| 26 abril, 2020 - 15:07

TRF-4 arquiva procedimentos de advogado que tentou constranger juíza gaúcha

 

Paulsen lembrou que o advogado já havia manejado representação para abertura de inquérito policial contra a juíza, “fundada em fatos manifestamente atípicos”

A expressão “o juiz não olha a capa dos autos” é lugar-comum no meio jurídico, sinalizando que o julgamento se dá de forma isonômica, sem preferências em relação ao autor da ação. Assim, quem dá significado diverso à expressão, atribuindo-lhe caráter antijurídico, afronta a razoabilidade.

Com este fundamento, o desembargador Leandro Paulsen, da 4ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, mandou arquivar um procedimento aberto pelo advogado Marcos Barcelos Neves contra a juíza federal Andréia Castro Dias, ambos operadores do Direito na Subseção Judiciária de Pelotas (RS).

Desembargador Leandro Paulsen, do TRF-4

Paulsen lembrou que o advogado já havia manejado representação para abertura de inquérito policial contra a juíza, “fundada em fatos manifestamente atípicos”.

Na oportunidade, informou o desembargador, ele encartou aos autos diversos elementos exclusivamente relacionados à vida pessoal da julgadora, tais como: fotografias de seu pedido de noivado, multas de trânsito, desempenho em provas atléticas de corrida etc.

Todas as peças tinham como objetivo constranger a julgadora, pois não guardavam qualquer vinculação com os fatos narrados na representação criminal.

Para Paulsen, a nova “notícia de irregularidade” é absolutamente infundada e, por isso, irrazoável, com o único efeito de constranger e intimidar a magistrada. Afinal, Marcos não só deturpou o conteúdo da expressão lugar-comum, transcrita por colega de profissão na peça de defesa da juíza no primeiro procedimento, como tentou reconstruir seu significado para dar sustentação a sua tese, “completamente incongruente e sem amparo legal”.

“Note-se que o signatário da peça, a par de extrapolar os limites éticos e jurídicos de sua profissão, vem assoberbar o Poder Judiciário com questão claramente atípica. Já o fez antes; renova agora, com ainda maior temeridade”, escreveu na decisão monocrática.

Além de decidir pelo arquivamento da “notícia de irregularidade”, o desembargador Paulsen determinou o envio de ofício à OAB gaúcha, para avaliação da conduta do advogado. A decisão é do dia 17 de fevereiro.

Ação previdenciária
O litígio entre o advogado e a juíza ocorreu no curso de uma ação previdenciária que tramitou na 3ª Vara Federal de Pelotas (RS) e que teve duração de 71 dias.

Após as fases de citação e perícia, o autor da ação e o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) chegaram a um acordo para encerrar a lide, que resultou na implantação definitiva do benefício requerido e no pagamento integral dos valores atrasados. A juíza, então, homologou o acordo, proferindo a sentença de mérito.

A solução, entretanto, não agradou o advogado. Ele queria a rescisão do acordo entre o seu cliente e o INSS, para que o benefício fosse concedido em sede de tutela de urgência. Esta providência, a seu ver, implicaria implementação mais célere da prestação jurisdicional.

Bate-boca na Vara
Após opor embargos de declaração à sentença homologatória, o advogado procurou a juíza. Ao encontrá-la no saguão da Vara, disse-lhe que não concordava com os termos da proposta de composição formulada pelo INSS, reiterando necessidade de análise do pedido de antecipação de tutela.

Em resposta, a juíza esclareceu que o pedido “vinha em prejuízo” do seu cliente. Ou seja, deferir o pedido significava precarizar um direito já alcançado pelo segurado, cuja implementação se dá no mesmo prazo da tutela de urgência — dez dias.

O advogado não entendeu desta forma, traçando um quadro diferente da conversa mantida com a juíza, do que se depreende dos autos. Segundo ele, a juíza, num ‘‘tom de fúria e “valendo-se de linguagem desrespeitosa”, teria dito que iria prejudicar o autor da ação, seu cliente.

