A conduta de desferir socos e pontapés em outra pessoa não é suficiente para indicar, por si só, a existência de animus necandi — intenção de matar — necessária para estabelecer justa causa para a ação penal do crime de homicídio qualificado.
Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça trancou ação penal contra réus que agrediram duas vítimas — uma delas morreu decorrente dos ferimentos, dois dias depois. A decisão ressalva a possibilidade de o Ministério Público oferecer nova denúncia pelas condutas efetivamente praticadas,
O crime ocorreu em 19 de dezembro de 2013. Segundo a denúncia, uma das vítimas se sujou ao usar o banheiro de um bar e, ao sair, esbarrou em frequentadores do local. Os dois acusados agrediram as duas vítimas na rua com socos e pontapés e só pararam quando o motorista de um veículo que passava pelo local parou e gritou.
Esse cenário, segundo a acusação, indica que os acusados agiram com “manifesto propósito homicida — animus necandi, por motivo fútil e empregando meio cruel”.
No Habeas Corpus, a defesa destacou que não ficou demonstrado no que teria consistido esse animus necandi e que a denúncia não deixou clara a relação de causalidade entre as agressões e o evento morte. Sequer se sabe a causa da morte em laudo, por exemplo.
“A conduta imputada ao paciente no libelo acusatório – golpes (socos e chutes) na vítima — não indica, por si só, a existência de animus necandi”, concluiu o relator, ministro Sebastião Reis Júnior, que foi seguido pelos ministros Rogerio Schietti, Antonio Saldanha Palheiro e Laurita Vaz.
“Conclui-se, então, que não foi evidenciada a conduta típica imputada ao paciente na descrição do ato delituoso; ausente, assim, justa causa para a ação penal, ressalvando a faculdade de o Parquet oferecer nova denúncia pelas condutas efetivamente praticadas”, acrescentou.
Quem decide é o Júri
Ficou vencido o ministro Nefi Cordeiro, para quem a intenção de matar é possível de ser inferida no caso de alguém que mata uma pessoa a socos e pontapés. A definição do dolo não se dará na pronúncia, mas no tribunal do júri, se for o caso.
“Parece-me suficiente não só a justa causa, que nesse momento busca apenas indícios do dolo, mas os fatos descritos permitem plenamente a defesa se está inferindo vontade de matar pela quantidade de chutes, pela quantidade de socos e até pelo resultado acontecido de uma das vítimas realmente ter morrido”, explicou.
O que a defesa defendeu e a turma acolheu, segundo o voto vencido, é que a necessidade de descrição de algo impossível.
“Avaliamos o dolo da conduta fática relatada na denúncia, que precisa, sim, indicar se essa conduta aconteceu por deliberada vontade, consciente vontade, ou se o resultado corre independentemente dessa vontade consciente para que se caracterize um dolo ou a culpa. Mas a denúncia diz que eles agiram com intenção de matar”, apontou.
HC 542.541