| 13 março, 2020 - 08:52

Operação Godfather: MPF denuncia e pede prisão de empresário que fugiu do Brasil

 

Anthony Armstrong enganou quase 2 mil investidores, principalmente de Singapura e do Reino Unido, com a suposta construção de casas populares no RN.

Foto: Ilustrativa

O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com uma denúncia contra o empresário inglês Anthony Jon Domingo Armstrong Emery – ex-presidente do Alecrim Futebol Clube – e outros sete envolvidos em um esquema de lavagem de dinheiro promovido no Rio Grande do Norte, entre os anos de 2012 e 2014, que desviou pelo menos R$ 75 milhões de quase 2 mil investidores.

Através do chamado Grupo Ecohouse, o empresário junto de sua enteada e principal sócia, Gabriela Medeiros de Oliveira, prometia aos investidores ganhos de 20% por ano. A rentabilidade viria da construção e venda de moradias populares dentro do programa “Minha Casa, Minha Vida”, no Rio Grande do Norte. No entanto, as obras não eram concluídas ou sequer foram iniciadas; o grupo não possuía convênio com o programa federal (embora divulgasse que era a única empresa inglesa a deter tal privilégio); e o dinheiro dos investidores nunca foi devolvido.

Além dos dois, a ação penal – de autoria do procurador da República Renan Paes Felix – inclui entre os denunciados um funcionário da Caixa Econômica Federal – Jônatas Aragão Ramos – que atestou ilegalmente e com base em informações mentirosas que a construtora de Anthony Armstrong possuía contrato com o “Minha casa”. O banco esclareceu que não costuma emitir esse tipo de documentação e que o funcionário não tinha o direito de fazê-lo.

Também são alvos da denúncia cinco contadores que assinavam como “profissionais independentes” as declarações (107 ao todo) que atestavam o suposto andamento das obras: Aritelmo Franco da Silva, Alexandre Magno Mendes, André Pinheiro Lopes, Jailson Silva de Araújo e Michel Ralan Bezerra Barros. Eles nunca visitaram nem mesmo os canteiros. As declarações falsas ajudavam a ludibriar os investidores.

Prisão – O MPF também requer a prisão preventiva do empresário e sua enteada. O pedido chegou a ser feito no curso da investigação, por parte da Polícia Federal, porém a Justiça entendeu na época que seriam suficientes a apreensão dos passaportes e a proibição de os dois saírem do país. Porém, mesmo assim eles fugiram do Brasil e, depois de passar pelo Principado de Mônaco e pelos Emirados Árabes Unidos, hoje se encontram em local desconhecido, “provavelmente usufruindo dos recursos que amealharam criminosamente”, lamenta o MPF.

A denúncia é fruto da chamada Operação Godfather, deflagrada em 2014, cujas investigações tiveram início a partir de informações do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). A nomenclatura fazia alusão ao título em inglês dos famosos livros e filmes cujo nome em português, “O Poderoso Chefão”, se tornou apelido de Anthony Armstrong no RN.

Prejuízos – O MPF detalha que o esquema prejudicou até 1.500 investidores de Singapura e aproximadamente 350 do Reino Unido. Embora tenham passado pelas contas do Grupo Ecohouse R$ 75 milhões nos dois anos e meio, há relatos de prejuízos ainda maiores. Uma advogada que representa 400 clientes de Singapura calcula em R$ 64 milhões o prejuízo de seus representados.

Já no Reino Unido, onde Armstrong foi condenado em março de 2019 pela Suprema Corte Britânica, o prejuízo estimado no processo (em relação aos 350 investidores locais) foi de aproximadamente R$ 120 milhões. Naquele país, cada interessado investia 23 mil libras esterlinas (uma libra vale hoje aproximadamente R$ 6), enquanto em Singapura cada cota era vendida por 46 mil dólares de Singapura (cada um está em aproximadamente R$ 3,5).

O dinheiro era captado através da Ecohouse Brasil Construções (uma das empresas do grupos e que atuava ilegalmente como instituição financeira) e desviado para gastos pessoais dos dois principais envolvidos, além de investimentos em outras empresas do grupo. Pelo menos R$ 4 milhões foram gastos com o Alecrim Futebol Clube, do qual Armstrong chegou a ser presidente; sem contar despesas com empresas particulares dos dois líderes do esquema, como a QRV Segurança, o restaurante Liquid Lounge e a E H Negócios Imobiliários. Essa última de fachada.

Campeonato – Gabriela Medeiros e seu padrasto curtiam uma vida de luxo, viagens e compras, até como forma de transmitir aos investidores a “saúde financeira” de seus negócios. Na verdade, algumas poucas obras eram tocadas para servir de chamariz e, quando investidores vinham visitá-las, um “rodízio de operários” era promovido para dar a impressão de que estavam a pleno vapor.

No caso do Alecrim, os valores empregados não foram registrados na contabilidade do clube, que ao final o empresário abandonou, deixando como legado uma série de ações trabalhistas e uma mancha na reputação do time. Cerca de R$ 1 milhão também foi gasto na promoção da Copa Ecohouse, que reuniu 16 clubes em 2013, incluindo alguns dos maiores do Nordeste e até mesmo o Fluminense, do RJ. Todo esse investimento visava à divulgação da imagem de Armstrong como um grande empresário, somando-se ao arsenal de mentiras contadas aos investidores.

Acusações – Os dois líderes do grupo poderão responder por cinco tipos de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei 7.492/86). Por divulgar informações falsas aos investidores; utilizar de má-fé (como no uso de documentos falsos); apropriar-se do dinheiro alheio em proveito próprio; induzir os investidores a erro; e operar instituição financeira sem a devida autorização.

Eles também foram denunciados por lavagem de bens (Lei nº 9.613/98) e, junto de Jônatas Aragão, por associação criminosa (artigo 288 do Código Penal). O funcionário da Caixa e os cinco contadores podem responder por falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal). A ação irá tramitar na Justiça Federal sob o número 0801651-77.2020.4.05.8400.


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