| 9 outubro, 2020 - 15:00

O Juiz pode, de ofício, converter a prisão em flagrante em preventiva?

 

Por Rodrigo Leite e Thiago Alexandre | Telegram: https://t.me/pilulasjuridicasSTFSTJ |  Na edição n. 120 da ferramenta Jurisprudência em Teses, o Superior Tribunal de Justiça divulgou entendimento segundo o qual “não há nulidade na hipótese em que o magistrado de ofício, sem prévia provocação da autoridade policial ou do órgão ministerial, converte a prisão em flagrante em

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Por Rodrigo Leite e Thiago Alexandre | Telegram: https://t.me/pilulasjuridicasSTFSTJ

Na edição n. 120 da ferramenta Jurisprudência em Teses, o Superior Tribunal de Justiça divulgou entendimento segundo o qual “não há nulidade na hipótese em que o magistrado de ofício, sem prévia provocação da autoridade policial ou do órgão ministerial, converte a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos previstos no art. 312 do CPP.” 

De acordo com parte da doutrina, a referida tese estaria superada pelo advento da Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime) que passou a proibir a atuação, de ofício, do magistrado para decretação de prisões preventivas (raciocínio extensível para a conversão do flagrante em preventiva). 

Nessa linha, para Rogério Sanches Cunha (2020, p. 244), “com base no espírito que norteou a nova redação do art. 311 do CPP, que impede o juiz, na fase de inquérito policial, de decretar a prisão preventiva de ofício, há doutrina no sentido de que o Magistrado, por consequência, também não poderia converter a prisão em flagrante sem o prévio requerimento do Ministério Público ou sem a representação da autoridade policial nesse sentido. Tal conversão, com efeito, equivaleria a uma indireta decretação de ofício da preventiva. A Lei n. 13.964/19 estende a proibição para o processo, devendo o juiz sempre aguardar oportuna e pertinente provocação.”

Também segundo Renato Brasileiro (2020, p. 1052) para que ocorra a conversão de prisão em flagrante em prisão preventiva “é indispensável que seja provocado nesse sentido, pois jamais poderá fazê-lo de ofício, sob pena de violação aos arts. 3º-A, 282, §§2º e 4º, e 311, todos do CPP, com redação dada pela Lei n. 13.964/19.” Para Guilherme Madeira Dezem e Luciano A. de Souza (2020, p. 134) ”com a reforma, o juiz somente poderá decretar de ofício a prisão na hipótese em que houve decretação anterior da prisão e que foi posteriormente revogada nos termos do artigo 316 do CPP.”

Muito embora haja essa compreensão da doutrina, o STJ tem entendido que é possível que o juiz, de ofício, converta a prisão em flagrante em preventiva:

A jurisprudência desse Superior Tribunal de Justiça tem referendado que embora o art. 311 do CPP, aponte a impossibilidade de decretação da prisão preventiva, de ofício, pelo Juízo, é certo que, da leitura do art. 310, II, do CPP, observa-se que cabe ao Magistrado, ao receber o auto de prisão em flagrante, proceder a sua conversão em prisão preventiva, independentemente de provocação do Ministério Público ou da Autoridade Policial, desde que presentes os requisitos do art. 312 do CPP, não havendo falar em nulidade quanto ao ponto (AgRg no RHC 131.371/MT, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 08/09/2020; HC 539.645/RJ, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 18/08/2020)

“O Juiz, mesmo sem provocação da autoridade policial ou da acusação, ao receber o auto de prisão em flagrante, poderá, quando presentes os requisitos do art. 312 do CPP, converter a prisão em flagrante em preventiva, em cumprimento ao disposto no art. 310, II, do mesmo Código, não havendo falar em nulidade STJ.” (AgRg no HC 577.739/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 26/05/2020; RHC 129.574/MG, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 18/08/2020).

No dia 06/10/2020, todavia, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade de votos, por ocasião do julgamento do HC 188.888/MG, Rel. Min. Celso de Mello, considerou ilegal a conversão, de ofício, da prisão em flagrante em prisão preventiva, sob o entendimento de que o pacote anticrime, ao suprimir do art. 311 do CPP a expressão “de ofício”, vedou de forma  absoluta a decretação da prisão preventiva sem o prévio requerimento das partes ou por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público, pelo que não se torna lícita a atuação de ofício do juízo processante em tema de privação cautelar da liberdade.

Dessa forma, segundo o STJ, é cabível ao magistrado converter de ofício à prisão em flagrante em prisão preventiva, desde que preenchidos os requisitos do art. 312 do CPP (faz-se uma interpretação literal do art. 310, II, do CPP); ao passo que, para o STF, a conversão de ofício é incabível, por encontrar óbice nas alterações promovidas pelo Pacote Anticrime no art. 311 do CPP.

A nosso ver, o entendimento que deve prevalecer é o do STF, enquanto intérprete da Constituição da República e sob o enfoque constitucional do sistema acusatório. A norma procedimental penal é clara ao estabelecer que a prisão preventiva decretada pelo juiz (raciocínio aplicado para prisões temporárias e também para a conversão de flagrante em preventiva) será cabível mediante requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial, conforme a nova redação do art. 311 do CPP, sendo vedada a atuação de ofício pelo magistrado.


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