| 20 maio, 2020 - 15:00

Os impactos da COVID-19 na jurisprudência do STF e do STJ (parte 01)

 

No momento que escrevo esse texto o mundo contabiliza 323.286 mortos, 4.897.567 infectados

Por Rodrigo Leite

“O COVID-19 é real e extremamente perigoso. É hora de recolhermos em autoisolamento. O trabalho deve ser remoto e o convívio social precisa ser evitado a todo custo”, com essas frases o Min. João Otávio de Noronha instaurava medidas restritivas no âmbito do STJ.

Ilustrativa

No momento que escrevo esse texto o mundo contabiliza 323.286 mortos, 4.897.567 infectados. No Brasil são 17.983 mortos e cerca de 272.000 infectados. O país já é o 3º país em número de infectados no mundo – fonte: BBC News.

Em meados de março/2020, os tribunais começaram a adotar medidas de contenção, isolamento e fechamento diante desse cenário caótico (e do qual devemos tirar grandes lições e efetuar reflexões existenciais, digamos). Prazos foram suspensos (numa sucessão de resoluções), o trabalho remoto foi adotado como regra, sessões presenciais foram canceladas. Sessões virtuais foram implementadas.

No Direito, a (ou o? – ver link https://bit.ly/2WMe6K5) COVID-19 trouxe (e trará) repercussões em todas as áreas: cível, penal, trabalhista, consumerista, processual (cível e penal), tributária etc. E, rapidamente, essas questões chegaram aos tribunais superiores.

Logo, o CNJ editou a Recomendação 62, de 17.03.2020, com a finalidade de estimular a adoção de medidas contra a propagação do novo coronavírus no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo.

No âmbito do STJ, a maior parte das decisões envolvendo a COVID-19 é relacionada ao Direito Penal e Processual Penal (objeto da parte 03). Aqui, nessa primeira postagem, examino as decisões tomadas no âmbito do Direito Civil que tangenciam a pandemia.

No Direito Civil, seguindo as orientações da Resolução n. 62/2020, determinou-se que um devedor de pensão alimentícia deixe a prisão civil em regime fechado e passe para a prisão domiciliar, como medida de contenção da pandemia causada pelo coronavírus – HC 566.897/PR, em 19/03/2020 e HC 580261/MG, 19/05/2020. De fato, o art. 6º da Resolução recomenda a substituição da prisão em regime fechado do devedor de alimentos pelo regime domiciliar, para evitar a propagação da doença. As formas de controle dessa prisão domiciliar devem ficar a cargo dos Juízes das Varas de Origem.

No HC 568.021/CE, 23.03.2020, impetrado pela DPE/CE, determinou-se que os presos por dívidas alimentares do Ceará passassem, excepcionalmente, para o regime domiciliar diante da gravidade da pandemia causada pelo novo coronavírus (Covid-19) e do crescimento exponencial da pandemia no país. Medida semelhante foi adotada no HC 568898, 27.03.2020, em relação aos devedores de alimentos do Estado de São Paulo e no HC 569.014/RN, 27.03.2020. Antes disso, no dia 26.03.2020, o Min. Sanseverino já havia estendido o alcance da ordem de habeas corpus para todos os presos por dívidas alimentícias no país, acolhendo pedido da DPU – Pet no HC 568.021/CE.

Ao julgar a Petição 12.384/BA, 26.03.2020, impediu-se a realização de atos executórios nos autos do processo de origem que debatia execução de sentença decorrente de relação de consumo ao menos até o completo esgotamento do prazo para a interposição do recurso cabível contra a decisão que inadmitiu o recurso especial. Deferiu-se esse pedido “diante da excepcionalidade ocasionada pela Pandemia do Covid-19 e da suspensão dos prazos processuais no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.”

Ao julgar o HC 567.253/SP, 24.03.20, o STJ considerou que a discussão acerca do pedido de parcelamento de pensão alimentícia não pode ser realizada em sede de habeas corpus. O impetrante alegava que estava desempregado em virtude da pandemia e requeria um HC preventivo para não ser preso caso não pagasse a pensão. O STJ entendeu que aferir a possibilidade financeira do paciente apta a ensejar sua prisão imediata no atual momento processual imporia exame futurístico; além disso, revelou-se que não se enxergava conexão das razões postas na origem com a possibilidade de ser afetado pela pandemia do Covid-19.

No HC 570.728/SP, 06.04.2020, o STJ manteve a guarda de fato do bebê com os atuais guardiões por considerar “mais prudente e eficaz para preservar a segurança e a saúde do paciente, bem como de conter a propagação da doença”, suspendendo decisão de Primeiro Grau que havia determinado o imediato acolhimento institucional da criança.

Também no HC 572.854/SP, 13.04.2020, manteve-se uma criança na família que pretende a adoção por ser mais recomendável “diante da própria pandemia COVID-19 que acomete o mundo”. Semelhante medida foi adotada no HC 574824/MG, 24.04.2020: considerou-se que a criança estará mais protegida no aconchego de um lar do que em qualquer abrigo público para desamparados, especialmente em razão de grassar ainda a COVID-19.

Também no HC 575883/SP, 04.05.2020: entendeu-se que dadas as circunstâncias manifestamente excepcionais enfrentadas pelo país em decorrência do crescimento exponencial da pandemia de Covid-19, produzida pelo vírus SARS-Cov2, desaconselha-se a manutenção de pessoas em ambientes coletivos (no caso, abrigo), por serem potencialmente perigosos. Segundo o STJ, esses locais, são, em regra, de grande o fluxo de educadores, voluntários, visitantes, o que recomendaria o retorno do bebê à guarda do casal impetrante. De forma parecida, no HC 574.439/SP, 14/05/2020, considerou-se que “por prudência e para preservar a saúde e a segurança da criança, a manutenção da sua guarda de fato com os impetrantes é medida que se impõe, no momento.” Assim, suspendeu-se a determinação de acolhimento da paciente (uma criança) e determinou-se sua guarda provisória com o casal que estava com a guarda do bebê.

Em resumo:i) nos casos envolvendo prisão civil por dívida alimentar, o STJ segue o art. 6º da Resolução 62/20 e determina a prisão domiciliar dos devedores; ii) nos processos envolvendo adoção ou guarda, tem-se dado prioridade à manutenção da criança em casa, em detrimento do acolhimento de abrigo (ou ambientes públicos).

Abraço a todos.

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Rodrigo Leite

Autor e coautor de 4 livros jurídicos (Juspodivm e Saraiva)

Mestre em Direito Constitucional

Assessor de Desembargador do TJRN

Professor da Pós On-line de Civil da Rede Kroton-LFG

Conteudista dos sites justicapotiguar.com.br (RN), novodireitocivil.com.br (BA), meusitejuridico.com.br (SP) e supremotv.com.br (MG).


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1 Comentários
  1. Maria Cristina

    30/09/2020 às 15:12

    Muito esclarecedora!

    Responder

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