Fazenda Pública de Natal, o Município de Natal sustentou a impossibilidade de ingerência do Poder Judiciário sobre o Executivo, sob pena de violação ao princípio da separação dos poderes, revelando-se necessária à reforma da sentença, “sob pena de propalar o caos financeiro, além de deixar desamparados incontáveis outras políticas públicas, por todo o fim do exercício financeiro”.
O Município de Natal também reclamou do valor fixado para aplicação da multa, reputando-o exacerbado, não atendida a razoabilidade e proporcionalidade. Requereu, assim, o conhecimento e provimento do recurso ou, pelo menos, a redução do valor da multa por descumprimento.
Análise
Ao julgar o caso, a relatora, desembargadora Lourdes Azevêdo lembrou que o princípio da separação dos poderes foi criado para garantir o funcionamento harmônico entre os Três Poderes (Executivo, Judiciário e Legislativo), e não tem o objetivo de obstruir a fiscalização e o controle de constitucionalidade dos atos de algum deles.A magistrada de segundo grau explicou que faz parte do bom funcionamento do Estado brasileiro que todos os poderes se fiscalizem entre si, de modo a evitar omissões ou ilegalidades em suas ações. “Nesse passo, é da própria essência do Poder Judiciário fiscalizar os atos administrativos abusivos e ilegais – inclusive os omissivos, como ‘in casu’ -, auxiliando na consecução de políticas públicas, sem que isso implique desequilíbrio na tripartição dos poderes”.
Em seguida, ela teceu comentários sobre o direito à acessibilidade às pessoas com deficiência garantido pela Constituição Federal 1988, bem como por normas federais, como a Lei Federal n° 10.098/00 e a a Lei Federal n°10.048/2000.“Dessa forma, tem-se que as exigências formuladas pelo Ministério Público na espécie baseiam-se em leis e decretos que regem a matéria, sendo obrigação indeclinável e prioritária dos entes públicos a adaptação de seus edifícios para garantir acessibilidade aos portadores de necessidades especiais e pessoas com mobilidade reduzida”, comentou.Quanto à imposição de multa, anotou que é plenamente possível na espécie, uma vez que somente ocorrerá se o ente público não cumprir a obrigação imposta na sentença, sendo medida perfeitamente cabível como forma de dar efetividade à decisão judicial.Em relação a redução do seu valor, entendeu que não deve prosperar, pois diante da gravidade da situação fática exposta, “é indispensável a adoção de medidas que visem a proporcionar o efetivo cumprimento da obrigação determinada na sentença hostilizada, sendo proporcional e razoável a multa única no valor aplicado”.(Processo nº 0818673-47.2019.8.20.5001)