| 15 abril, 2020 - 15:00

O “gato” de energia elétrica configura furto ou estelionato?

 

Existe uma proximidade entre os dois delitos quando estamos diante do furto mediante fraude (figura qualificada prevista no art. 155, § 4º, II) e o estelionato (art. 171 do CP), que tem na fraude, sua elementar.

Por Rodrigo Leite

A energia é tida como bem móvel, segundo o Código Civil (art. 83, I), assim, pode ser objeto do delito de furto, pois o § 3º do art. 155 do CP, estipula que “equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico” e também pode ser objeto de delito de estelionato (art. 171 do CP).

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Existe uma proximidade entre os dois delitos quando estamos diante do furto mediante fraude (figura qualificada prevista no art. 155, § 4º, II) e o estelionato (art. 171 do CP), que tem na fraude, sua elementar.

Para diferenciar os delitos, todavia, os tribunais e a doutrina imprimiram as seguintes distinções: no furto qualificado mediante fraude, o agente subtrai a coisa com discordância expressa ou presumida da vítima, sendo a fraude utilizada como meio para retirar a coisa da esfera de vigilância da vítima. Subtrai-se a coisa sem a participação ativa alguma da vítima. No estelionato, por sua vez, o autor obtém o bem através de transferência empreendida pelo próprio ofendido por ter sido induzido em erro. A própria vítima entrega a coisa – ver nessa linha: AgRg no REsp 1279802/SP, DJe 15/05/2012; AREsp 1418119/DF, DJe 13/05/2019.

Esse é o ponto central e diferenciador dos crimes: no furto mediante fraude a coisa é retirada da vítima sem a sua anuência. No estelionato, ao seu turno, a própria vítima induzida pela fraude entrega o bem. É a atuação de vítima que distingue os delitos.

A fraude do furto tem por finalidade reduzir a vigilância da vítima para que ela NÃO COMPREENDA QUE ESTÁ SENDO DESAPOSSADA. No estelionato, a fraude visa fazer a vítima incidir em erro para que ELA, VÍTIMA, ENTREGUE o bem de forma espontânea ao agente – vide AgRg no CC 74.225/SP, DJe 04/08/2008.

No caso de fraude envolvendo de energia elétrica, temos o seguinte cenário: se ocorre o desvio de energia (com ligação direta para a residência sem passar pelo medidor; ligação poste-casa) o crime é de furto mediante fraude (é o denominado “gato”). Todavia, se o agente faz com que a energia chegue, mas com quantitativo menor, viciando o aparelho medidor, estamos diante de estelionato.

Em termos mais comuns: na primeira situação a fraude é utilizada para retirar/subtrair a energia da concessionária (leigamente se diria que o medidor ficaria sem funcionar). Na segunda hipótese, a concessionária ludibriada entrega a energia, mas em menor quantidade (aqui, o medidor gira, todavia, em menor rotação que a correta).

Essa linha de raciocínio, envolvendo desvio de água, foi trazida pelo STJ no AgRg no AREsp 1373228/SP, DJe 05/04/2019, quando se disse que “configura o crime de furto qualificado pela fraude (art. 155, § 4º, II, do Código Penal) a conduta consistente no furto de água praticado mediante ligação clandestina que permitia que a água fornecida pela CAESB fluísse livremente, sem passar pelo medidor de consumo.”

No GATO ocorre o desvio da energia elétrica antes, sem que ela passe do registro/medidor, com subtração da energia (ligação direta do poste para a residência), a incidir, portanto, a figura DO FURTO MEDIANTE FRAUDE. No furto mediante fraude há subtração e inversão da posse do bem.

No delito de estelionato, por sua vez, ocorre a adulteração no medidor de energia elétrica, de modo a registrar menos consumo do que o real, fraudando a empresa fornecedora (HC 67.829/SP, DJ 10/09/2007). O agente usa de artifício (finge uma situação de normalidade) para provocar um resultado de consumo a menor, para que o medidor não marque corretamente.

Essa distinção também foi realizada no AREsp 1418119/DF, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 07/05/2019, quando o STJ considerou que, no caso concreto, houve alteração (adulteração) no medidor de energia elétrica com redução do consumo de energia, induzindo a erro a companhia elétrica, o que configurou estelionato.

No caso, houve redução da quantidade de energia registrada no relógio e, por consequência, a de consumo, gerando a obtenção de vantagem ilícita. O caso dos autos não se tratou da figura do “gato” de energia elétrica, em que há subtração e inversão da posse do bem. Tratou-se de prestação de serviço lícito, regular, com contraprestação pecuniária, em que a medição da energia elétrica é alterada, como forma de burla ao sistema de controle de consumo, – fraude -, por induzimento ao erro da companhia de eletricidade, que mais se adequa à figura descrita no art. 171, do Código Penal – CP.

Abraço a todos.

Rodrigo Leite – Natal/RN

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