| 16 julho, 2020 - 15:35

O ser humano tem o direito de modificar ou deformar o próprio corpo?

 

Por Rodrigo Leite | Telegram: https://t.me/pilulasjuridicasSTFSTJ Embelezamento, body modifications, bradings, deformidades incorrigíveis e autonomia privada – parte 02. Link da parte 01: https://bit.ly/3h63mNN O Código Civil traz uma série de direitos da personalidade – arts. 11 a 21. Entre esses direitos está o direito ao próprio corpo, nele compreendido o direito sobre sua disposição. Assim, dentro da autonomia privada – capacidade de

Ilustrativa

Por Rodrigo Leite | Telegram: https://t.me/pilulasjuridicasSTFSTJ

Embelezamento, body modificationsbradings, deformidades incorrigíveis e autonomia privada – parte 02. Link da parte 01: https://bit.ly/3h63mNN

O Código Civil traz uma série de direitos da personalidade – arts. 11 a 21. Entre esses direitos está o direito ao próprio corpo, nele compreendido o direito sobre sua disposição. Assim, dentro da autonomia privada – capacidade de autoadministração da vida ou de autodeterminação de decisões acerca de sua existência – para a melhoria de sua qualidade de vida ou de sua aparência, as pessoas podem buscar melhorias estéticas se esse proceder lhe traz comodidade mental e física.

Carlos Alberto Bittar no seu clássico (Os Direitos da Personalidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p. 75) admite o direito ao embelezamento ao registrar que pode a pessoa autorizar operação corretiva ou estética, sob orientação do profissional, eis que admissível o lesionamento não só para cura, mas também para o embelezamento do interessado. Assim, intervenções médicas podem ser reparadoras ou estéticas.

Roxana Cardoso Brasileiro Borges (Disponibilidade dos direitos da personalidade e autonomia privada. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 184) consigna que o direito ao embelezamento, mediante cirurgia estética, é atualmente muito exercido. De fato, segundo o jornal O Estado de São Paulo de 17 de agosto de 2019, as cirurgias estéticas cresceram 25% em 2 anos. De acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, em 06.12.2019, o Brasil está em 2º lugar no ranking mundial de cirurgias plásticas, atrás apenas dos Estados Unidos. De acordo com a Associação Nacional de Hospitais Privados – ANAHP, de 24/05/2019, as cirurgias plásticas em adolescentes cresceram 141% em dez anos.

Para alguns, como parte do embelezamento está também o direito de, inclusive, realizar a autolesão que cada dia mais cresce no seio da sociedade. As tatuagens e os piercings que antes eram tidos como marcas nos corpos marginalizados, hoje são artes corpóreas. Vemos cada dia mais na sociedade os corpos com vastas tatuagens sendo tolerados e até mesmo admirados, ou sendo respeitados por serem características de grupos culturais que praticam a autolesão como forma de realização da própria personalidade – vide WANDERMUREM, Marli (Uma análise ético-filosófica do corpo no ordenamento jurídico Brasileiro… 2014, p. 66).

As lesões decorrentes das tatuagens, dos piercings, alargamentos de orelhas ou das aberturas das narinas se inserem nas modificações mais comumente praticadas. Também existem intervenções mais drásticas ou extremas como as bodys modifications, nas quais se realizam bifurcações na língua, são inseridas próteses de silicones sobre a pele para destacar tatuagens; coloca-se titânio na cabeça ou na boca; ou até mesmo se realiza a transformação corporal nos denominados “homem-lagarto” ou “homem-gato”, num processo que rotulam de desconstrução do belo. Há também hipóteses de bradings prática que consiste na aplicação de ferro quente na pele da pessoa com uma chapa esquentada por um maçarico, semelhante à marcação utilizada no gado. O objetivo, nesse caso, é formar uma cicatriz com o desenho desejado por quem faz a transformação – vide Brasil Escola, 2015.

Existem ainda pessoas denominadas de wannabes ou apotemnófilas que possuem compulsão pela amputação de membros específicos do corpo, por considerarem que aquela parte corporal as incomoda, e não traduzem ou representam sua real identidade física.

Em uma obra magnífica sobre o tema, Mônica Silveira Vieira (Modificações corporais, limites da disponibilidade e responsabilidade. Curitiba: Juruá, 2015, p. 54) consigna que

“Para o estabelecimento dos limites de disponibilidade do direito ao corpo, é necessário verificar-se, em tais casos, há exercício regular do direito a identidade pessoal, por meio de admissível exercício do direito ao próprio corpo. Relevante também perquirir se o direito ao reconhecimento, estabelecimento, desenvolvimento e respeito da identidade pessoal e o direito ao corpo admitem modificações assim radicais e intensas, se tais práticas interferem nos direitos das demais pessoas e quais os efeitos jurídicos de eventual colisão de direitos. Tal estudo deve ter em vista sempre o princípio da dignidade da pessoa humana, que confere fundamento a todos os direitos da personalidade e os informa.”

Todas as modificações corporais descritas – desde as mais comuns e brandas até as mais drásticas – se inserem dentro da autonomia que cada um tem do seu próprio corpo. Se a modificação não interfere na vida ou na liberdade alheias, por mais excêntrica ou grotesca que seja (aos olhos do outro, diga-se de passagem), deve ser tolerada e respeitada.

Na parte 03 iremos analisar como o STJ trata as intervenções cirúrgicas estéticas e reparadoras: o tipo de responsabilidade civil, a modalidade de obrigação etc.


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