Juiz que favorece peritos em troca de repasse de valores e vende sentenças não tem imparcialidade e compromete a integridade do Judiciário. Com esse entendimento, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça fluminense condenou o juiz João Luiz Amorim Franco, ex-titular da 11ª Vara de Fazenda Pública do Rio de Janeiro, à pena de aposentadoria compulsória. O julgador estava afastado do cargo desde outubro de 2020.
A Corregedoria-Geral da Justiça pediu a abertura de processo administrativo disciplinar contra Franco, com base na delação premiada do perito Charles Fonseca William. Ele afirmou que, entre 2007 e 2019, o juiz o nomeava para fazer perícias em troca de 10% dos honorários de cada serviço.
De acordo com William, sempre que João Luiz Amorim Franco assinava um alvará de pagamento em favor dele, imediatamente fazia contato com o perito para avisá-lo da liberação do pagamento e agendar um encontro para a entrega dos valores correspondentes.
Além disso, o delator alegou que o juiz recebeu, de um advogado e de um empresário vinculados ao grupo econômico Docas, propina de R$ 330 mil e R$ 1,3 milhão para proferir duas sentenças favoráveis a eles. Com base nesses fatos, o Ministério Público denunciou Franco por lavagem de dinheiro, associação criminosa e corrupção.
Em defesa do juiz, o advogado Mauro Gomes de Mattos argumentou que os relatos do delator não foram corroborados por outras provas – algo exigido pela Lei das Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013). De acordo com o advogado, o perito não comprovou os repasses que diz ter feito a Franco.
A relatora do caso, desembargadora Sandra Cardinali, apontou que 80% das perícias ordenadas por João Luiz Amorim Franco foram destinadas a quatro especialistas: Charles William, Marco Antônio dos Reis Gomes, Walter Neto e José Eduardo Tostes. E o juiz tinha relação próxima com os três primeiros – a mulher de William é juíza e estudou na mesma escola que Franco, Gomes tornou-se contador de seus familiares e Walter Neto é seu cunhado.
Para a relatora, Franco não teve cuidado e prudência nas nomeações de peritos, colocando sua imparcialidade em risco. Sandra também destacou que a maior parte dos processos a cargo do juiz estavam com seus andamentos atrasados. Porém, ele expedia mandados determinando o pagamento dos peritos no mesmo dia em que os laudos periciais eram juntados aos autos. Segundo a magistrada, “não há explicação plausível para tamanha celeridade na expedição de mandados de pagamento aos peritos”.
Além disso, Sandra Cardinali ressaltou que Charles William e Joel Fernandes Pereira da Fonseca, advogado do grupo Docas, fizeram afirmações “verossímeis” sobre como a empresa pagou propina de R$ 330 mil e R$ 1,3 milhão ao juiz para proferir duas sentenças favoráveis a eles em disputas sobre a incidência de ICMS. Os pagamentos eram feitos ao perito, por meio de contratos de auditoria fictícios. Em um terceiro caso, o advogado disse ter negado proposta para acelerar o trâmite de um processo. Em troca, o juiz proferiu decisão desfavorável à companhia.
Conforme a desembargadora, não é razoável que um serviço de auditoria seja concluído em uma semana, como indicam as datas de celebração do contrato de R$ 330 mil de William com Docas. E o valor de R$ 1,3 milhão é exorbitante para um trabalho do tipo, avaliou a relatora. Ela ainda indicou que as duas sentenças foram proferidas em datas próximas às de celebração dos acordos. E só foram liberadas para publicação no Diário Oficial após a quitação dos contratos.
A magistrada refutou a alegação do juiz de que sua posição sobre ICMS já era conhecida, portanto, não houve venda de sentenças. A relatora disse que ficaram comprovados os repasses do perito a Franco e seu atraso na publicação das sentenças.
Violação de deveres
Sandra Cardinali opinou que houve evolução patrimonial do juiz incompatível com seus ganhos, que permitia que ele comprasse imóveis e carros de luxo e viajasse para o exterior de três a quatro vezes por ano.
Na visão da relatora, João Luiz Amorim Franco violou o dever de “manter conduta irrepreensível na vida pública e particular” (artigo 35, VIII, da Lei Orgânica da Magistratura). Ela também entendeu que o juiz desrespeitou os artigos 1º (“o exercício da magistratura exige conduta compatível com os preceitos deste Código e do Estatuto da Magistratura, norteando-se pelos princípios da independência, da imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro”) e 5º (“impõe-se ao magistrado pautar-se no desempenho de suas atividades sem receber indevidas influências externas e estranhas à justa convicção que deve formar para a solução dos casos que lhe sejam submetidos”) do Código de Ética da Magistratura.
Dessa norma, Sandra ainda concluiu que Franco violou os artigos 8º (“o magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito”); (“a integridade de conduta do magistrado fora do âmbito estrito da atividade jurisdicional contribui para uma fundada confiança dos cidadãos na judicatura”); 19 (“Cumpre ao magistrado adotar as medidas necessárias para evitar que possa surgir qualquer dúvida razoável sobre a legitimidade de suas receitas e de sua situação econômico-patrimonial”); e 24 (“o magistrado prudente é o que busca adotar comportamentos e decisões que sejam o resultado de juízo justificado racionalmente, após haver meditado e valorado os argumentos e contra-argumentos disponíveis, à luz do Direito aplicável”).
Dessa maneira, a relatora votou pela aplicação da pena de disponibilidade (afastamento) do juiz. Porém, prevaleceu o voto divergente do desembargador Nagib Salibi Filho pela imposição da aposentadoria compulsória a Franco, devido à gravidade de suas condutas.
Processo 0069425-17.2020.8.19.0000
Conjur