| 6 novembro, 2020 - 16:57

Midiatização dos pronunciamentos jurisdicionais sem o devido processo legal. Até quando?

 

No quadro “Novo Código de Processo Civil” comentado pelo juiz Herval Sampaio (professor, presidente da Amarn e vice-presidente de Integração da AMB) e veiculado na Rádio Justiça, o magistrado usou o espaço para comentar um caso de grande repercussão nacional. Diante da repercussão do caso da blogueira Mariana Ferrer – como juiz sei das minhas


Reprodução/Amarn


No quadro “Novo Código de Processo Civil” comentado pelo juiz Herval Sampaio (professor, presidente da Amarn e vice-presidente de Integração da AMB) e veiculado na Rádio Justiça, o magistrado usou o espaço para comentar um caso de grande repercussão nacional.

Diante da repercussão do caso da blogueira Mariana Ferrer – como juiz sei das minhas limitações em falar sobre um caso concreto, entretanto, na condição de vice-presidente da Associação de Magistrados Brasileiros (AMB) fico mais à vontade para falar sobre o caso. Na verdade, não falo sobre o caso específico (até porque não sei todos os detalhes) e também em respeito ao Código de Ética da Magistratura, tenho limitações. Falo sobre o que me preocupa, a midiatização e espetacularização do caso em questão.

Como estudioso do Direito, como homem e ser humano, sob todos os enfoques, não admito em hipótese alguma que uma mulher seja submetida a uma relação sexual que não queira. Em qualquer hipótese, a mulher tem os seus direitos e precisa ser respeitada em suas decisões. Existem vários atos normativos, convenções, pactos, regramentos e acordos – usando amplamente as expressões- que garantem isso.

O homem não pode coisificar a mulher, ela só terá uma relação sexual se ela quiser. Se vier a ser obrigada, isso trará consequências jurídicas, que serão determinadas analisando caso a caso. Esta é a primeira premissa. Precisamos enfrentar inclusive essa cultura machista e sexista que ainda prevalece em nossa sociedade.

A segunda premissa: ninguém pode ser julgado por circunstâncias alheias aos próprios fatos. Isso também é indiscutível. Os fatos são aqueles descritos em cada tipo de processo. Outra coisa que precisa ficar clara, se a pessoa é vítima de um determinado processo, sua posição não se altera. Vítima é vítima. Não pode ser transformada em acusada. Tanto que o processo penal trabalha hoje para dar mais assistência à vítima.

A partir deste momento meu raciocínio pode ser criticado e visto como corporativismo. É sabido que uma associação de classe tem o dever de defender o seu associado em todos os órgãos e assim fará. Chamo atenção para o fato de que não se pode analisar uma audiência que durou cerca de cinco horas, baseando-se num vídeo de aproximadamente dois minutos. Tanto que o Ministério Público Catarinense solicitou a divulgação na íntegra do vídeo.

De acordo com a nota emitida pela Associação de Magistrados Catarinenses (AMC) o magistrado fez mais de 30 intervenções. Em abstrato eu quero dizer que não se justifica que o juiz não aja, por mais que a legislação processual tenha mudado, o advogado pode perguntar diretamente às testemunhas ou à vítima no processo penal, mas o juiz é o presidente daquele ato e ele deve intervir, não permitindo que a vítima ou testemunhas sofram constrangimentos.

Precisamos analisar o todo e jamais poderemos execrar alguém, incluindo o juiz – que é também um cidadão e tem direito ao devido processo legal. Por outro lado, não é meu objetivo execrar o advogado e criminalizar a sua atividade – mas fica óbvio que o advogado não pode querer trazer situações fora do processo para – numa linguagem informal- misturar situações que em nada tem a ver com o exame de cada tipo penal que está sendo analisado. Salientando mais uma vez que não me refiro a um caso concreto.

Por fim, deixo claro que no caso midiatizado, em momento algum o magistrado utilizou o termo “estupro culposo” em sua sentença. Isso não passou de um termo inventado com o objetivo de gerar repercussão contra a magistratura em geral. Tive a oportunidade de ler toda a sentença e ela está fundamentada e houve a absolvição por insuficiência de provas.
Fico por aqui e destaco que precisamos ter coragem de lutar contra o machismo e a coisificação da mulher, transformando-a em objeto. As mulheres precisam ser protegidas sempre. E também precisamos acabar com os julgamentos das redes sociais, que execram as pessoas sem direito de defesa. Deixemos os julgamentos para os tribunais e preservemos a todos o direito ao devido processo legal e aos magistrados não pode ser diferente.


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