A livre negociação das relações de trabalho foi um dos principais pontos da reforma trabalhista — em parte responsável por reduzir o número de novos processos na Justiça do Trabalho quase pela metade entre 2017 e 2020, chegando a 2,5 milhões de novos casos. Os acordos judiciais atingem hoje 45% do total de processos, e o “acordo extrajudicial” se consolidou, movimentando mais de R$ 1 bilhão no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região, com atuação na Grande São Paulo.
Muitos acordos ainda são rejeitados por alguns juízes. Presos a uma visão exageradamente “paternalista” da Justiça do Trabalho, esses julgadores resistem a aceitar a livre negociação entre as partes. A resistência ocorre, por vezes, contra o interesse do próprio trabalhador, e em processos de fundamentação frágil.
A 8ª Turma do TRT da 4ª Região foi fustigada esta semana, acusada de fazer o mal em nome do bem. Segundo o juiz de Passo Fundo, Evandro Luiz Arnau, o colegiado “que possui fama de proteger os trabalhadores“, na prática, os prejudica com “atos de ofício para atrasar a prestação jurisdicional e, por corolário, atrasar o exercício de direitos de cidadania daqueles que teriam que ser protegidos”.
No caso que irritou Arnau, chamou atenção o fato de, no processo específico em que não foi ouvida nenhuma testemunha, incrivelmente, consta da ata de audiência o resumo dos depoimentos pessoais — o que levou o juiz gaúcho a comunicar o fato à Presidência do TRT e à Corregedoria do TST, “com menção expressa de que não houve produção de prova testemunhal, para as providências cabíveis”.
O juiz Arnau parece saber do que fala. Em outro caso recente, julgado pela mesma 8ª Turma, sob a relatoria do desembargador Marcelo José Ferlin D’Ambroso, viu-se a mesma contradição. Um trabalhador de 63 anos pediu à Justiça trabalhista R$ 86.940 em razão de uma suposta doença ocupacional. O empregador apresentou exame feito por dois médicos, atestando que o colaborador não tinha problemas de saúde quando foi demitido.
O laudo pericial apresentado em primeira instância indicou artrose e bursite, com perda física leve, concluindo “não haver relação de nexo técnico entre o quadro clínico do reclamante com o seu trabalho na reclamada”. O laudo sugeria quadro de origem degenerativa (envelhecimento natural) e próprio do organismo do reclamante, como fatores hereditários e genéticos.
Em recurso, a 8ª Turma do TRT da 4ª Região anulou a sentença e pediu laudo ergonômico, que acabou inconclusivo. Para o perito nomeado em primeira instância, a ergonomia apenas avalia a presença de riscos laborais, mas “deixa de analisar fatores importantíssimos na gênese de uma patologia, como individualidades hereditárias, genéticas […] tempo de exposição aos eventuais fatores de risco, tempo de atividade laboral e principalmente a idade”.
A reclamação foi mais uma vez negada pela primeira instância, mas o caso voltou ao tribunal. Empregador e empregado chegaram a acordo correspondente a mais de metade do pedido inicial feito na ação. O desembargador D´Ambroso ignorou a vontade das partes e determinou o pagamento das verbas indenizatórias em valor muitas vezes superior ao pedido original.
Sem que houvesse pedido do trabalhador, o juiz decidiu fixar indenização de R$ 450 mil por dano moral e cerca de R$ 150 mil como pensão alimentícia, em parcela única. Como a prova vai contra a reclamação, a empresa decidiu recorrer e o reclamante sexagenário, se for receber, vai esperar bastante — diferentemente do acordo.
Procurado pela ConJur para comentar a decisão, D’Ambroso apenas se limitou a dizer que, “como o caso está na Justiça e irei apreciá-lo, a Loman me veda de comentar”.
Em diferentes graus, casos semelhantes têm ocorrido em homologação de acordos extrajudiciais. É o que ocorreu em acordo feito por um ex-diretor de uma empresa sediada no exterior, que fechou acordo para quitar algumas pendências do contrato.
Após ser desligado da empresa e receber os valores da rescisão, o ex-diretor buscou a representante da empresa reclamando o pagamento de férias e bônus. A empresa sugeriu ao ex-diretor a pactuação de um acordo, com o pagamento de uma indenização de R$ 98 mil.
Distribuído a uma das varas do TRT da 2ª Região, a juíza recusou-se a homologar o acordo, que implicava a extinção da relação de emprego. Entendeu que não seria possível “conferir chancela judicial de tamanha abrangência”, pelo fato de o acordo contemplar apenas o pagamento de bônus. Ou seja, não poderia tratar da extinção da relação de emprego em sentido amplo.
Em caso recente, o juiz Márcio José Zebende, titular da 23ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, negou a homologação de acordo extrajudicial celebrado entre empregado e empregador, por entender que implicava renúncia a verbas rescisórias. Segundo o juiz, o valor do acordo correspondia apenas à multa de 40% do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), sem pagamento de aviso-prévio, férias proporcionais e 13º salário proporcional. Para ele, não houve negociação real, pois o empregado praticamente se limitou a renunciar ao recebimento das verbas rescisórias
A falta de um entendimento definitivo sobre a abrangência dos acordos extrajudiciais traz insegurança e gera episódios como os apontados pelo juiz de Passo Fundo. No TRT da 2ª Região há orientação da Cejusc no sentido de que “a transação interpreta-se restritivamente, não sendo possível a quitação genérica de verbas”. No Tribunal Superior do Trabalho (TST) há precedentes aceitando a quitação integral, mas não há posição definitiva. No TST, a jurisprudência é flutuante. A 4ª Turma, por exemplo, defende a “álgebra buliana” nas homologações: sim ou não. O que não se aceita é a homologação parcial.
Conjur