O Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) decidiu, nesta quinta-feira (19), aposentar compulsoriamente o juiz de Direito Vanderlei Ramalho Marques. A pena máxima prevista em Processo Administrativo Disciplinar (PAD) foi aplicada, entre outros motivos, porque o magistrado manteve relacionamento íntimo com uma mulher que respondia a processo por tráfico de drogas. Processo este conduzido pelo próprio juiz. Além disso, o marido dela era réu na mesma ação.
A mulher havia passado 37 dias presa e obteve liberdade provisória graças a uma decisão do magistrado que manteve, no entanto, o companheiro dela na cadeia.
Marques era juiz da 4ª Vara Criminal da Serra e a ré, como condicionante para a liberdade provisória, comparecia periodicamente ao fórum da cidade. Foi numa dessas ocasiões, em 2015, de acordo com registros testemunhais que constam nos autos do PAD, que o magistrado a abordou.
Após conversas por telefone e WhasApp, o magistrado convidou a mulher para sair e disse que poderia ajudar na soltura do marido, narrou o relator do processo administrativo, desembargador Fernando Bravin, em sessão do Pleno.
O relacionamento durou 11 meses. Em depoimento, a acusada de tráfico contou ao relator do PAD que decidiu terminar o enlace quando percebeu que o magistrado não iria ajudar o marido dela, que seguia preso.
O Ministério Público Estadual (MPES) recorreu da decisão de soltura e ela voltou à prisão pouco após o fim do romance.
“Ele falava que ia me ajudar, ficou enrolando para marcar as audiências”, afirmou a mulher, ainda no âmbito do PAD. Ela disse que o magistrado chegou a ir, de carro, à porta da casa dela. Os encontros entre o magistrado e a acusada aconteciam, segundo a mulher, aos finais de semana.
Além do depoimento da ré, no PAD foram ouvidas ainda uma promotora de Justiça, que notou, nas audiências, um tratamento “estranho” conferido pelo magistrado à acusada de tráfico, e uma inspetora penitenciária a quem, antes mesmo da instauração do PAD, a mulher havia confidenciado o relacionamento com o juiz.
PRINTS DE CONVERSAS DE WHATSAPP
Além disso, há prints, capturas de tela de celular, de conversas de WhatsApp entre a acusada de tráfico de drogas e o juiz Vanderlei Ramalho Marques.
O interlocutor aparece identificado como “Val”. O juiz disse que é “montagem”.
“O linguajar utilizado tem indicação de redação gramaticalmente correta atribuída ao magistrado. Teria a parte (a mulher) que imaginar que teria que fazer uma grafia correta para o juiz e uma grafia com excesso de erros para ela”, registrou Bravin, no voto. “São detalhes relevantes”, complementou.
Nos diálogos, o juiz, ainda de acordo com o relator, diz que a mulher deveria estar satisfeita por estar solta. As mensagens mostram um grau de intimidade entre os dois, registrou, ainda, o desembargador. Para ilustrar, Bravin mencionou que, em uma das conversas, a mulher “pede para o juiz presidir a audiência com sua gravata vermelha”.
Depois “(ela) se viu acuada em relacionamento com falsas promessas de liberdade para ela e para o companheiro”, resumiu o desembargador relator.
O marido, acusado de tráfico, também foi ouvido no PAD. O relator narrou ter ficado impressionado com os depoimentos da mulher e do companheiro dela, que não narraram os mesmos fatos, mas tal incongruência deu ainda mais veracidade aos relatos.
“Ele (o marido) rechaça a ideia de que ocorrera o relacionamento”, registrou o desembargador, no voto. “Com ele? Não foi um envolvimento, foi uma negociação rápida”, disse o acusado de tráfico.
“Qual foi a surpresa deste relator quando foi feita uma pergunta equivocada se adiantando que ele sabia (supondo que o marido sabia do relacionamento com o juiz)”, comentou Bravin.
“O semblante dele se modificou. Preso, algemado, acuado, com semblante modificado”, contou o desembargador.
Vanderlei Ramalho Marques também foi ouvido. Em interrogatório negou ter se envolvido com a acusada de tráfico. Um dos argumentos da defesa é o de que ele nem tinha acesso ao número de telefone dela, pois essa informação não constava na ação penal.
Mas constava. Além do número de celular da ré, havia também o endereço do perfil dela no Facebook.
O relator ressaltou, ainda, que o argumento do magistrado investigado é frágil, uma vez que ele poderia ter pedido o telefone dela pessoalmente, no fórum.
O relacionamento íntimo com a acusada é apenas uma das seis acusações narradas no PAD. Acusações essas que foram acolhidas parcialmente, mas que bastaram para ensejar a pena máxima. O voto do relator foi seguido à unanimidade pelos demais desembargadores.
A Gazeta