
A presidente do Superior Tribunal Militar (STM), ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira da Rocha, rebateu, ontem, o pronunciamento do ministro Carlos Augusto Amaral Oliveira, também integrante da Corte e tenente-brigadeiro do ar da Força Aérea Brasileira (FAB). Na semana passada, ao manifestar discordância pelo pedido de desculpas às vítimas da ditadura militar (1964-1985) no ato ecumênico em memória do jornalista Vladimir Herzog, na Catedral da Sé, em São Paulo, disse que ela “deveria estudar”. A magistrada considerou a crítica “misógina” e um “ataque pessoal”. O resultado foi uma troca de alfinetadas entre eles.
Maria Elizabeth reiterou o pedido de perdão “a todas as vítimas de graves violações de direitos humanos, à sociedade civil e à história do país” e classificou o comentário do militar como uma tentativa de desqualificá-la profissionalmente. “Essa agressão desrespeitosa não atinge apenas esta magistrada. Atinge a magistratura feminina como um todo”, afirmou, ao pronunciar-se antes da sessão de julgamentos da Corte.
Segundo a ministra, sua declaração se tratou “de gesto eticamente republicano e constitucionalmente afinado com a memória”. “Naquela cerimônia, pedi perdão, falando em meu nome, na condição de presidente do Superior Tribunal Militar, a todas as vítimas de graves violações de direitos humanos, à sociedade civil e à história do país. Tratou-se de gesto eticamente republicano e constitucionalmente afinado com a memória, a verdade e a não-repetição de violências, certa de que a dor transpassa o coletivo e que, muitos, como eu, têm registros de lágrimas derramadas por familiares martirizados pela ditadura”, frisou.
A presidente disse, então, que “diferentemente das palavras pronunciadas por sua excelência, o ministro tenente-brigadeiro do ar Carlos Augusto Amaral Oliveira, conheço muito bem a história. Uma memória bem catalogada, onde não há dúvidas sobre seus contornos”. E deixou clara a indignação com o ataque do militar. “A tentativa de ampliar o alcance das minhas palavras demonstra pretexto para ataque pessoal. Por certo, a divergência de ideias é legítima. O que não é legítimo é o tom misógino, travestido de conselho paternalista sobre ‘estudar um pouco mais’ a história de instituição, adotado pelo interlocutor”.
Foi a vez, então, de Amaral Oliveira retrucar. Começou dizendo que não dera permissão para que Maria Elizabeth Rocha falasse em seu nome. A presidente do STM rebateu. “Nem eu quero”. O tenente-brigadeiro continuou: “Não pedi para a senhora concordar. Fala que sou misógino?”. A presidente da Corte, então, respondeu: “Pode falar o que quiser, eu não ligo muito”, rebateu, encerrando a discussão.
Além de dizer que a presidente devesse estudar “um pouco mais de história do tribunal para opinar sobre a situação no período histórico a que ela se referiu”, também aconselhou-a que que “refletisse sobre as pessoas” a quem pediu perdão.
A manifestação da magistrada no ato ecumênico, em São Paulo, pelos 50 anos do assassinato de Vladimir Herzog nas instalações do DOI-Codi — departamento ligado ao Exército que se tornou o símbolo da tortura praticada pelos integrantes da Força e símbolo da repressão aos adversários da ditadura —, foi, sobretudo, em função de uma história pessoal. A presidente do STM é casada com o general de Divisão da reserva Romeu Costa Ribeiro Bastos, irmão de Paulo Ribeiro Bastos, militante do MR-8 que foi torturado e morto no regime militar.
“Peço, enfim, perdão à sociedade brasileira e à história do país pelos equívocos judiciários cometidos pela Justiça Militar Federal em detrimento da democracia e favoráveis ao regime autoritário. Recebam meu perdão, a minha dor e a minha resistência”, salientou Maria Elizabeth. O público que lotava a catedral respondeu com aplausos de pé.
Foi a primeira vez que uma autoridade máxima da Justiça Militar — instância diretamente ligada às Forças Armadas — reconheceu, publicamente, os abusos cometidos na ditadura e os erros judiciais que legitimaram a repressão violenta aos que se punham contra o regime.
Fonte: Correio Braziliense