| 5 julho, 2023 - 19:30

VÍDEO: TJBA abre reclamação disciplinar contra juiz que excluiu héteros em estágio e disse que corregedor era “gay não assumido”

 

Juiz no Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), Mario Soares Caymmi Gomes, que publicou edital com três vagas de estágio em seu gabinete exclusivas para pessoas LGBT+ – vetado, posteriormente, pela Corte -, agora enfrenta uma reclamação disciplinar. A medida partiu da presidência do tribunal e pode resultar em punição. O TJBA acusa o juiz

Juiz no Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), Mario Soares Caymmi Gomes, que publicou edital com três vagas de estágio em seu gabinete exclusivas para pessoas LGBT+ – vetado, posteriormente, pela Corte -, agora enfrenta uma reclamação disciplinar. A medida partiu da presidência do tribunal e pode resultar em punição.

O TJBA acusa o juiz de ter extrapolado os limites da liberdade de expressão ao comentar o caso em entrevista, após o veto ao edital.
Para o juiz, no entanto, trata-se de preconceito. “Esse talvez seja o primeiro caso explícito de LGBTFobia institucional no Poder Judiciário”, declarou o juiz à coluna Valor Jurídico, do Valor Econômico.

Mario Gomes recebeu a notificação em 28 de junho – o Dia Internacional do Orgulho LGBT+. Ele tem 15 dias para se defender.

Mario Gomes é gay assumido e defensor ferrenho dos direitos da população LGBT+. Começou a se envolver de forma mais ativa na causa a partir de dezembro de 2020, quando propôs e viu ser aprovada, no tribunal, uma comissão para a promoção de igualdade e políticas afirmativas em questões de gênero e orientação sexual.

No começo deste ano, ele decidiu dedicar as três vagas de estágio do seu gabinete para esse grupo específico de pessoas.
Lançou um edital que tinha como prioridade a contratação de transgêneros e travestis ou, depois, pessoas declaradamente gays e lésbicas e preferencialmente pretas. Dizia de forma expressa, além disso, que pessoas heterossexuais não seriam contratadas.

Esse edital foi vetado pelo corregedor-geral da Justiça da Bahia, o desembargador José Edivaldo Rocha Rotondano. Ele considerou que não seria razoável impedir pessoas de participarem do processo.

Mario Gomes recorreu ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mas não conseguiu reverter a decisão. O CNJ não discutiu o sistema de cotas. Disse somente que juízes não podem praticar políticas afirmativas sem o consentimento prévio do tribunal ao qual estão vinculados.

A publicação do edital, por si só, gerou enorme polêmica no Estado. Mas os ânimos ficaram mais exaltados depois que o juiz concedeu entrevista ao programa “OAB no Rádio”, em 5 de maio. A conversava era sobre “empregabilidade para a população LGBT+” e ele falou sobre o caso.

Em certo momento da entrevista, disse que havia lhe causado muito incômodo o fato de o veto ao edital ter partido “de um corregedor que é gay, ainda que ele não se assuma”.

A reclamação disciplinar contra o juiz foi apresentada pelo presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, Nilson Soares Castelo Branco. Ele diz, no documento, que desde o lançamento do edital a imagem da Corte “foi vilipendiada” por terem sido veiculados nas redes sociais “fatos inverídicos e distorcidos” sobre as ações e as políticas públicas desenvolvidas pelo tribunal.

Afirma que a entrevista concedida pelo juiz – após o veto ao edital – “reacendeu a questão em maior proporção e repercussão”.

Castelo Branco acusa o juiz de ter extrapolado os limites da liberdade de expressão e do dever de prudência e cautela que devem nortear as manifestações dos membros do Poder Judiciário. “Ao falar sobre a decisão da lavra do corregedor, proferiu manifestação de cunho ofensivo dirigida ao membro da mesa diretora do tribunal, além de realizar juízo depreciativo”, afirma.

Como a reclamação envolve o corregedor-geral, o presidente do tribunal optou por encaminhar o documento ao corregedor das comarcas do interior, o desembargador Jatahy Júnior.

Castelo Branco pede que os fatos sejam apurados e que proponha, se assim entender, a instauração de um processo administrativo disciplinar contra o magistrado.

A coluna entrou em contato com a assessoria de imprensa do tribunal. Solicitou um posicionamento institucional da Corte e pediu para ouvir o corregedor, mas não teve retorno até a publicação.

O juiz Mario Gomes se diz surpreso com a agilidade com que o caso está correndo. “Foi distribuído às 14h41 e às 14h48 já tinha uma decisão de duas folhas nos autos mandando me intimar. Parece que foi tudo combinado.”

Ele afirma não ter falado mal do tribunal durante a entrevista e diz que citou o corregedor-geral dentro de um contexto. “Não é que tenham me chamado para uma entrevista e eu, de forma aleatória, acusei. Não foi isso o que aconteceu.”

Mario Gomes enxerga esse processo como uma forma de retaliação e preconceito. “E não apenas homofobia contra mim, por ser um juiz gay que divulga e reivindica políticas afirmativas. Homofobia por não querer transgêneros nem travestis dentro do tribunal”, frisa.

O juiz se vê encurralado, além disso, pelo fato de a reclamação envolver o presidente e os dois corregedores do tribunal. “Não estou conseguindo advogado. Ninguém quer se indispor”, ele diz. “Me parece que seria caso de o CNJ intervir.”


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