| 14 outubro, 2022 - 08:30

STJ confirma afastamento de governador de AL para impedir interferência

 

Segundo a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, o afastamento de Paulo Dantas (MDB) do cargo de governador de Alagoas é absolutamente necessário para impedir que a organização criminosa chefiada por ele continue a desviar verbas via cargos fantasmas na Assembleia Legislativa alagoana, além de evitar interferência nas investigações. Com esse entendimento, e por

Segundo a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, o afastamento de Paulo Dantas (MDB) do cargo de governador de Alagoas é absolutamente necessário para impedir que a organização criminosa chefiada por ele continue a desviar verbas via cargos fantasmas na Assembleia Legislativa alagoana, além de evitar interferência nas investigações.

Segundo MPF, Paulo Dantas chefia organização criminosa responsável por desvios de servidores fantasmas em Alagoas

Com esse entendimento, e por maioria de votos, o colegiado referendou a decisão da ministra Laurita Vaz que, na terça-feira (11/10), tirou Dantas do cargo para o qual concorre à reeleição no segundo turno das eleições deste ano. Por sugestão do ministro Og Fernandes, o prazo do afastamento se encerrará em 31 de dezembro, quando terminará o mandato de Dantas.

O julgamento ocorreu nesta quinta-feira (13/10) em sessão extraordinária convocada com o objetivo de analisar a decisão cautelar. Além do afastamento de Dantas, a Corte Especial referendou a ordem de bloqueio de valores nas contas de 93 funcionários fantasmas da Assembleia alagoana, além da proibição de novas nomeações até segunda ordem.

Segundo o Ministério Público Federal, esses cargos estavam sendo usados para sacar salários de assessores de deputados estaduais, que podem chegar a R$ 21 mil. A estimativa é que o desvio ultrapasse a marca de R$ 54 milhões. O órgão chegou a pedir a prisão preventiva e cautelar do governador, o que foi indeferido pela relatora.

Dantas é apontado como o líder da empreitada criminosa, que, segundo a denúncia, começou em 2019, ano em que assumiu a cadeira de deputado estadual, e continuou em maio deste ano, quando foi eleito pela Assembleia para cumprir mandato-tampão de governador, por causa da renúncia de Renan Filho (MDB) ao cargo para disputar vaga no Senado.

A posição da ministra Laurita foi referendada por maioria de votos. Ela foi acompanhada pelos ministros Francisco Falcão, Nancy Andrighi, Herman Benjamin, Og Fernandes, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira.

Abriu a divergência o ministro João Otávio de Noronha, para quem o STJ é incompetente para julgar o caso. Além disso, ele apontou que não há gravidade suficiente comprovada para afastar Dantas do cargo de governador, já que os riscos apontados pela relatora estariam acobertados pelas demais cautelares impostas. Ele foi acompanhado pelo ministro Jorge Mussi.

Como chegamos até aqui
O voto da ministra Laurita Vaz detalhou como o caso andou até o afastamento de Dantas, apenas 19 dias antes do segundo turno da eleição para governador.

Tudo começou com denúncia anônima enviada à Superintendência da Polícia Federal de Alagoas, em 29 de outubro de 2021, alertando que os salários de funcionários fantasmas da Assembleia Legislativa estavam sendo sacados semanalmente em agências da Caixa Econômica Federal em Maceió e desviados.

Em 8 de novembro, a PF instaurou procedimento preliminar de apuração e até dezembro monitorou agências e identificou saques suspeitos, feitos em situações incomuns, com excesso de tempo nos caixas eletrônicos, constância e valores pequenos que, somados, alcançavam montantes milionários.

Ministra Laurita Vaz defendeu afastamento do governador para cessar atuação da organização criminosa e evitar interferências
Rafael Luz

Em 4 de março deste ano, o juízo da 17ª Vara Criminal de Maceió autorizou medidas de busca e apreensão e quebra de sigilo bancário, fiscal e das comunicações. O resultado obtido apontou para a existência de desvio de recursos iniciado em 2019, com indício de ser comandado pelo então deputado estadual Paulo Dantas.

Em maio, Dantas foi alçado ao cargo de governador depois que Renan Filho renunciou para disputar o Senado. Ele governava sem vice porque Luciano Barbosa (DEM) já havia renunciado para se eleger prefeito de Arapiraca (AL), em 2020.

Assim, o deputado estadual foi eleito governador pela Assembleia Legislativa. Esse fato foi o que levou o caso ao Superior Tribunal de Justiça, inclusive porque a PF constatou que, mesmo no cargo de governador, Dantas continuou chefiando o esquema.

O inquérito foi distribuído por sorteio à ministra Laurita Vaz, que determinou a continuidade das investigações. Nesse período, sempre de acordo com a denúncia, nada pareceu parar o esquema criminoso. Um exemplo disso é que as primeiras cautelares deferidas pelo juízo de primeiro grau levaram à apreensão de cartões em nomes de funcionários fantasmas.

Mesmo após essas diligências, os operadores do esquema pediram à Caixa segundas vias desses cartões e apenas mudaram o modo de operação do crime: passaram a variar os saques nas agências bancárias com outros em agências lotéricas, na tentativa de disfarçar o feito.

