| 2 junho, 2020 - 15:00

Intervenção do Poder Judiciário na concretização de políticas públicas: como decide o STF?

 

Por Rodrigo Leite Esse é um tema espinhoso e repleto de controvérsias, pois é de difícil aferição se estamos diante de uma escolha político-estatal, se lidamos com a margem de discricionariedade do administrador ou se, de fato, há omissão do Poder Público. O tema é aprofundado por Hayanna Bussoletti Neves (link do artigo: https://bit.ly/2zOQOuc) que

Por Rodrigo Leite

Esse é um tema espinhoso e repleto de controvérsias, pois é de difícil aferição se estamos diante de uma escolha político-estatal, se lidamos com a margem de discricionariedade do administrador ou se, de fato, há omissão do Poder Público.

O tema é aprofundado por Hayanna Bussoletti Neves (link do artigo: https://bit.ly/2zOQOuc) que ensina que “a judicialização das políticas públicas é considerada como toda atuação do Judiciário como meio de encerrar omissões do administrador público, isto é, do Poder Executivo. Deste modo, algumas questões de grande repercussão (em sua maioria), são resolvidas pelo Poder Judiciário e não por quem possui competência legítima, amparada pela Constituição Federal.”

Segundo ela, há quem entenda que a judicialização se faz essencial para que os direitos sociais e individuais constitucionais estejam resguardados e em plena sincronia com os anseios e necessidades de toda população, e há quem entenda que o Judiciário é incompetente para realizá-las, tendo em vista que supera sua posição de mero julgador atingindo a alçada do Executivo.

A compreensão do tema passa pela análise de diversos fatores e aspectos: i) as escolhas empregadas pelo formador das políticas públicas; ii) a fórmula da reserva do possível; iii) a teoria dos custos dos direitos; iv) as denominadas “escolhas trágicas”; v) a teoria da restrição das restrições, a proibição de retrocesso social, a proteção ao mínimo existencial, a vedação da proteção insuficiente e a proibição de excesso. Além disso, deve-se verificar vi) o grau de omissão estatal no caso concreto.

Devemos compreender que as normas constitucionais não podem ser apenas recomendações vazias para o Estado ou promessas vãs para os indivíduos. Elas possuem, em maior ou em menor grau, caráter cogente, mesmo as de conteúdo programático, pois materializam diretrizes para a feitura de políticas públicas. Se o Estado negligencia na concretização dos direitos fundamentais, sem justificativa plausível, o Poder Judiciário pode e deve preencher essas omissões sem que isso resulte em vulneração à separação de poderes.

Predomina, sem dúvida, que o Judiciário pode intervir na concretização de políticas públicas. Todavia, o controle judicial não pode ser irrestrito (afinal, cabe ao Executivo, como atividade primordial, elaborar e concretizar as políticas públicas); a atuação do Judiciário deve ocorrer de modo residual, não devendo ser a regra. A intervenção deve ser, pois, caso a caso, sem formulações abstratas ou apriorísticas.

O intérprete deve tentar extrair da situação concreta se o ente público não materializou aquela política pública ou aquele direito fundamental por inércia ou por impossibilidade prática ou inviabilidade econômica comprovada, por exemplo.

O STF tem admitido a intervenção do Judiciário na concretização de políticas públicas sem considerar que isso represente violação ao princípio da separação dos poderes. O Tribunal admite a intervenção do Judiciário para “assegurar a eficácia de direitos fundamentais” se estiver diante de “inescusável omissão estatal” – ver RE 810883, julgado em 23/08/2019.

Todavia, para a Corte, a intervenção do Poder Judiciário para determinar a concretização de políticas públicas previstas na CR/88 deve ser excepcional (ARE 1192467, julgado em 31/05/2019) ou “em casos emergenciais” (RE 554446, julgado em 04/04/2018).

No ARE 1174624, julgado em 17/12/2019, considerou-se legítima a ordem do Judiciário para que o Executivo reformasse uma escola. Também no ARE 679066, julgado em 08/06/2018, o STF disse ser possível obrigar o Estado a promover obras e adquirir materiais necessários ao funcionamento de escolas públicas com a finalidade de garantir o acesso à educação (ARE 679066, julgado em 08/06/2018). Considerou-se também possível obrigar o Estado a executar obras emergenciais em estabelecimentos prisionais (ARE 1001496, julgado em 17/11/2017).  No RE 1099727, julgado em 11/10/2019, o STF admitiu, diante da omissão estatal, ação civil pública que visava a realização de obras de reparo e conservação em rodovias.

O STF também entendeu que há omissão do Estado se ele não realiza a designação de delegado e servidores em delegacia de polícia (ARE 1197779, julgado em 25/10/2019); se não impede a invasão de áreas indígenas para a extração de madeira da floresta (ARE 947270, 12/03/2019) e se o Estado negligencia no atendimento de criança em creche, pois não se estaria concretizando o direito à educação (RE 1101106, 22/06/2018).

Há, como vemos, diversos precedentes do STF admitindo a intervenção judicial na implementação de políticas públicas; porém o Tribunal concilia essa ingerência com a excepcionalidade das situações. 

Abraços a todos!

Rodrigo Leite

Autor e coautor de livros (Saraiva e Juspodivm)

Mestre em Direito Constitucional

Assessor de Desembargador do TJRN

Professor da Pós On-line de Civil da Rede Kroton

Conteudista dos sites justicapotiguar.com.br (RN), novodireitocivil.com.br (BA), meusitejuridico.com.br (SP) e supremotv.com.br (MG)


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