Nesse momento, ele informou, então, que renunciaria à representação processual. Ato contínuo, a magistrada teria respondido: “vou te prejudicar”, sem, porém, especificar que maneira o faria.

Representação criminal
Sentindo-se atingido na sua “integridade física e moral”, o advogado manejou uma representação criminal contra a juíza, pedindo a abertura de inquérito policial pelo crime de ameaça.

O delito é tipificado no artigo 147 do Código Penal: “Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave. Pena — detenção, de um a seis meses, ou multa”.

Durante a tramitação do processo na 4ª Seção do TRF-4 — colegiado que reúne os integrantes da 7ª e 8ª Turmas —, a Procuradoria Regional da República da 4ª Região se manifestou pelo arquivamento do procedimento, por atipicidade da conduta.

Para a PRR-4, a palavra “prejuízo” foi empregada no aspecto processual, pois, se a homologação do acordo fosse revogada, o processo voltaria às fases anteriores, sem garantias sobre o restabelecimento do benefício sobre o qual a autarquia já havia concordado nos autos. E isso, obviamente, prejudicaria o autor da ação.

Não satisfeito, o advogado passou a protocolar inúmeras petições, inclusive durante o recesso do Poder Judiciário, pleiteando a concessão de medida liminar para afastar a juíza Andréia Castro Dias de todo e qualquer processo em que o signatário atua como patrono. Todos os pleitos foram desacolhidos pelo desembargador plantonista.

Fato atípico
Em julgamento monocrático, o juiz federal convocado Marcelo Cardozo da Silva, por também entender que o fato narrado é “manifestamente atípico”, determinou o imediato arquivamento da representação criminal. Nos fundamentos expostos no despacho decisório, datado de 17 de janeiro de 2020, pontuou que as frases proferidas durante a conversa — “vou prejudicar o seu cliente” e “vou te prejudicar” — não têm o poder de causar “mal injusto e grave” a alguém.

“A conclusão é uma só, caso a magistrada Andréia Castro Dias tivesse atendido de pronto o pedido de Marcos Barcelos Neves, teria verdadeiramente prejudicado o segurado e o próprio advogado. A julgadora atuou em benefício de ambos e, ainda assim, foi acusada da prática do crime de ameaça”, observou o juiz.

Por fim, ele lamentou a conduta processual do advogado, que resolveu inundar os autos com uma série de documentos atinentes à vida da magistrada, todos incapazes de contribuir ao desenlace da controvérsia. “Qual o propósito de promover a juntada de fotografias relacionadas ao pedido de noivado recebida pela julgadora, cópia de certidão de divórcio, processos envolvendo multas de trânsito? A leitura dos autos acaba demonstrando que a obsessiva conduta de Marcos Barcelos Neves tangenciou de forma muito mais perigosa a esfera criminal do que aquela atribuída à representada”, definiu Cardozo da Silva.

Novo incidente
Em 3 de fevereiro, o advogado voltou à carga, ajuizando “notícia de irregularidade” e pedido de providências contra a juíza. Em resumo, Marcos transcreveu trecho da petição apresentada pela defesa de Andréia no primeiro procedimento, em que ela diz que o juiz tem por hábito “decidir sem olhar o nome na capa do processo”.

Para o advogado, tal citação causa “flagrante prejuízo de direitos” dos jurisdicionados, pois, “em processos que deveria dar-se por suspeita ou impedida, a Requerida [Andréia] supostamente segue atuando sem olhar o nome na capa do processo e muito menos o nome do advogado signatário”.

Na petição, o advogado rechaçou a existência de conexão com a representação criminal anteriormente formulada. Pontuou que se trata de incidente destinado a trazer ao conhecimento “uma situação grave cometida pela Requerida, qual seja, não olhar o nome das partes e de seus procuradores, afrontando assim os termos legais”. Pelos fatos narrados, pediu providências.

Conjur


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