Por André Elali
Professor do Departamento de Direito Público da UFRN e Advogado
O contexto de grave crise global diante dos efeitos do “COVID-19” é de default generalizado. Empresas de todos os portes precisarão reorganizar suas obrigações, legais e contratuais, diante do impacto do fluxo de caixa com a paralisação ou diminuição das atividades econômicas. O processo econômico, como um todo, foi fortemente prejudicado, com efeitos sobre o mercado de capitais, bem como os setores industriais e comerciais, e serviços.
O efeito sobre o setor público, em curso e médio prazos, é a diminuição de receitas tributárias. Como o fenômeno da tributação exerce seu papel sobre as atividades no mercado (geração e transferência de riqueza), estando o mercado em menor nível de funcionamento, haverá evidente queda de arrecadação. O efeito arrecadatório, essencial à atividade do Estado, obrigará a adoção de medidas urgentes de controle e realocação de recursos. Tributos, fundos e mecanismos de cooperação da Federação precisam ser reestruturados diante do caos da saúde e os efeitos sobre a economia.
Com esse status de grande impacto sobre todas as atividades econômicas, torna-se importante a intervenção do Estado em diferentes aspectos. O primeiro é por meio de medidas de controle da pandemia do “COVID-19”, para evitar mortes. O segundo é o uso de mecanismos de estímulo financeiro, que podem ser diretos, através de subsídios e empréstimos com viés indutor, ou indiretos, com o diferimento e redução do impacto fiscal sobre atividades impactadas pela nova crise. O terceiro, e não menos importante, é a intervenção por meio da regulação, através de agências regulatórias (BACEN, agências e CVM), que venham a controlar eventuais práticas abusivas dos fornecedores e instituições financeiras em meio às questões que se colocam no momento. Bancos, fundos e instituições financeiras têm um papel fundamental na recuperação da economia, principalmente para os menores agentes econômicos com menor acesso a créditos. A liberdade e a recondução regular da economia dependem do fluxo de recursos financeiros e o mercado de capitais tem papel singular nesse processo. Cabe ao Estado gerar medidas que induzam os agentes econômicos a exercerem os seus papéis na ordem econômica e realizarem, na medida do possível, novos investimentos com auxílio do Estado (fomento).
Outro aspecto também importante é a intervenção do Estado por meio do Poder Judiciário. Em meio a um verdadeiro caos econômico, marcado por falhas dos mecanismos de mercado, com assimetrias de informações, o Poder Judiciário é fundamental em diferentes âmbitos: i) no âmbito cível, será chamado a controlar e reequilibrar as relações contratuais que terão que considerar o default generalizado diante daquilo que se denomina de teoria da imprevisão (causas imprevisíveis que impactam o cumprimento das obrigações); ii) no âmbito tributário, considerar a falta de fluxo de caixa das empresas diante da suspensão de atividades econômicas para reajustar as relações tributárias que são ex lege; iii) no tocante às relações trabalhistas, equilibrar os conflitos entre os impactos sobre as empresas e a necessidade de garantias de receitas dos seus colaboradores, que têm enorme importância na recuperação econômica; iv) no âmbito do direito societário, evitar litígios diante da mudança de contexto, que certamente afetará, por ora, operações de M&A, de equity (venture capital e private equity) e de operações financeiras (debt).
Do lado das finanças públicas, torna-se fundamental um rearranjo de despesas ineficientes e o foco no controle dos problemas causados pelo vírus no sistema social, bem como no incentivo à recuperação da economia. Um controle da despesa com tais incentivos, entretanto, será fundamental para evitar um novo ciclo de hiper-endividamento do Estado, que, se por um lado precisa agir para garantir uma reestruturação da economia, por outro não poderá arriscar ainda mais sua sustentabilidade no longo prazo.