| 9 abril, 2020 - 21:11

A quem compete decidir sobre o horário do funcionamento do comércio: Estado ou Municípios?

 

A Constituição da República de 1988 adotou, portanto, a técnica de repartição horizontal de competências

Por Rodrigo Leite
 
Surgiu um imbróglio nas últimas horas envolvendo uma colisão entre um decreto emanado do Governo do Estado do Rio Grande do Norte (Decreto 29.900) que determinou a redução de horário de funcionamento de supermercados para o período compreendido entre 7 ‪às 19h‬ e vedou o funcionamento desses estabelecimentos aos domingos e feriados; e de decretos municipais liberando o funcionamento de supermercados (tal como funcionam nos demais dias).
 
A Constituição Federal no seu Título III estabelece a organização do Estado Brasileiro e traz a repartição de competências legislativas e materiais. No artigo 22, descrevem-se matérias de competência legislativa privativa da União: assuntos sobre os quais somente esse ente pode legislar.
 
No artigo 24 da Constituição, estabeleceu-se a competência legislativa concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal. No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais e a competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados, prevê os §§ 1º e 2º do art. 24 da CF/88.
 
No artigo 30 da Constituição, é previsto que compete aos Municípios: legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e a estadual no que couber.

Reprodução

A Constituição da República de 1988 adotou, portanto, a técnica de repartição horizontal de competências.

Percebe-se que a Constituição estabeleceu uma repartição de temas. Determinados assuntos somente a União poderá legislar. Outros assuntos a União, os Estados e o Distrito Federal poder produzir leis. E temas de interesse local competente aos municípios editarem suas regras.
 
Quando se está diante de temas de magnitude nacional como trânsito, por exemplo, cabe à União legislar, pois geraria desgaste e confusão federativa cada ente legislar sobre esse tema. Entenderam a essência do assunto?
 
Vigora o princípio da preponderância dos interesses. Nesses termos, deve haver razoabilidade na análise da situação concreta porque o interesse que é local será também regional e também nacional, mas, no caso específico do art. 30, I, será predominantemente (primariamente) local. Em linhas gerais, essas atividades de interesse predominantemente local dizem respeito ao transporte coletivo municipal, coleta de lixo, ordenação do solo urbano, fiscalização das condições de higiene de bares e restaurantes, além de outras competências que guardem relação com as competências administrativas que são afetas aos Municípios – vide FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 1060.
 
Assim, matérias de interesse ou magnitude predominantemente nacional, a União regula. Temas com abrangência ou interesse regional, o Estado legislará e, por fim, assuntos de interesse mais restrito, primário ou local, caberá aos municípios legislarem.
 
Quando o assunto é o horário do funcionamento do comércio, o tema apesar de reflexamente ter um caráter regional, predomina o interesse local, a atrair a competência do município legislar.
 
Salvo o horário de agências bancárias, por envolverem interesse nacional (ver nesse sentido a Súmula 19 do STJ), cabe ao município definir e delimitar o horário dos estabelecimentos do comércio local.
 
Logo, penso que o Decreto editado pelo Estado do Rio Grande do Norte transbordou sua competência constitucionalmente delineada e invadiu tema que cabe aos municípios disciplinarem.
 
A Súmula Vinculante 38 (resultante do verbete 645) confirma isso ao prever que competente o município fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial.
 
Desse modo, mesmo que possua reflexos no interesse regional ou geral não compete aos Estados a disciplina do horário das atividades de estabelecimento comercial, pois se trata, com mais realce ou relevância de tema de interesse primariamente local – ver, esse pensamento na essência do voto do Min. Gilmar Mendes na ADI 3691, julgada em 29/08/2007. Inegavelmente, o horário de supermercados, farmácias, postos de gasolina, por exemplo, possui mais relevância ao interesse de cada município, diante de suas peculiaridades imediatas.
 
O Supremo Tribunal Federal já decidiu positivamente acerca da competência do Município, e não do Estado, para legislar a respeito de horário de funcionamento de estabelecimento comercial, por ser matéria de interesse local, nos termos do art. 30, I, CF/1988 – vide RE 852.233, sobretudo o voto do Ministro Luís Roberto Barroso, julgado em 26/08/2016.
 
Para o STF a fixação do horário pelo município não importa em ofensa aos postulados constitucionais da isonomia, da livre iniciativa, da livre concorrência, do direito à saúde ou da defesa do consumidor. Cabe, pois, o município promover a conciliação desses preceitos constitucionais.
 
Em resumo, nesse choque entre decretos, entendo que prepondera o interesse local, a prevalecer, portanto, os decretos municipais quanto ao regramento do horário de funcionamento dos estabelecimentos comerciais (com exceção dos bancos, cujo horário deve ser estabelecido pela União).
 
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Rodrigo Leite


Coautor do livro “Análise das Divergências Jurisprudenciais no STF e STJ”, Editora Juspodivm. Autor do livro “Tombamento – Vol. 36 – Coleção Leis Especiais para Concursos”, Editora Juspodivm. Autor do livro “Desapropriação – Vol. 39 – Coleção Especiais para Concursos”, Editora Juspodivm. Coautor do livro “Saberes Jurisprudenciais”, Editora Saraiva. Especialista em Direito Público e Direito Processual Civil. Mestre em Direito Constitucional. Aluno laureado das Turmas 2005.2 da Universidade Potiguar. Autor de artigos jurídicos. Máster Universitário em Direito Constitucional pela Universidad Del País Vasco, San Sebastián, Espanha. Advogado licenciado. Assessor de Desembargador do TJRN. Convidado do site “Atualidades do Direito”. Convidado do site “Jurisprudência e Concursos”. Convidado do site Novo Direito Civil. Professor da Pós-graduação em Direito Civil da Rede Anhaguera-Kroton.


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2 Comentários
  1. F. Neuton Lima

    10/04/2020 às 09:20

    Mareia muito elucidativa, torou minhas dúvidas. Não entendo o porque da proibição nos domingos e feriados, será que nesses dias o covid 19 se torna mais agressivo?

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  2. F. Neuton Lima

    10/04/2020 às 09:21

    Matéria

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