Os aspectos sociais devem ser levados em consideração para a compreensão do real significado da norma. Assim, o Direito Penal não pode se afastar das dinâmicas vigentes em uma sociedade plural, que traz consigo o surgimento de novos padrões de comportamento e em que a iniciação sexual na adolescência vem ocorrendo de forma cada vez mais precoce.
Com esse entendimento, o juiz Luiz Fernando Silva Oliveira, da 2ª Vara de Bebedouro (SP), absolveu um homem acusado de cometer estupro de vulnerável.
O caso envolve o relacionamento íntimo entre o rapaz e uma adolescente. O namoro começou em abril de 2020, quando ela tinha apenas 12 anos. O réu, por sua vez, tinha 17. Quando a adolescente completou 13 anos, o casal passou a manter relações sexuais, o que resultou em uma gravidez, em maio do mesmo ano.
Em agosto, porém, o réu, já com 18 anos, foi preso por tráfico de drogas, tendo sido liberado em 2021, quando a adolescente já estava com 14 anos. O relacionamento íntimo prosseguiu, e ambos decidiram morar juntos.
O Ministério Público entendeu que a materialidade e a autoria do delito estavam caracterizadas, assim como a responsabilidade criminal do acusado. Denunciado, o réu alegou inocência, já que as relações sexuais haviam sido consentidas pela adolescente — que confirmou a história.
Ao se pronunciar, ela disse também que o jovem pediu permissão à mãe dela para que namorassem, o que foi consentido. Testemunhas ouvidas disseram, ainda, que o relacionamento era conhecido por toda a família.
Namoro precoce
Em sua fundamentação, o juiz Luiz Fernando Silva Oliveira explicou que as mudanças trazidas pela Lei 12.015/2009 garantem a proteção, no campo sexual, das pessoas consideradas vulneráveis — entre as quais se incluem os menores de 14 anos, os enfermos e deficientes mentais, de acordo com o artigo 217-A do Código Penal.
Apesar disso, o julgador lembrou que, em casos em que a vítima é menor de 14 anos, a presunção de violência está longe de ser assunto pacífico, tanto na doutrina quanto na jurisprudência.
“De um lado, parcela da doutrina e da jurisprudência entende que, com o advento da Lei 12.015/09, a presunção de violência é absoluta, apresentando-se irrelevante para configuração do delito a existência de concordância ou autodeterminação da vítima”, anotou o juiz.
Outra corrente, porém, propõe cautela quanto a essa interpretação, com o argumento de que a modificação introduzida pela Lei 12.015/2009 não colocou fim ao debate quanto à presunção absoluta de violência em casos do tipo.
Para embasar esse raciocínio, o juiz mencionou a “teoria da adequação social”, segundo a qual o aspecto social devem ser levado em conta para a compreensão das normas, “de modo que uma conduta aceita e aprovada pela sociedade, não pode ser considerada materialmente típica, em razão da inexistência de ofensa ao bem jurídico protegido pela norma penal”.