Interferência do governador?
O voto da ministra Laurita Vaz destacou a ousadia do grupo criminoso de manter a todo custo o desvio das verbas. Houve ainda outro episódio grave que contribuiu bastante para a decisão de afastamento de Paulo Dantas do cargo.

Em 3 de agosto, a Polícia Federal alagoana apreendeu um homem que fazia saques suspeitos em agências da Caixa. Ele tinha 16 cartões em nome de servidores fantasmas e carregava consigo R$ 32 mil. Ele prestou depoimento e foi liberado. Dois dias depois, relatou que sofreu ameaças de morte por não ter entregue a verba aos destinatários do esquema.

Posteriormente, a delegada da PF responsável pelo caso foi abordada pelo delegado-geral da Polícia Civil, alegando que essa mesma testemunha queria fornecer novo depoimento. E, mais tarde, ele mesmo colheu novas declarações e encaminhou uma versão diferente e inédita à Polícia Federal.

Para a ministra Laurita Vaz, esse episódio causa perplexidade e indica uma “evidente movimentação de bastidores” visando a interferir em investigação em desfavor de Paulo Dantas.

A conclusão foi de que há um núcleo político encabeçando a organização criminosa, composto por Dantas, pela esposa dele, Marina Dantas, prefeita de Batalha (AL), e por seu cunhado, Theobaldo Cintra, prefeito de Major Isidoro (AL).

Ministro João Otávio de Noronha divergiu e foi contra o afastamento do candidato à reeleição do governo do estado de Alagoas
Gustavo Lima

Divergência
Abriu a divergência o ministro João Otávio de Noronha, que suscitou a preliminar de incompetência do STJ para julgar o caso. Ela se baseou no fim do caso das “rachadinhas” envolvendo o hoje senador Flávio Bolsonaro, em referência à época em que ele atuava como deputado estadual do Rio de Janeiro.

O caso passou pelo STJ e pelo Supremo Tribunal Federal, e a conclusão foi de que, apesar dos mandatos cruzados (a troca de uma casa legislativa por outra), a competência ficou com o Órgão Especial do Tribunal do Rio de Janeiro, que eventualmente acabou por arquivar a denúncia oferecida pelo Ministério Público fluminense.

Além disso, o ministro argumentou que não há nos autos fatos contemporâneos apontando para o envolvimento de Dantas com os funcionários fantasmas na Assembleia Legislativa alagoana. Ele disse que o homem preso pela PF com os R$ 32 mil afirmou, por exemplo, que se reportava a funcionários da prefeitura comandada por Theobaldo Cintra.

“Aqui tudo se supõe”, criticou Noronha. “Os elementos informativos dos autos não corroboram a narrativa policial e não justificam a medida extrema de afastamento, por não estar cabalmente demonstrado o fumus comissi delicti (a comprovação da existência de um crime e indícios suficientes de autoria).”

Ele também questionou o poder de interferência de um delegado da Polícia Civil na investigação feita pela Polícia Federal. “Nenhum”, respondeu. “O fato de ter sido nomeado pelo governador não traz presunção de que agiu em nome do governador”, ressaltou, ao dizer que a conclusão da relatora parte de conjecturas feitas pela PF.

Por isso, votou apenas por manter o bloqueio das contas dos 93 servidores fantasmas, bem como a proibição de novas nomeações em cargos comissionados na Assembleia. E ainda acrescentou: “Um deputado só tem força para tudo isso? Para nomear, sozinho, 93 pessoas?”.

Atuação política nenhuma
O voto da ministra Laurita Vaz ainda contou com um trecho de resposta a todas as acusações feitas contra ela de que o afastamento teria sido orquestrado para influir nas eleições alagoanas — no dia 30, Paulo Dantas disputará o segundo turno contra Rodrigo Cunha (União Brasil).

Para ela, as insinuações feitas são ilegítimas. Laurita alegou que tem 21 anos como ministra no STJ e outros 22  de atuação no Ministério Público Federal e no Ministério Público de Goiás. “Absolutamente nenhuma manifestação ou decisão que subscrevi foi motivada por razões políticas. Não ingressei no STJ para pautar minha atuação jurisdicional em fundamentos de ordem política.”

Ela apontou a tentativa de pessoas de, sem terem acesso aos elementos dos autos, arrastar o holofote para fatos ainda sob investigação, no intuito de transformar uma decisão judicial baseada em elementos legais em palco para embate político. Segundo a ministra, o objetivo é plantar veneno para colher frutos estragados pela baixeza de argumentos falaciosos.

“Se eu tivesse me curado a essa expectativa de retardo — se tivesse, como se diz por aí, sentado em cima dos autos em razão das eleições —, aí, sim, estaria agindo com viés politico, pois estaria incluindo um fato estranho aos autos em regular andamento para adotar medidas cautelares necessárias e urgentes para investigações, e mais ainda para estancar sangria desatada do dinheiro dos cofres públicos de Alagoas.”

Ao longo do julgamento, os demais ministros da Corte Especial, inclusive os que divergiram, manifestaram apoio à relatora. A sessão ainda teve a declaração de suspeição do ministro Humberto Martins, que é natural de Alagoas e, por motivos de foro íntimo — “eu conheço as partes” —, decidiu não participar do julgamento.

MISOC 209
Inq. 1.582


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