O uso de palavras desrespeitosas sobre o réu configura nulidade por parcialidade do julgador, mesmo que não tenham sido registradas por escrito no voto proferido. Ainda que nenhum juiz seja axiologicamentre neutro, não se pode negar que o envolvimento emocional com o fato apurado pode interferir na sua imparcialidade, atributo que faz parte do devido processo legal.
Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu a ordem em Habeas Corpus para anular um julgamento de apelação proferido em que o Tribunal de Justiça do Paraná manteve a condenação de um homem pelo crime de estupro de vulnerável contra a própria filha.
O caso foi julgado pela 3ª Câmara Criminal do TJ-PR. O relator, desembargador Gamaliel Seme Scaff, identificou que as provas levantaram incongruências e deixavam dúvidas, e com isso votou pela absolvição por insuficiência probatória.
Abriu a divergência o desembargador Paulo Vasconcelos, que votou por manter a condenação por entender que a narrativa da acusação foi lúcida, segura e consonante com outros elementos de prova, como os depoimentos de psicóloga e pedagoga envolvidas no caso.
Na sessão de julgamento, Vasconcelos disse que ficou horrorizado com o relato da vítima, criança que teria sido abusada no período entre os 6 e 11 anos de idade. Chamou o réu de “suposto pai, porque nem pai podia ser… Uma pessoa dessas é um animal! Um animal!”
Disse que o caso o lembrou da própria neta, uma criança de tenra idade. “Não me conformo! Não me conformo!”, afirmou. “Então, olha, isso aí me emociona e eu como magistrado jamais absolveria um cidadão desse!”, bradou.
“Absolver um animal desse! Esse cara foi um animal! Pra mim, um animal!”, complementou. O voto divergente se sagrou vencedor, e a condenação foi mantida. As ofensas ao réu não foram incluídas por escrito no voto vencedor.
Relator no STJ, o desembargador convocado Olindo Menezes destacou que a Lei Orgânica da Magistratura Nacional exige que o julgador trate os envolvidos no processo com urbanidade. E apontou que as falas do desembargador Paulo Vasconcelos extrapolaram em muito essa previsão.
“As desrespeitosas expressões que lhe foram dirigidas oralmente na sessão de julgamento da apelação exorbitam claramente de uma mera questão de falta de urbanidade, parar configurar visível falta de imparcialidade e, portanto, caso de nulidade por suspeição”, afirmou.
Ao chamar o réu de porco e dizer que jamais absolveria “um animal desses”, o julgador ofendeu a garantia constitucional da imparcialidade, componente do devido processo legal e que deve ser observada em todo e qualquer julgamento em um sistema acusatório. A conclusão da 6ª Turma foi unânime.
HC 718.525
Conjur