| 17 novembro, 2020 - 12:40

Juristas não veem mais sentido no voto obrigatório

 

Para o decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Marco Aurélio Mello, três vezes presidente do Tribunal Superior Eleitoral, a obrigatoriedade do voto é um anacronismo em nosso processo democrático. “Acredito na espontaneidade, na autodeterminação, em síntese, na liberdade de escolha. Surge verdadeiro paradoxo quando se fala em cidadania e, ao mesmo tempo, impõe-se a obrigação de

Para o decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Marco Aurélio Mello, três vezes presidente do Tribunal Superior Eleitoral, a obrigatoriedade do voto é um anacronismo em nosso processo democrático.

Tânia Rego/Agência Brasil

“Acredito na espontaneidade, na autodeterminação, em síntese, na liberdade de escolha. Surge verdadeiro paradoxo quando se fala em cidadania e, ao mesmo tempo, impõe-se a obrigação de fazer, de escolher os representantes, com sanções para o caso de omissão. O desejável é a conscientização. O ato de participar do processo democrático deve ser voluntário, quer apresentando-se como candidato, quer comparecendo e sufragando este ou aquele nome. Que se atribua responsabilidade maior às pessoas e elas corresponderão buscando, de forma consciente, o melhor. Em pleno século 21, é tempo de avançar culturalmente. Que venha a atribuição de responsabilidade maior eleitoral aos cidadãos”, disse ao site “Direito Global“, do jornalista Irineu Tamanini.

A tese é corroborada pelo advogado Daniel Gerber: “Absolutamente correto o pensamento do nobre ministro. Cada vez mais se percebe ultrapassado o modelo de Estado máximo, onde até mesmo as vontades e disposições do indivíduo para atos da vida cotidiana lhe são impostos como obrigação sob o falso pretexto de proteger-lhe de algum mal desconhecido ou de manipulações de seu espírito. O livre arbítrio — e suas naturais consequências — é a pedra angular de nossa civilização, empoderado pelo alto grau de acesso ao conhecimento que o mundo virtual trouxe para todos nós.”

Quais são as consequências para quem não vota ou não justifica sua ausência, conforme o parágrafo 1º do artigo 7º do Código Eleitoral (Lei 4.737-1965)? Em resumo, a lei criada durante a ditadura militar impede a obtenção de passaporte ou carteira de identidade; proventos de função ou emprego público; inscrever-se em concurso e tomar posse em concurso público; renovar matrícula em estabelecimento de ensino, entre outros.

Mas a facilidade dos meios para se justificar a ausência nas eleições atualmente não seria uma forma de facultar o direito ao voto?

Roberto Busato, ex-presidente nacional da OAB, disse que isso só reforça a necessidade de facultar tal direito. “Devemos mudar a regra do voto obrigatório pelo facultativo, por vários motivos, por sermos um país democrático, onde o Estado não pode impor a participação de alguém para exercer um direito que lhe pertence, como é o caso do direito ao voto de escolha de seus representantes, de outro, pela facilidade extrema de se justificar a abstenção, agora até pela internet, sem se falar da ridícula multa de R$ 3 a quem deixar de votar. É época de evoluirmos, e o direito de votar fica implícito na existência de bons candidatos e um discurso motivador para levar o eleitor às urnas eleitorais.”

No Brasil, o voto ainda é obrigatório para maiores de 18 e menores de 70 anos. Ficam de fora dessa obrigatoriedade somente os analfabetos, os maiores de 70 e quem tem entre 16 e 18 anos. Pessoas portadoras de deficiência física grave também podem pedir que um juiz eleitoral emita uma certidão de quitação eleitoral.

A novidade desta eleição é a justificativa pelo e-Título, que pode ser baixado nas plataformas “Google Play” e “App Store”. Com o aplicativo bastante congestionado na votação deste domingo (15/11), o eleitor que não compareceu a nenhum local de votação para justificar sua ausência pode ainda, em até 60 dias após cada turno da votação, apresentar a justificativa pela internet.

“O legislador constituinte de 1987/88, norteado pelo espírito de expurgar do mundo jurídico as mazelas deixadas pelo período ditatorial, foi expresso ao restaurar de forma definitiva no país o fortalecimento da democracia, na esteira do fundamento nuclear de que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos pelo voto obrigatório, a fim de construir uma sociedade livre, justa e solidária”, disse à ConJur o constitucionalista Adib Abdouni, também advogado criminalista.

“Daí ter-se instalado um Estado de plena liberdade democrática, na exata diretriz de que todos são iguais perante a lei, garantindo-se aos brasileiros o exercício da soberania popular mediante o exercício do sufrágio universal, pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos. Contudo, passados pouco mais de 30 anos desde a promulgação da Carta Magna, aquele ideário democrático manifestado pelos constituintes qualificado pelo estabelecimento da compulsoriedade do voto parece ter-se dissipado no tempo e não encontra mais eco em nossa realidade democrática, haja vista que as eleições havidas desde então já cumpriram seu papel de educação política, de sorte que o cenário atual de nossa democracia consolidada autoriza o debate, e, sobretudo, o efetivo implemento de proposta legislativa de emenda constitucional a fim de fazer presente o voto facultativo, a conferir maior qualidade ao resultado final do pleito eleitoral.”

O TSE informou que o índice de abstenção no primeiro turno das eleições municipais deste ano foi de 23,14%. Nas duas eleições municipais anteriores, a abstenção no primeiro turno foi de 17,58% em 2016 e de 16,41% em 2012. Na eleição mais recente, a presidencial de 2018, a abstenção no primeiro turno ficou em 20,33%.

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Conjur


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