A alegria dos advogados pela absolvição do cliente durou poucos minutos. Ainda na sala especial (antiga sala secreta do júri), logo após a contagem dos votos garantir por maioria o resultado favorável ao réu, o promotor pediu nova votação devido à “incongruência” dos jurados na apreciação dos quesitos. O juiz togado acolheu o pedido e o acusado deixou o fórum condenado, sem poder recorrer em liberdade. A defesa apelou ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) pleiteando a anulação do julgamento.
“É um caso típico de ganhar e não levar”, protestou o advogado Glauber Bez. “É como se a bola entrasse, mas o juiz recorresse ao VAR e anulasse o gol que foi legal”, ironizou o advogado Mauro Atui Neto. “Não houve a contradição apontada pelo promotor na votação, porque os jurados reconheceram a autoria em um quesito, mas no seguinte acolheram a nossa tese de absolvição por clemência. Uma coisa não exclui a outra”, disse o advogado Mário André Badures Gomes Martins.
O júri aconteceu no último dia 29 de julho no Fórum de Capão Bonito, município da região de Sorocaba que fica a 223 quilômetros de São Paulo. Sob a presidência do juiz Felipe Abraham de Camargo Jubram, a sessão começou pela manhã e terminou no início da noite. O Ministério Público (MP) foi representado pelo promotor Rodrigo Nery. Condenado após ser inicialmente inocentado pelos jurados, o réu, chamado Alan, teve a pena fixada em 12 anos de reclusão, em regime inicial fechado.
Segundo o MP, Alan e mais cinco rapazes (quatro adultos e um adolescente) participaram do assassinato de Adriano Aparecido Rodrigues, de 33 anos, cometido na madrugada de 8 de abril de 2018. A vítima levou um tiro nas costas por causa de uma briga no mês anterior com um dos acusados. A ordem para o homicídio partiu de outro réu, apontado como “disciplina” do Primeiro Comando da Capital (PCC) — aquele que gerencia conflitos em determinada área e determina punições a membros e/ou desafetos da facção.
Julgamento popular
Com exceção de Alan, os demais réus, entre os quais o suposto disciplina, foram julgados no último dia 24 de junho, sendo condenados a penas que variam de 12 a 18 anos de reclusão. Nesta data, devido à falta de uma testemunha arrolada pela defesa em caráter de imprescindibilidade, houve cisão do processo em relação a Alan, cujo julgamento aconteceu em 29 de julho. Apesar de dispor de até uma hora e meia para realizar a acusação em plenário, o promotor fez uso de apenas 20 minutos.
Rodrigo Nery pediu aos jurados a condenação de Alan por homicídio qualificado pelo motivo torpe e emprego de recurso que impossibilitou a defesa da vítima. Os advogados usaram todo o tempo previsto em lei (uma hora e meia) para sustentar a tese de negativa de autoria. Eles alegaram que o réu não efetuou o disparo que atingiu a vítima, nunca se desentendeu com ela e nem participou da trama para matá-la, sendo inclusive baleado no pé esquerdo por estar ocasionalmente naquela hora no lugar do crime.
O promotor partiu para a réplica e, em 22 minutos, ratificou o seu pedido condenatório, embora tivesse até uma hora para expor os seus argumentos. Com este mesmo período de tréplica, os advogados finalizaram os debates em plenário em 52 minutos. Na hipótese de não ser aceita a negativa de autoria, os defensores requereram ao conselho de sentença a absolvição por clemência, porque o réu está preso há mais de três anos e inocentá-lo sob este pretexto não é proibido pela lei.
Ainda que tenham sustentado a negativa de autoria, os advogados também abordaram questões de mérito. Uma delas diz respeito ao fato de a vítima só ter falecido em 9 de fevereiro de 2019, dez meses após ser baleada, sendo pneumonia a causa da morte, conforme atestado de óbito. O MP aditou a denúncia após o falecimento para atribuir aos réus o crime de homicídio consumado. Segundo o órgão acusador, Adriano ficou com a saúde debilitada e morreu devido ao atentado a tiro sofrido, do que a defesa discorda.
Os defensores também criticaram a forma como Alan, atualmente com 21 anos, foi reconhecido por meio de foto pela vítima, no dia 25 de junho de 2018, quando ela estava internada no Hospital das Clínicas, em São Paulo. Segundo os advogados, a delegada Janaína Jacolina Morais não observou requisitos legais e ainda “sugestionou” Adriano a reconhecer o réu, tornando “viciado” o ato. Prontuários médicos daquela data afirmam que o paciente estava “muito limitado” quanto à sua percepção sensorial e apresentava “confusão mental”.
Ata da sessão
Consta da ata da sessão que, “diante da incongruência ocorrida na votação do segundo quesito (4 x 2 pelo reconhecimento da autoria do acusado Alan) com a votação do terceiro quesito (4 x 1 pela absolvição), foi requerido pelo Ministério Público o refazimento da votação referente ao terceiro quesito, explicando-se aos senhores jurados no que consistia referida contradição”. O conselho de sentença é integrado por sete jurados. Porém, em razão do sigilo das votações, a contagem termina quando se atinge a maioria.
“Com os protestos da defesa pelo não refazimento, uma vez que também alegou a tese da clemência em plenário, deliberou o Juiz Presidente pela explicação aos jurados sobre a incongruência e também sobre todas as teses defensivas aventadas”, acrescentou na ata o magistrado. Na segunda votação ao terceiro quesito, o resultado foi 4 x 2 pela não absolvição. Para “espancar quaisquer dúvidas” sobre o convencimento dos jurados, o juízo realizou uma terceira votação, cujo resultado foi 4 x 1 pela não absolvição.
Atui Neto, Glauber Bez e Mário Badures têm convicção de que o júri será anulado pelo TJ-SP, porque “a soberania do veredicto originário dos jurados não foi respeitada” e porque as perguntas ao conselho de sentença foram feitas conforme determina o Código de Processo Penal, não havendo contradição nas respostas iniciais. Diz o Artigo 483 que “os quesitos serão formulados na seguinte ordem, indagando sobre: I – a materialidade do fato; II – a autoria ou participação; III – se o acusado deve ser absolvido”.
Processo 0001024-53.2021.8.26.0123
Conjur