| 9 julho, 2020 - 15:10

Fornecimento de medicamentos: relações entre os temas 500 (STF) e 990 (STJ)

 

Por Rodrigo Leite | Telegram:https://t.me/pilulasjuridicasSTFSTJ A ANVISA – Agência Nacional de Saúde é uma autarquia em regime especial criada pela Lei n. 9.782, de 26 de janeiro de 1999, e que “tem por finalidade institucional promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e consumo de produtos e serviços

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Por Rodrigo Leite | Telegram:https://t.me/pilulasjuridicasSTFSTJ

A ANVISA – Agência Nacional de Saúde é uma autarquia em regime especial criada pela Lei n. 9.782, de 26 de janeiro de 1999, e que “tem por finalidade institucional promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e consumo de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle de portos, aeroportos, fronteiras e recintos alfandegados.” (www.anvisa.gov.br)

Cabe a ANVISA autorizar o funcionamento de empresas de fabricação, distribuição e de comercialização de medicamentos (art. 7º, VII, da Lei n. 9782/1999). Logo, é de incumbência da Agência fiscalizar a fabricação, distribuição e comercialização de medicamentos no Brasil. Cabe à ANVISA fiscalizar a comercialização de remédios no país.

Ao analisar o REsp 1.712.163/SP, julgado em 08/11/2018 (Tema 990), o STJ considerou que  é legítima a recusa da operadora de plano de saúde em custear medicamento importado, não nacionalizado, sem o devido registro pela ANVISA. Entendeu-se que a determinação judicial de fornecimento de fármacos deve evitar os medicamentos ainda não registrados na Anvisa, ou em fase experimental, ressalvadas as exceções expressamente previstas em lei. Trata-se de uma medida ou questão de segurança: se o medicamento não passou pelos protocolos da ANVISA pode haver risco na sua indicação e na sua utilização.

Porém, segundo o STJ, após o registro pela ANVISA, a operadora de plano de saúde não pode recusar o custeio do tratamento com o fármaco indicado pelo médico responsável pelo beneficiário.

Não podemos, contudo, confundir o que fora decidido pelo STJ no Tema 990 com o Tema 500 analisado pelo STF (RE 855178 ED/MG, Plenário, julgado em 23/05/2019). Naquele, a discussão travada cingiu-se a saber se OS PLANOS DE SAÚDE deveriam ou não fornecer medicamentos não registrados pela ANVISANo Tema 500, por sua vez, o STF analisou o fornecimento de medicamentos PELO PODER PÚBLICO.

Neste, o STF estabeleceu as seguintes teses: 

1. O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais.

2. A ausência de registro na ANVISA impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial.

3. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da ANVISA em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei nº 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos: (i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras); (ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e (iii) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil.

4. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União.

As diretrizes estabelecidas pelo STF poderiam atingir o que fora decidido pelo STJ (sobretudo os itens 2 e 3 acima). A razão de ser dessas teses poderia, ser aplicada aos planos de saúde. Todavia, até recentemente, o Superior tem aplicado o Tema 990 tal qual originalmente delineado, sem acréscimos; e o julgamento realizado pelo STF, como disse, baseou-se na busca por obtenção de medicamentos perante o Estado (lato sensu) e não em relação aos planos de saúde, como no Tema 990, o que seria capaz de distinguir as duas situações.

De fato, recentemente, ao julgar o AgInt no REsp 1830041/SP, Quarta Turma, julgado em 18/05/2020, DJe 21/05/2020, decidiu-se, tal qual o Tema 990 e o REsp 1.712.163/SP, ou seja, que “as operadoras de plano de saúde não estão obrigadas a fornecer medicamento não registrado pela ANVISA”. Mas, “após o registro pela ANVISA, a operadora de plano de saúde não pode recusar o custeio do tratamento com o fármaco indicado pelo médico responsável pelo beneficiário.” Na mesma linha: AgInt no TP 2.590/PE, julgado em 11/05/2020; AgInt nos EDcl no AgInt no AREsp 1289276/SP, julgado em 23/03/2020 e AgInt no AREsp 1429511/SP, julgado em 16/03/2020.

Até o momento, portanto, as teses estabelecidas no Tema 500 do STF não refletiram no STJ em julgados sob o enfoque do Tema 990. As duas posições (ainda) convivem, pois no primeiro julgamento a relação debatida envolvia o Estado e, na segunda, a relação jurídica discutida atingiu os planos de saúde. No futuro, todavia, acredito que os tribunais serão convocados a estabelecer conexões ou distinções entre os temas julgados.

Abraço a todos!

Rodrigo Leite

Coautor do livro “Análise das Divergências Jurisprudenciais no STF e STJ”, Editora Juspodivm. Autor do livro “Tombamento – Vol. 36 – Coleção Leis Especiais para Concursos”, Editora Juspodivm. Autor do livro “Desapropriação – Vol. 39 – Coleção Especiais para Concursos”, Editora Juspodivm. Coautor do livro “Saberes Jurisprudenciais”, Editora Saraiva. Especialista em Direito Público e Direito Processual Civil. Mestre em Direito Constitucional. Aluno laureado das Turmas 2005.2 da Universidade Potiguar. Autor de artigos jurídicos. Máster Universitário em Direito Constitucional pela Universidad Del País Vasco, San Sebastián, Espanha. Professor da Pós-graduação em Direito Civil da Rede Anhaguera-Kroton. Advogado licenciado. Assessor de Desembargador do TJRN. Conteudistas dos sites www.justicapotiguar.com.br (RN), www.novodireitocivil.com.br (BA) e www.meusitejuridico.com.br (SP).


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