O ordenamento jurídico brasileiro ainda não contempla animais como sujeitos de direito e, portanto, é inconcebível a tentativa de inseri-los como parte em processo judicial.
Com esse entendimento, a 11ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo negou a inclusão de 30 cães no polo passivo de uma ação de rescisão contratual cumulada com reintegração de posse.
A ação foi ajuizada pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU) contra os proprietários dos animais. Em primeiro grau, foi determinada a reintegração de posse de um imóvel em razão de inadimplência.
Ao recorrer da sentença, os réus defenderam que os cachorros teriam capacidade de ser parte nos autos, devidamente assistidos pelos representantes processuais. Porém, o argumento foi afastado pela turma julgadora, que também manteve a reintegração de posse.
O relator, desembargador Gilberto Santos, criticou o pedido para incluir os cães no polo passivo. Ele classificou de “profundamente lamentável” a linha adotada pela defesa dos réus, destoando do que “se impõe e se espera do nobre exercício da advocacia”.
“O desempenho dessa elevada função exige seriedade e respeito, sem espaço para invenções ou gracinhas, tais como a que aqui se vê na petição, que serve para suposta ‘contestação’ por parte de ‘animais caninos’ ou nas próprias razões de apelação, onde incrivelmente se procura defender a ‘capacidade processual de animais'”, disse.
O profissional do Direito, afirmou o desembargador, tem o dever de observar e cumprir estritamente o ordenamento jurídico. E, neste cenário, Santos disse que o direito brasileiro, em especial o Direito Privado, por enquanto contempla apenas a pessoa, e não os animais.
“E assim porque a sociedade é constituída de pessoas”, explicou o magistrado, citando ainda o artigo 70 do Código de Processo Civil. “A tentativa de justificar a suposta ‘capacidade processual dos animais’ mediante invocação do Decreto 24.645, de 10/7/1934, não prospera”, acrescentou.
Segundo o relator, o Decreto 24.645/1934, além de já ter sido revogado em 1991, nunca atribuiu efetiva capacidade processual para os animais, mas simplesmente dispôs que eles seriam “assistidos” em juízo pelos representantes do Ministério Público, seus substitutos legais e pelos membros das sociedades protetoras de animais.
“No caso, porém, com todo respeito, não há evidências da necessidade de intervenção do Ministério Público, uma vez que também não deflagradas as hipóteses legais elencadas no artigo 178 do Código de Processo Civil, nem na lei extravagante ou mesmo na Constituição Federal”, afirmou o desembargador.
Por fim, no caso presente, para Santos, “nem mesmo com a melhor das boas vontades é possível ver discussão de ‘direitos dos animais'”, visto que a ação é de rescisão de contrato cumulada com reintegração posse de imóvel, “o que nem de longe se confunde com o direito de proteção aos animais”.
“Os animais, aliás, nada compraram nem têm nenhuma posse a ser protegida”, finalizou o magistrado, afastando o argumento da defesa de que os cachorros poderiam constar como parte na ação, pois ficariam desabrigados e sem moradia em caso de despejo de seus proprietários. A decisão foi por unanimidade.
Processo 1000235-72.2020.8.26.0252
Conjur