Por Rodrigo Leite
O Supremo Tribunal Federal julgou, no último dia 08 de maio de 2020, três ações diretas de inconstitucionalidade que tangenciavam um tema comum: a utilização dos depósitos judiciais pelo Poder Executivo.
Foram questionadas leis dos Estados de Minas Gerais e do Mato Grosso do Sul.
Como sabemos, a Constituição Federal a partir do art. 22 (Título III – Capítulo II), traça um feixe de competências delineando qual ou quais matérias cada ente federativo pode atuar materialmente (art. 23) ou legislar (arts. 22, 24 e 30, I e II). No art. 22 estão as matérias de competência privativa legislativa da União. No dispositivo seguinte, delineia-se a competência material comum de todos os entes. No art. 24, por sua vez, listam-se quais temas são de competência legislativa concorrente entre União, Estados e Distrito Federal. No art. 30 abre-se espaço para matérias afetas aos municípios: a competência para legislar sobre temas de interesse local (inciso I) e para suplementar a legislação federal e estadual no que couber (inciso II).
A Lei do Estado de Minas Gerais permitia que os depósitos judiciais fossem utilizados no custeio de despesas públicas como Previdência Social, pagamento de precatórios e assistência judiciária e a amortização da dívida com a União.
As leis do Estado do Mato Grosso do Sul destinavam até 70% dos depósitos judiciais e administrativos em dinheiro, tributários e não tributários ao pagamento da dívida pública fundada em precatórios e a despesas ordinárias do Estado.
Leis estaduais com esse conteúdo são inconstitucionais, pois os depósitos judiciais são recursos das partes, advogados, peritos etc. Não é dado ao Poder Executivo succionar esses valores para cobrir suas dívidas com precatórios, amortizar dívidas ou para usá-los no pagamento das suas despesas, pois, assim agindo, está interferindo no patrimônio alheio, sem permissivo legal ou constitucional.
Em 14.02.2017, o Min. Gilmar Mendes já havia suspendido lei fluminense que autorizava o repasse de 25% do dinheiro existente nas contas do Banco do Brasil, em depósitos judiciais, para pagamento de precatórios do Poder Executivo – ver ADI 5.072/RJ.
Ao analisar a ADI 5459/MS, a ADI 6263/MS e a ADI 5353/MG, em 08.05.2020, o Supremo entendeu que leis estaduais que autorizem e regulem a transferência de recursos financeiros depositados em juízo para o Poder Executivo incidem em inconstitucionalidade formal, por usurpação da competência da União para legislar sobre direito processual (art. 22, I, da CF) e para editar normas gerais sobre direito financeiro (art. 24, I, CF), em detrimento do direito de propriedade dos jurisdicionados. Viola-se também, penso eu, o direito de propriedade dos titulares do crédito (art. 5º, XXII, CF/88).
Além do mais, enxergo que ao realizar essa movimentação, o Poder Executivo está se imiscuindo em recursos que estão a cargo (em depósito) do Poder Judiciário, o que ofenderia o art. 2º da CF/88.
Importante destacar, como fez o Min. Alexandre de Moraes (página 5 do seu voto), que “a transferência desses recursos para a Fazenda Pública ameaça a garantia de proveito futuro do objeto litigioso em favor da parte vitoriosa na ação judicial, o que diz respeito às garantias processuais de todos os jurisdicionados, tema afeito ao direito processual, de competência privativa da União.”
Nas três ações, todavia, o Supremo aplicou o art. 27 da Lei n. 9868/99 e realizou a modulação dos efeitos para admitir as movimentações já realizadas (obteve-se quórum de 2/3 para modular: 10 dos 11 ministros admitiram a modulação). A modulação foi realizada “diante de circunstâncias excepcionais que decorrem das transferências efetivadas antes do implemento de medida cautelar nos autos e da realidade atual de emergência pública da pandemia da Covid-19.”
Abraço a todos.
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Rodrigo Leite – Natal/RN
Autor e co-autor de 4 livros jurídicos (Saraiva e Juspodivm)
Mestre em Direito Constitucional
Assessor de Desembargador do TJRN
Professor da Pós On-line de Civil da Rede Kroton
Conteudista dos sites justicapotiguar.com.br (RN), novodireitocivil.com.br (BA), meusitejuridico.com.br (SP) e supremotv.com.br (MG)