Empresas de energia, pertencentes a um fundo de investimentos, conseguiram na Justiça afastar a cobrança de R$ 5,18 milhões de IPTU. O imposto recairia sobre imóveis que abrigam parques eólicos no município de Guamaré, no Rio Grande do Norte. A alíquota do IPTU varia de município para município, mas pode chegar a 15% e incide sobre o valor venal do imóvel. A tutela provisória de urgência – espécie de liminar – concedida é mais um capítulo na disputa contra cobranças de IPTU por prefeituras sobre áreas rurais situadas, supostamente, em zonas urbanas ou de expansão urbana.
A decisão que beneficia as empresas de energia é da juíza Cristiany Maria de Vasconcelos Batista, da 1ª Vara da Comarca de Macau (RN), que considerou as propriedades como rurais. Portanto, sobre elas incidiria o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), de competência da União. A questão em discussão já foi definida há mais de 13 anos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em agosto de 2009, os ministros decidiram, em recurso repetitivo, que incide o ITR “sobre imóvel localizado na área urbana do município”.
O problema está na segunda parte da tese: “desde que comprovadamente utilizado em exploração extrativa, vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial” (REsp 1112646). No caso concreto, a magistrada entendeu que as propriedades não estão situadas em área considerada urbana pelo Código Tributário Municipal. Isso porque não estariam servidas por melhoramentos – meio-fio ou calçamento, canalização de águas pluviais, abastecimento de água, sistema de esgotos, rede de iluminação pública, escola primária ou posto de saúde.
Além disso, afirma, estão cadastradas no Incra e na Receita Federal como rurais, e sujeitas ao ITR. A juíza acrescenta que, por meio de imagens inseridas na ação, verificou que os imóveis, além de abrigarem parques eólicos, são utilizados para o plantio de culturas e criação de gado, “cujas atividades se inserem no conceito de destinação econômica rural dada ao bem”.
“Assim, de acordo com o artigo 15 do Decreto-lei nº 57, de 1966, o tributo a incidir seria o ITR e não o IPTU, mesmo que os imóveis estivessem localizados em área urbana, urbanizável ou de expansão urbana, o que não parece ser o caso”, afirma a magistrada na decisão.
Rossana Fonseca e Mateus Santos, sócios do NDF Advogados, banca que defende as empresas de energia, destacam que a instalação de parques eólicos, por meio de aerogeradores, não impede que os imóveis – sob cessão onerosa – sejam usados para agricultura e pecuária, conforme demonstrado por meio de fotos que constam da petição inicial. Eles acrescentam que, além de querer cobrar IPTU, a Prefeitura de Guamaré ampliou a base de cálculo do tributo municipal. Teria incluído bens móveis – ou seja, os parques eólicos -, “o que é ilegal”. Esse ponto, porém, não foi tratado na decisão liminar (processo nº 0802204-94.2022.8.20.51.55). Bruno Sigaud, do escritório Sigaud Advogados, considera a decisão acertada, “uma vez que buscou perquirir a destinação do imóvel para se caracterizar qual o tributo devido sobre a propriedade, o ITR, se o imóvel possuir destinação rural, e o IPTU, se o bem possuir características e melhoramentos urbanos”.
Em pesquisas de precedentes no Judiciário, afirma, o escritório identificou que a jurisprudência nacional sempre analisa a destinação do bem, a posse, o atual proprietário ou o possuidor, dentre outros requisitos, para efeitos de validação da tributação – se pelo IPTU ou ITR. “Não basta que um imóvel esteja localizado em área urbana para fins de cobrança do IPTU”, diz Sigaud. “A legislação federal, notadamente o Código Tributário Nacional, especifica os requisitos necessários para a incidência e exigência do imposto na modalidade ‘urbana’, principalmente a existência de melhoramentos próximo ao imóvel”, acrescenta o especialista. Procurada pelo Valor, a Prefeitura de Guamaré não deu retorno até o fechamento da edição.
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