Um grupo de procuradores federais resolveu engordar seus salários de até R$ 30 mil fazendo um “bico”. Empreendedores, eles viraram sócios de uma franquia privada que faz mediação e arbitragem de conflitos entre pessoas ou empresas. Isso tudo, apesar de a legislação e de uma norma expressa da Advocacia-Geral da União, a AGU, proibirem esse tipo de atividade quando exercida por servidores responsáveis pela defesa do governo federal em tribunais.
A tal franquia é a Cames Brasil. O nome vem de Câmara de Arbitragem e Mediação Especializada. Como o próprio site da empresa diz, ela é uma “instituição que promove resolução de conflitos fora do Poder Judiciário”.
Na prática, funciona mais ou menos assim: uma empresa está pensando em processar uma outra, por exemplo. Esse processo pode levar anos tramitando por instâncias do Judiciário, retardando a solução do problema e comprometendo tanto a companhia autora da ação quanto a empresa que está sendo cobrada judicialmente.
Para evitar isso, as duas empresas decidem então procurar uma espécie de “tribunal privado”. Ali, mediadores ou árbitros avaliam as divergências entre as companhias se baseando nas leis e negociam uma saída para o problema, ou “julgam” o caso determinando mais rapidamente quem tem razão na disputa. Por isso, claro, esses profissionais ganham uma parcela do valor envolvido na causa entre as companhias.
Neste exemplo, o “tribunal privado” é a tal câmara de arbitragem, que poderia ser a Cames. Existem no país e no exterior outras câmaras deste tipo que intermediam a resolução de problemas dos mais diversos, quase sempre entre grandes corporações. O setor vem crescendo no Brasil e já movimenta bilhões de reais.
Procuradores federais, vinculados à AGU, sabem disso. E identificaram aí uma oportunidade de negócio, apesar de bem empregados, estáveis, com aposentadoria diferenciada, etc. Resolveram então “empreender”, mesmo existindo uma lei federal de 2013 sobre conflito de interesses de servidores e outra de 2016 citando especificamente procuradores federais.
A Cames Brasil surgiu justamente em 2016. Hoje, tem 29 sócios. Desses, pelo menos dez são procuradores federais ou advogados da União. Há servidores da AGU fazendo bico na câmara de arbitragem na Bahia, em São Paulo, no Rio de Janeiro e no Paraná. Fora os sócios, a Cames conta hoje com 400 profissionais cadastrados para atuar na solução de conflitos. A empresa não informou quantos deles são servidores da AGU.
Um dos fundadores da Cames é o procurador federal Danilo Miranda. Ele ingressou na carreira pública em 2004 e segue vinculado à AGU, apesar de trabalhar atualmente no escritório goiano do Ibama. Lá, ele tem cargo comissionado e uma jornada de trabalho de 40 horas semanais. Seu salário bruto ultrapassa os R$ 29 mil, segundo o Portal da Transparência do governo federal.
Miranda também é uma espécie de porta-voz da Cames Brasil. Dá entrevistas divulgando o trabalho da franquia, escreve artigos em jornais falando sobre o mercado da mediação e arbitragem no Brasil e no mundo e até preside o conselho fiscal do Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem, o Conima, entidade que representa as entidades de mediação e arbitragem no país.
The Intercept Brasil