| 12 junho, 2020 - 17:58

Revista Piauí não deve indenizar Olavo de Carvalho por capa com beijo em Bolsonaro

 

Responsável por indicações do primeiro e segundo escalões do governo federal, Olavo de Carvalho, que é considerado o guru ideológico do presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido), teve negado um pedido de danos morais contra a Revista Piauí por uma charge publicada na capa. Na edição 152 da revista, de maio de 2019, Carvalho

Responsável por indicações do primeiro e segundo escalões do governo federal, Olavo de Carvalho, que é considerado o guru ideológico do presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido), teve negado um pedido de danos morais contra a Revista Piauí por uma charge publicada na capa. Na edição 152 da revista, de maio de 2019, Carvalho é retratado beijando a boca do presidente da República. Ele pedia, além de uma indenização de R$ 45 mil, a retirada do conteúdo do site e qualquer meio de divulgação do periódico.

A decisão é da juíza Mônica Di Stasi Gantus Encinas, da 3ª Vara Cível de São Paulo. O guru de Bolsonaro pediu segredo de Justiça na tramitação do processo “principalmente por conta da sua relação de amizade e confiança” com o presidente. A magistrada, contudo, afirmou que a regra é a publicidade dos atos e que não há, no caso, exceção que justifique o sigilo. Leia a íntegra.

“A proximidade com figuras públicas proeminentes pode ser benéfica, como também trazer dissabores, sendo esse um dos fardos a serem carregados por personalidades de expressão em nosso meio social. Como o próprio autor se considera pessoa pública e destaca a sua proximidade com o presidente da República, é também natural a retratação de ambos em charges, bem como por tantas outras formas de manifestação do humor peculiar no Brasil”, apontou a magistrada.

A capa revisitou o desenho feito para ilustrar a edição 112, de janeiro de 2016. À época, o beijo envolvia o então vice-presidente Michel Temer (MDB) e o então deputado federal e presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB), figuras centrais do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

Reprodução da capa da revista Piauí

Mas a charge é, na verdade, uma alegoria ao histórico beijo entre Leonid Brejnev e Erich Honecker, secretário do Partido Comunista da antiga Alemanha Oriental, em 1979. O que a própria revista explicou na ação, acrescentando que se trata de cena retratada no mundo todo entre personagens políticas, como uma alusão à proximidade, ou a oposição, entre os indivíduos. 

Olavo de Carvalho afirmou que a imagem de um beijo homoafetivo representa uma agressão à honra e imagem dele, e “não tem cunho opinativo direcionado a sua vida e atuação públicas e sim foi focada no seu âmbito pessoal, com a inequívoca intenção de ofender-lhe”, sem crítica política. Como consequência da charge, teria sido também alvo de ataques virtuais, que lhe mancharam a reputação segundo apontou.

Mônica Di Stasi Gantus Encinas incluiu, na decisão, as definições de charge e caricatura, os termos usados pelo autoproclamado filósofo. Pelos conceitos encontrados, charge é uma crítica político-social onde o artista expressa graficamente sua visão sobre determinadas situações cotidianas através do humor e da sátira. Já caricatura é um desenho de uma figura de destaque, tais como políticos e artistas. Porém, a caricatura enfatiza e exagera as características da pessoa de forma humorística, assim como acentua gestos.

“Partindo da filosofia de conduta da ré e o que já foi descrito como charge e caricatura, podemos afirmar que aquilo que importa nesse tipo de publicação é o subtexto e não a sua literalidade. No caso em comento, ocorreu o alinhamento dos personagens, pela figuração do beijo cênico, expressão escolhida pelo artista para realizar a sua crítica política em uma visão satírica e provocativa”, afirmou.

Dessa forma, não é possível concordar com a perspectiva do autor da ação, entende a juíza. Para ela, a reclamação parte de incômodo com o fato de ele estar em um beijo com outro homem na capa da revista. “Não é possível estabelecer a conotação do beijo contido na charge como tendo a valoração dada por ele em sua exordial, a não ser sob uma perspectiva de heteronormatividade, que não pode ser admitida na análise particular desta charge, que é o objeto precípuo do reclamo autoral.”

Assim, a juíza concluiu que a revista não extrapolou o direito constitucional de manifestação livre de pensamento nem, tampouco, atingiu a honra subjetiva de Carvalho. “A descrição da peça inicial informa que ele ‘em virtude do seu conhecimento, é notória a influência do Autor, sendo considerado um pensador contemporâneo’. Sendo assim, é razoável presumir que possa suportar as críticas e opiniões em contrário, que caracterizam o debate sadio e a contraposição de ideias, o que bem caracteriza o Estado de Democrático de Direito”, disse.

Diante da derrota, a magistrada determinou que Olavo de Carvalho deve arcar com as custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios, que foram arbitrados em 15% do valor atualizado da causa. O valor da causa correspondia a R$ 45 mil na data do ajuizamento da ação. Cabe recurso da decisão.

O caso tramita com o número 1098362-50.2019.8.26.0100.

JOTA


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