| 17 outubro, 2025 - 21:09

Barroso dá segundo voto para descriminalizar aborto nos três primeiros meses

 

Para Barroso, a discussão real não está em ser contra ou a favor do aborto. Contudo, a interrupção da gestação deve ser tratada como uma questão de saúde pública, não de Direito Penal.

Foto: Antonio Augusto/STF

No último ato antes da aposentadoria no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Luís Roberto Barroso, votou a favor da descriminalização do aborto no Brasil na noite desta sexta-feira (17/10). Leia a íntegra do voto de Luís Roberto Barroso sobre a descriminalização do aborto.

O ministro acompanhou a relatora, ministra Rosa Weber. Barroso votou após pedir um julgamento extraordinário ao presidente Edson Fachin e ser atendido – com início às 20h e término previsto para o dia 20 de outubro. Logo em seguida, o decano da Corte, ministro Gilmar Mendes, destacou o processo para que ele seja realizado em plenário físico.

Em outro processo, o ministro também concedeu uma liminar para que profissionais de enfermagem, e não apenas médicos, possam prestar auxílio ao procedimento necessário à interrupção da gestação, nos casos em que ela seja lícita. A decisão foi tomada na ADPF 1207.

A relutância em pautar o julgamento sobre a descriminalização do aborto fez com que dois ministros finalizassem sua judicatura com votos no plenário virtual sobre o tema. A primeira foi a ministra Rosa Weber, e, agora, o ministro Luís Roberto Barroso.

Barroso nunca escondeu o desejo de se posicionar nessa matéria e assim como Rosa Weber, ele é a favor da descriminalização. Ao votar, os ministros deixam suas posições marcadas e impedem os sucessores de julgar o tema – pelo regimento, os votos dos ministros aposentados continuam válidos em julgamentos iniciados antes da aposentadoria. Dessa forma, o próximo ministro não votará sobre este tema. O advogado-geral da União, Jorge Messias, que é evangélico, é o favorito para ocupar o posto.

Em seu voto Barroso diz que “ninguém é a favor do aborto em si” e diz que o “papel do Estado e da sociedade é o de evitar que ele aconteça, dando educação sexual, distribuindo contraceptivos e amparando a mulher que deseje ter o filho e esteja em circunstâncias adversas. Deixo isso bem claro para quem queira, em boa-fé, entender do que se trata verdadeiramente”.

Para Barroso, a discussão real não está em ser contra ou a favor do aborto. Contudo, a interrupção da gestação deve ser tratada como uma questão de saúde pública, não de Direito Penal.

“É definir se a mulher que passa por esse infortúnio deve ser presa. Vale dizer: se o Estado deve ter o poder de mandar a Polícia, o Ministério Público ou o juiz obrigar uma mulher a ter o filho que ela não quer ou não pode ter, por motivos que só ela deve decidir. E, se ela não concordar, mandá-la para o sistema prisional”.

E acrescenta que pesquisas endossadas pela Organização Mundial da Saúde documentam que a criminalização não diminui o número de abortos, mas apenas impede que ele seja feito de forma segura. “Vale dizer: a criminalização é uma política pública que não atinge o objetivo de reduzir o número de ocorrências. A maneira adequada de lidar com o tema é fazer com que o aborto seja raro, mas seguro”.

Na visão de Barroso, a criminalização penaliza, sobretudo, as meninas e mulheres pobres, que não podem recorrer ao sistema público de saúde para obter informações, medicação ou procedimentos adequados. “As pessoas com melhores condições financeiras podem atravessar a fronteira com o Uruguai, Colômbia, ir para a Europa ou valer-se de outros meios aos quais as classes média e alta têm acesso”.
Barroso e o aborto

Nas diversas vezes em que foi questionado por jornalistas porque não pautou o tema durante a sua presidência, Barroso respondeu que não havia maturidade para a discussão, pois setores da sociedade brasileira têm dificuldades em distinguir criminalização da mulher com autorização para fazer o aborto. O ministro também registrou que durante sua gestão, o STF teve que lidar com muitas questões sensíveis e trazer a votação sobre o aborto poderia desgastar ainda mais a Corte.

Inclusive, o ministro sempre teve relação com o tema. Barroso se destacou como advogado da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) durante o julgamento do STF que autorizou o aborto de fetos anencéfalos. Na ocasião, Barroso afirmou que o tribunal estava decidindo sobre o direito que a mulher tem de não ser um útero a serviço da sociedade. Ressaltou também que todas as entidades médicas garantem que o diagnóstico de anencefalia é 100% certo e a letalidade ocorre em 100% dos casos.
Voto de Rosa Weber

Em um voto com mais de 129 páginas, a ministra aposentada Rosa Weber destacou a desproporcionalidade de atribuir pena de detenção de um a quatro anos para a gestante, caso provoque o aborto por conta própria ou autorize alguém a fazê-lo, e também para a pessoa que ajudar ou realizar o procedimento.

A ministra ressaltou que o debate jurídico sobre aborto é “sensível e de extrema delicadeza”, pois suscita “convicções de ordem moral, ética, religiosa e jurídica”. Weber considera que a criminalização do aborto voluntário, com sanção penal à mulher e ao profissional da medicina, “versa questão de direitos, do direito à vida e sua correlação com o direito à saúde e os direitos das mulheres”.

Segundo a ministra, “a criminalização perpetua o quadro de discriminação com base no gênero, porque ninguém supõe, ainda que em última lente, que o homem de alguma forma seja reprovado pela sua conduta de liberdade sexual, afinal a questão reprodutiva não lhe pertence de forma direta”.

A ministra Rosa Weber avalia que a solução para a redução das taxas de aborto está “na observação das causas relacionadas ao problema da gravidez indesejada e na opção pela interrupção voluntária como forma de solução, que necessariamente são várias e estão interligadas, por se tratar de autêntico problema estrutural na área da saúde sexual e reprodutiva”.

A dimensão prestacional da justiça social reprodutiva, afirma Weber, explica a desconstituição da validade da política punitiva de encarceramento, que não se demonstra suficiente e proporcional enquanto política pública de desestímulo à gravidez indesejada, tampouco eficaz na perseguição da sua finalidade subjacente, que é tutela da vida humana.

O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) acionou o STF em março de 2017 para que a Corte se manifestasse sobre a descriminalização do aborto. A agremiação afirma que os artigos 124 e 126 do Código de Processo Penal (CPP), que tratam do crime de aborto, violam direitos fundamentais das mulheres e pede que o STF declare a não recepção parcial dos artigos pela Constituição para excluir do seu âmbito de incidência a interrupção da gestação induzida e voluntária realizada nas primeiras 12 semanas.

Para o PSOL, a criminalização do aborto fere os seguintes princípios: dignidade da pessoa humana, da cidadania e da promoção do bem de todas as pessoas, sem qualquer forma de discriminação. O partido argumenta que a criminalização do aborto e a consequente imposição da gravidez compulsória compromete a dignidade da pessoa humana e a cidadania das mulheres, pois não lhes reconhece a capacidade ética e política de tomar decisões reprodutivas relevantes para a realização de seu projeto de vida.

Além disso, o partido afirma que a criminalização afeta desproporcionalmente mulheres negras e indígenas, pobres, de baixa escolaridade e que vivem distante de centros urbanos, onde os métodos para a realização de um aborto são mais inseguros do que aqueles utilizados por mulheres com maior acesso à informação e poder econômico, resultando em uma grave afronta ao princípio da não discriminação.

A maioria das manifestações de entidades que pediram para ser amicus curiae no processo são favoráveis à descriminalização do aborto.

Fonte: JOTA


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