| 5 julho, 2020 - 11:53

Juíza alega ‘pobreza’ e entra na Justiça para ganhar remédio de R$ 215 do Estado

 

Uma juíza de Cuiabá havia entrado com uma ação civil para tentar obrigar o Estado de Mato Grosso e a cidade de Cuiabá a fornecerem-lhe remédios para o tratamento de uma trombose venosa profunda dos membros inferiores por via judicial, com pedido de tutela de urgência e justiça gratuita, mas desistiu do processo quando o

Uma juíza de Cuiabá havia entrado com uma ação civil para tentar obrigar o Estado de Mato Grosso e a cidade de Cuiabá a fornecerem-lhe remédios para o tratamento de uma trombose venosa profunda dos membros inferiores por via judicial, com pedido de tutela de urgência e justiça gratuita, mas desistiu do processo quando o juízo da Primeira Vara Especializada da Fazenda Pública de Várzea Grande determinou que ela comprovasse sua necessidade financeira.

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Conforme o narrado nos autos, ela alegou que os benefícios da justiça gratuita eram “serviços advocatícios pro bono” e que estava sem recursos para se responsabilizar pelos custos do tratamento porque é arrimo de família e responsável, sozinha, pelo sustento dos pais idosos e de uma sobrinha, por isso precisava do SUS (Sistema Único de Saúde) e consequentemente protocolar requerimento na Ouvidoria de Gestão em Mato Grosso. O remédio custa R$ 215.

Lá, a resposta foi informá-la que o referido medicamento não estava na relação das composições químicas previstas na norma comum do SUS e, portanto, não havia previsão de regularização do seu fornecimento.

O colega dela na magistratura, José Luiz Lindote, determinou-lhe a juntada de documentos que comprovassem, enfim, a hipossuficiência econômica, como comprovante de renda familiar, e que esclarecesse, por exemplo, se era ou não beneficiária de planos de saúde. Foi a senha para a desistência.

“Devidamente qualificada nos autos da ação ordinária de obrigação de fazer c/c pedido de tutela de urgência (…) vem à presença de Vossa Excelência, através de seu advogado, declarar que desiste de prosseguir com a ação acima especificada, requerendo assim, à Vossa Excelência, na forma do Art. 485, Inciso VIII, do Código de Processo Civil, que se declare extinto o processo sem resolução do mérito”, diz a petição da juíza.

Antes de tudo ser resolvido, no entanto, ela teve que ler uma repreensão dada pelo companheiro de profissão, que lembrou à magistrada que demandas judiciais devem ser literalmente precedidas de verdadeira necessidade. 

“Em atenção ao princípio da universalidade de acesso aos serviços de saúde, destaca-se que esta deve ser concretizada em sede de ambivalência ao princípio da razoabilidade, para que não se imponha lesão à ordem econômica e consequente tratamento diferenciado ao paciente em relação aos demais usuários do SUS”, consta em trecho da decisão.

Depois, foi ainda mais explícito ao deixar claro que entende que impor à rede pública a obrigação de financiar toda e qualquer ação e prestação de saúde existente geraria grave lesão à ordem administrativa e levaria ao comprometimento do SUS, prejudicando o atendimento médico da parcela da população que mais precisa, como os que agora estão vivendo com R$ 600 mensais.

“Nesse sentido, entendo que os demandantes judiciais devem arrazoar-se da boa-fé quando da propositura de ações, ainda mais sobre as que venham a versar sobre recursos erários destinados à saúde pública, dos quais dependem exclusivamente grande parte da população hipossuficiente”, repreendeu à juíza.

Por fim, a magistrada ainda foi lembrada do valor do gasto, R$ 215, em comparação com os proventos recebidos por ela, “em sopesamento às determinadas condições ocupacionais e laborais, restaria ínfimo”, principalmente quando a situação é contraposta às demandas com as quais contam o Sistema Público de Saúde.

“Pelo exposto, intime-se a parte autora para, no prazo de 10 dias, juntar aos autos comprovante de renda familiar, bem como para esclarecer se é beneficiária de plano de saúde, demonstrando documentalmente a incapacidade financeira de arcar com o medicamento sub judice. Decorrido o prazo, venham os autos conclusos para deliberações”, escreveu Lindote.

A resposta da magistrada requerente foi sucinta: afirmou que os requeridos não foram citados e por isso não era necessário o consentimento dos mesmos para a desistência, conforme previsão do art. 485, §4º do CPC. Citou ainda o Enunciado 90 do Fonaje.

“’A desistência do autor, mesmo sem a anuência do réu já citado, implicará na extinção do processo sem julgamento do mérito, ainda que tal ato se dê em audiência de instrução e julgamento (XVI Encontro – Rio de Janeiro/RJ)’.  Posto isso, requer que se digne Vossa Excelência a homologar a presente desistência por sentença e extinguir o processo com fundamento no art. Art. 485, Inciso VIII, do Código de Processo Civil. Termos em que pede deferimento”.

Folhamax


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