| 28 julho, 2020 - 18:20

Procedimentos reparadores e estéticos (parte 03): a posição do STJ

 

Por Rodrigo Leite | Telegram:https://t.me/pilulasjuridicasSTFSTJ Parte 01: https://bit.ly/3f9TOQH Parte 02: https://bit.ly/3g3megp O Superior Tribunal de Justiça, tal como a doutrina, realiza distinções entre procedimentos reparadores e procedimentos estéticos e entre a responsabilidade médica nesses tipos de intervenções.   A cirurgia pós-bariátrica com a finalidade de retirada de excesso de pele possui conteúdo reparador e não estético, por exemplo.  Para o

Ilustrativa

Por Rodrigo Leite | Telegram:https://t.me/pilulasjuridicasSTFSTJ

Parte 01: https://bit.ly/3f9TOQH

Parte 02: https://bit.ly/3g3megp

O Superior Tribunal de Justiça, tal como a doutrina, realiza distinções entre procedimentos reparadores e procedimentos estéticos e entre a responsabilidade médica nesses tipos de intervenções.  

A cirurgia pós-bariátrica com a finalidade de retirada de excesso de pele possui conteúdo reparador e não estético, por exemplo.  Para o Tribunal, a correção de lipodistrofia branquial, crural, ou trocanteriana de membros superiores e inferiores – retirada do excesso de pele não possui natureza estética, mas, sim, reparadora. Entende-se que as cirurgias complementares à cirurgia bariátrica não ostentam caráter meramente estético, mas reparatório e necessário – vide AgInt no AREsp 1569800/GO, Quarta Turma, DJe 04/05/2020. Tal entendimento decorre do fato de que a obesidade mórbida é doença crônica e, por isso, de cobertura obrigatória pelos planos de saúde – ver art. 10, caput, da Lei nº 9.656/1998. 

Assim, é ilegítima a recusa de cobertura das cirurgias destinadas à remoção de tecido epitelial, quando estas se revelarem necessárias ao pleno restabelecimento do paciente, acometido de obesidade mórbida. Para o Superior, as cirurgias de mamoplastia e dermolipectomia abdominal, braquial e crural (retirada do excesso de pele sob o abdômen, braços e pernas) após a cirurgia bariátrica são reparadoras – REsp 1832004/RJ, DJe 05/12/2019.

Considera-se que estão excluídos da cobertura dos planos de saúde, porém, os tratamentos com finalidade puramente estética (ver art. 10, II, da Lei n. 9.656/1998), quer dizer, de preocupação exclusiva do paciente com o seu embelezamento físico, a exemplo daqueles que não visam à restauração parcial ou total da função de órgão ou parte do corpo humano lesionada, seja por enfermidade, traumatismo ou anomalia congênita (art. 20, § 1º, II, da RN/ANS nº 428/2017) – AgInt no AREsp 1434014/SP, DJe 30/08/2019. As operadoras de plano de saúde podem, portanto, limitar o custeio de cirurgias meramente estéticas – AgInt no AREsp 1034704/SP, DJe 19/10/2017. 

A matéria também repercute no tipo de obrigação do médico. Tradicionalmente, diz-se que se o médico realizar cirurgia reparadora sua obrigação é de meio; caso ele proceda com cirurgia de natureza estética sua obrigação é de resultado (aquela cujo fim é o cerne da própria obrigação, sem o qual haverá a inexecução; na cirurgia estética o médico se comprometendo a obter a finalidade embelezadora almejada pelo paciente). Nessa linha, o STJ entende que a relação entre médico e paciente é contratual e encerra, de modo geral, obrigação de meio, salvo em casos de cirurgias plásticas de natureza exclusivamente estética em que se assumirá obrigação de resultado – REsp 1046632/RJ, DJe 13/11/2013. 

Nas cirurgias de natureza mista – estética e reparadora -, a responsabilidade do médico não pode ser generalizada, devendo ser analisada de forma fracionada, sendo de resultado em relação à sua parcela estética e de meio em relação à sua parcela reparadora (REsp 1097955/MG, DJe 03/10/2011). Nas obrigações de resultado, cumpre ao médico demonstrar que os eventos danosos decorreram de fatores externos e alheios à sua atuação durante a cirurgia (AgRg no AREsp 764.697/ES, DJe 11/12/2015). 

Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Braga Netto (Novo Tratado de Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 1352) sugerem a superação dessa dicotomia.  De fato, consigna Genival Veloso de França (Direito Médico. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p 285) hoje, mesmo em especialidades consideradas como obrigação de resultado, como na cirurgia puramente estética, já se olha com reservas esse conceito tão radical de êxito absoluto, pois o correto é decidir pelas circunstâncias de cada caso. 

Assim, cirurgias estéticas chamadas de cosméticas (cosmetic surgery), que não visa a nenhuma ação curativa, revelando-se quase sempre de prática duvidosa e cercada de certa ambiguidade, impregnada de modismo e de efeito superficial, a exemplo dos olhos siameses e dos lábios carnudos, são classificadas como estéticas. A cirurgia reparadora de uma disgenesia de orelha ou a cirurgia reconstrutora de orelha pós-traumatismo não pode ser considerada cirurgia de embelezamento, pois esta recriação ou esta reconstrução da orelha não tem o sentido primário de embelezar, mas o de aproximar o operado o mais possível da normalidade ou do que era ele antes – Cf. FRANÇA, Genival Veloso (2019, p. 336). 

Seguindo a orientação clássica sobre o tema, registram Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona (Novo Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 295): “interessante questão diz respeito à obrigação do cirurgião plástico. Em se tratando de cirurgia plástica estética, haverá, segundo a melhor doutrina, obrigação de resultado. Entretanto, se se tratar de cirurgia plástica reparadora (decorrente de queimaduras, por exemplo), a obrigação do médico será reputada de meio, e a sua responsabilidade excluída, se não conseguir recompor integralmente o corpo do paciente, a despeito de haver utilizado as melhores técnicas disponíveis.” 

Existe celeuma na doutrina em saber se as obrigações de resultado conduzem, necessariamente, à responsabilidade objetiva. Entendo que não. O fato da obrigação ser de meio ou de resultado repercute no atingimento ou não do fim almejado, mas não tem necessária correlação com a responsabilidade ser subjetiva ou objetiva. Se regida pelo Código de Defesa do Consumidor, entendo que a responsabilidade do profissional liberal será subjetiva (CDC, art. 14, § 4º), independentemente se a obrigação assumiu uma obrigação de meio ou de resultado. Todavia, no mais das vezes, diante da hipossuficiência técnica, deve-se inverter o ônus da prova em favor do consumidor (art. 6º, VIII, CDC). 

Compreendo, tal como sustentado no REsp 985.888/SP, DJe 13/03/2012, que “conquanto a obrigação seja de resultado, a responsabilidade do médico permanece subjetiva, com inversão do ônus da prova, cabendo-lhe comprovar que os danos suportados pelo paciente advieram de fatores externos e alheios a sua atuação profissional.”


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