| 1 abril, 2020 - 09:11

Aulas suspensas, filhos em casa. Tenho que pagar a escola?

 

Em uma época onde se prega a solidariedade e a empatia, deve haver um esforço conjunto entre escolas e alunos/pais

Reprodução


Em tempos de pandemia da COVID-19, de isolamento social, escolas fechadas e crianças em casa, uma pergunta tem dominado o grupo de mães no WhatsApp: Eu sou obrigada a pagar a mensalidade escolar? A escola não teria que dar um desconto, uma vez que está fechada? Se não está tendo aula, por que eu tenho que pagar?

A situação é extremamente delicada, uma vez que muitos pais são autônomos, profissionais liberais, e viram sua renda mensal se esvaziar completamente, e não terão como honrar seus compromissos. Por outro lado, no Rio de Janeiro, as escolas foram obrigadas, através de decreto estadual, a suspenderem as aulas e mandarem os alunos para casa. Contudo, continuam tendo que pagar os professores, que correspondem, sem a menor sombra de dúvida, a maior parte dos custos de uma instituição de ensino. Como resolver este impasse?

A questão ganhou uma notoriedade ainda maior, quando, de um lado, o deputado estadual André Ceciliano (PT-RJ) apresentou um Projeto de Lei obrigando as escolas a darem, pelo menos, 30% de descontos na mensalidade, a partir do 31º dia de suspensão de aulas1, e, do outro lado, em 26 de março de 2020, a Secretaria Nacional do Consumidor, divulgou a nota técnica 14/2020/CGEMM/DPDC/SENACON/MJ, informando que as escolas não são obrigadas a reduzir os valores dos pagamentos mensais ou a aceitarem a postergação desses pagamentos2.

Além disso, algumas escolas, por conta própria, comunicaram aos pais que haveria uma redução de 15% a 50% no valor das mensalidades devido a suspensão das aulas. Outras disseram que não haveria mudanças.

De forma a tentar equacionar a questão, temos que ter em mente as regras que regem a presente relação contratual, o momento atual inédito que estamos vivendo e, principalmente, tentar encontrar uma solução onde nenhuma das partes seja prejudicada, principalmente o aluno. Vejamos.

Os princípios fundamentais que regem todo e qualquer contrato são encontrados na nossa Constituição Federal. São eles: A dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), o valor social da livre iniciativa (art. 1º, IV), solidariedade social (art. 3º, I) e a igualdade substancial (art. 3º, III).

É pacífico na jurisprudência e na doutrina que a relação entre a instituição de ensino e o contratante (responsável financeiro) é regida pelo Código de Defesa do Consumidor, o que garante ao consumidor uma posição de vulnerabilidade3 diante da relação contratual, tendo em vista o seu desconhecimento jurídico, técnico e econômico. Assim, aos contratos de consumo, além dos princípios constitucionais supracitados e da vulnerabilidade do consumidor, outros dois princípios, que também se encontram no CDC, devem reger as relações contratuais consumeristas, quais sejam: o princípio da boa-fé objetiva (art. 4º, III e art. 51, IV) e o princípio do equilíbrio das prestações (art. 4º, III, 51, IV, e 51, § 1o, III).

Assim, os contratos consumeristas não são analisados apenas quantitativamente, mas também qualitativamente. É verificada a qualidade da vontade exarada, de forma que o consumidor esteja habilitado a exercer escolhas conscientes, e não apenas a vontade em si. Somente a vontade racional, livre, informada, legítima, é que se é levada em conta no contrato consumerista. Com base nestes princípios é que devemos analisar a questão trazida à baila.

A doutrina vem debatendo se a questão da pandemia da COVID-19, poderia ser utilizada como força maior ou caso fortuito nas relações de consumo. Não parece que este seja o melhor entendimento para as relações consumeristas.

Comungamos do entendimento que só se aplica o artigo 144 do Código de Defesa do Consumidor para a exclusão da Responsabilidade Civil, em decorrência da quebra do nexo causal, e não para resolução ou revisão do contrato5. Logo, e lembrando que se trata de um contrato de adesão, fora os casos onde se venha a discutir uma eventual responsabilidade civil, não se deve aplicar o referido artigo para que se haja a discussão das cláusulas do presente contrato educacional, ao contrário do que alguns têm defendido. Muito menos para sua resolução ou como justificativa para o seu inadimplemento.

Não custa lembrar que em relação aos contratos educacionais, trata-se de uma anuidade, cujo valor pode ser a vista ou parcelados em até 12 parcelas mensais e iguais – o que, costumeiramente chamamos de mensalidade – a depender da vontade de cada responsável financeiro. Assim a instituição de ensino pode conceder descontos maiores àqueles que fizerem o pagamento à vista, e menores àqueles que fizerem o pagamento parcelado, a variar com os números de parcelas a serem pagas. Fácil verificar que se trata de um contrato sucessivo, uma vez que suas prestações, as aulas, se darão mês a mês.

Nos últimos anos, uma prática foi disseminada pelas instituições de ensino: a do “desconto de pontualidade”, para o pagamento em uma determinada data, anterior ao vencimento. Explica-se: algumas instituições, dividem a anuidade em doze parcelas, mas se o aluno fizer o pagamento da parcela até uma determinada data – por exemplo, cinco dias antes do vencimento – ainda tem direito a um “desconto de pontualidade” que pode chegar até a 20% do valor da parcela.

Em duas ocasiões6 o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que não há qualquer abusividade na supracitada prática.

Roberta Leite, JOTA


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