O TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) negou duas vezes liberdade a uma mulher presa ao furtar um mercado na Vila Mariana, em São Paulo, no dia 29 de setembro. Mãe de cinco filhos, ela disse que cometeu o crime por estar com fome. A Defensoria Pública, que cuida do caso, recorreu ao STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Do mercado, a mulher levou sem pagar dois pacotes de miojo, duas garrafas de refrigerante e um pacote de suco em pó, totalizando R$ 21,69. Segundo a decisão, policiais militares que a prenderam afirmaram terem sido chamados por pedestres que avisaram sobre o furto e viram a suspeita caindo durante a fuga. A mulher, então, disse que tinha furtado os produtos porque estava com fome.
Na delegacia, um funcionário da empresa de segurança do mercado afirmou que a suspeita foi filmada enquanto colocava os produtos na bolsa. Ao ser abordada por uma atendente, ela devolveu uma lata de leite condensado e se negou a entregar os demais itens.
O Ministério Público de São Paulo pediu ao TJ para que a prisão em flagrante fosse convertida em preventiva, justificando que a mulher já tinha antecedentes criminais –ela responde a outros dois processos por furto.
Em contrapartida, a Defensoria Pública de São Paulo, responsável pela defesa da acusada, pediu o relaxamento da prisão, argumentando que ela é mãe de cinco filhos. Além disso, foi citado o princípio da insignificância, orientação do STF (Supremo Tribunal Federal) que busca não punir condutas com resultados irrelevantes dos pontos de vista jurídico e patrimonial.
Como a Folha mostrou em outubro de 2020, em meio a cadeias lotadas e a pandemia de Covid-19, magistrados passaram a rever reincidência para crimes insignificantes.
No dia seguinte ao furto, a juíza Luciana Menezes Scorza acatou o pedido da Promotoria e converteu a prisão em flagrante da mulher em preventiva. “Embora seja genitora de quatro crianças [o quinto filho é adolescente], não há evidências de que ela é responsável por seus cuidados”, afirmou.
Além disso, para a juíza de 1ª instância, como a ré disse estar em situação de rua e sem emprego, “a recolocação em liberdade neste momento (de maneira precoce) geraria presumível retorno às vias delitivas, meio de sustento”.
A Defensoria, então, recorreu à 2ª instância do TJ-SP, que também negou a liberdade à mulher presa. O desembargador Farto Salles lembrou que a ré é reincidente e que estava cumprindo pena em regime aberto quando furtou o mercado no fim de setembro.
O magistrado também afirmou que não é imprescindível a liberdade da mãe para cuidar dos filhos, já que eles estão sob os cuidados da avó. “Embora triste a situação, impossível se negar a periculosidade avaliada em face da real e intensa culpabilidade da agente.”
A defesa da ré também argumentou que houve irregularidade na falta de uma audiência de custódia, ao que o magistrado rebateu afirmando que a “dispensa do ato encontra amparo na excepcional situação de calamidade pública vivenciada na pandemia de Covid-19 —e correlata suspensão dos expedientes presenciais nas unidades cartorárias inviabilizando a apresentação ‘física’ dos presos.”
Diante da segunda negativa à liberdade da mulher, a Defensoria Pública recorreu nesta sexta-feira (8) ao STJ. De acordo com um levantamento da Folha, de 2019, uma em cada três decisões judiciais proferidas na segunda instância que chegam ao Superior Tribunal de Justiça é alterada pela corte.
Em junho de 2020, o ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), absolveu uma mulher que furtou um pedaço de picanha e outras mercadorias no Rio de Janeiro. No mesmo dia, Rosa Weber negou habeas corpus a um jovem que furtou dois xampus, de R$ 10 cada, em São Paulo. Ela endossou sentença que dizia que, como tinha antecedentes, o réu mostrava que não conseguia viver em sociedade.
Folha jus.