| 21 fevereiro, 2021 - 11:30

‘Falso cônsul’ é a peça-chave em investigação sobre Judiciário no Nordeste

 

O empresário Adailton Maturino dos Santos passou nos últimos anos por duas prisões, uma fuga e investigações em dois estados. Apesar disso, foi homenageado por políticos, construiu relações com autoridades do Judiciário e bancou festas com apresentações de artistas do sertanejo e da axé music. Ajudou a eleger o irmão à Câmara Municipal de Camaçari

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O empresário Adailton Maturino dos Santos passou nos últimos anos por duas prisões, uma fuga e investigações em dois estados. Apesar disso, foi homenageado por políticos, construiu relações com autoridades do Judiciário e bancou festas com apresentações de artistas do sertanejo e da axé music.

Ajudou a eleger o irmão à Câmara Municipal de Camaçari (BA). Exibindo um currículo com informações falsas, chegou a se dizer representante de um principado que não existe. Dizia ter vasta experiência em direito e ser juiz leigo, embora tivesse só uma carteirinha de estagiário da OAB cancelada, segundo a polícia. Ganhou muito dinheiro e não se importava em exibir riqueza.

Chamado de “falso cônsul”, Maturino é o pivô da operação Faroeste, sobre suspeitas de vendas de decisões judiciais no Brasil, e relacionadas a um esquema de grilagem de terras na divisa da Bahia, do Piauí e do Tocantins.

A apuração se expandiu nos últimos meses com a ajuda de delações premiadas e, além de magistrados, tem investigado advogados que atuavam intermediando a venda de despachos, além de outras figuras do poder público suspeitas de participar de irregularidades. Até fevereiro de 2021, oito desembargadores já haviam sido afastados do Tribunal de Justiça da Bahia por decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça), além de outros três juízes. Três desembargadoras estão presas preventivamente, e uma quarta está em prisão domiciliar. O empresário é réu suspeito de participar desse esquema que, segundo as investigações, movimentou cerca de R$ 1 bilhão.

Está preso preventivamente no Complexo da Papuda, em Brasília, desde novembro de 2019. Sua esposa, Geciane, também está presa. Sua defesa está com o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, que rejeita as acusações e diz que seu cliente sofre com simbolismos preconceituosos.

“O tempo inteiro se trabalha a ideia de que esse cara não podia ter a grana que tem. Por quê? Por que ele é negro? Por que ele é humilde?”, questiona. Baiano, Maturino disse ser natural da cidade de Pojuca, mas relatório do Ministério Público da Bahia diz que seu CPF verdadeiro aponta que ele é natural de Lauro de Freitas. Por esse documento, ele tem 49 anos. Mas Maturino tinha outros CPFs, cancelados por duplicidade. Sempre acompanhado de uma comitiva da Guiné-Bissau, se dizia cônsul honorário do país, embora não tivesse autorização do Itamaraty para representá-lo no Brasil.

Com a comitiva, tirou foto e assinou acordo em Brasília com o então presidente da OAB Claudio Lamachia, e se reuniu com a assessoria da presidência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Aparecia com frequência em cerimônias do Tribunal de Justiça da Bahia, onde tentava demonstrar aproximação com o ex-presidente Gesivaldo Britto, desembargador hoje afastado das funções por ser investigado na Faroeste. .Sentou-se na primeira fila na posse de Gesivaldo na presidência, em 2018, à frente de autoridades do estado. Parte dos magistrados olhava torto para a presença regular do “cônsul” no tribunal. A defesa de Gesivaldo diz que o ex-presidente não o convidou para o evento. Um dos dois filhos de Maturino tem um canal no YouTube que publicava vídeos divulgando as ações da Justiça baiana. Era figura constante nos locais que a elite do estado frequentava.

Conseguiu publicar na imprensa baiana informações de que representava, além da Guiné-Bissau, o principado italiano de Santo Estevão, que, na verdade, não existe –é invenção de um homem que se autoproclama o 272º sucessor sanguíneo do imperador Constantino (272-337). Ele dizia que o principado queria investir na Bahia. Segundo as investigações, Maturino pagou um show da cantora Claudia Leitte que só podia ser visto de lancha. Em uma apresentação da dupla Bruno e Marrone no Wet’n Wild de Salvador, distribuiu pulseirinhas com a inscrição “camarote do cônsul”.

“Ele é inteligente para ganhar dinheiro e louco na hora de gastar”, disse sobre ele um advogado investigado no esquema, em telefonema grampeado pela polícia. Também recebeu homenagens. Em Salvador, a Câmara Municipal lhe aprovou título de cidadão soteropolitano, sob a justificativa de que contribuía para aproximar a Bahia de Guiné-Bissau.

A cerimônia de entrega da homenagem nunca aconteceu. Procurada pela reportagem, a embaixada da Guiné-Bissau no Brasil não se manifestou. Maturino recebeu em 2018 a homenagem de “amigo da PM” do então secretário de Segurança Pública do governo Rui Costa (PT), Mauricio Teles Barbosa, que atualmente é investigado pela Faroeste. Sérgio Habib, advogado de Barbosa, diz que a escolha foi da própria PM, e o secretário cumpriu um ritual, sem ter vínculo com o empresário. Maturino também tinha laços no Piauí, onde participou de reuniões no Tribunal de Justiça como cônsul.

Folhapress


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