Logo que entrou no escritório de advocacia, no qual fez uma longa carreira, o advogado Mark Herrmann teve de fazer um treinamento intensivo em técnicas e estratégias do tribunal do júri. Reforçou a teoria que havia absorvido na faculdade. Mas, com o tempo, aprendeu, com a experiência, que, na prática, a teoria é outra.
Em um artigo para o site Above the Law, Herrmann dá um exemplo. Na teoria da inquirição direta de suas próprias testemunhas, as perguntas não podem ser indutoras de respostas (leading questions); não podem ser compostas; não podem dar margem a respostas narrativas. E, de uma maneira geral, não pode fazer coisas que resultam em protestos da outra parte.
Mas, na prática, viu que criminalistas competentes não seguiam essas regras. Um deles começava todas as inquirições diretas de suas testemunhas com a pergunta: “Você pode nos dizer alguma coisa sobre você mesmo — onde você nasceu, onde cresceu, que escolas frequentou?”
Isso obviamente desrespeita a teoria: é uma pergunta composta, que dá margem à resposta narrativa. E pode resultar em protesto da parte adversária, com a alegação de que a história pessoal da testemunha é irrelevante para o julgamento.
Porém o advogado aprendeu, na prática, duas lições interessantes. A primeira foi de que, na verdade, essa pergunta é importante, porque proporciona à testemunha a oportunidade de superar possíveis tensões e relaxar. Em um estado mental mais tranquilo, ela não se esquecerá de dar as respostas apropriadas, como foi combinado, às perguntas relevantes da inquirição direta.
Ele também aprendeu, na prática que protestar, nesse caso (e em alguns outros), é bobagem. Por mais que informações sobre a vida pessoal da testemunha possam ser irrelevantes para o julgamento, podem ser relevantes para os jurados, porque pode interessar a eles saber com quem estão lidando. E não é bom contrariar a curiosidade dos jurados.
Um detalhe interessante nessa pergunta: o advogado que faz a inquirição cruzada pergunta à testemunha: “você pode nos dizer…” — em oposição a “você pode dizer ao júri”. “Isso é psicologia básica”, diz Herrmann. “Você quer estar do lado dos jurados. Dar a ideia de que estamos nisso juntos. Todos nós queremos ter essas informações”.
Em outras palavras, o advogado não quer estabelecer uma separação entre ele e os jurados. É claro que o advogado já conhece as respostas a essas perguntas. Mas não é preciso deixar claro que ele sabe, mas os jurados não sabem. E pedir para a testemunha esclarecer os jurados — aqueles que estão do outro lado. “Não, nós estamos do mesmo lado, queremos saber as mesmas coisas”, ele diz.
Em seu treinamento no escritório, Herrmann aprendeu que sua atuação no tribunal do júri tem de ser perfeita. “Nunca cometa um erro”, lhe disseram. “Seu desempenho perante o júri deve parecer o de um cirurgião altamente qualificado. Tudo foi cuidadosamente estudado e realizado com perfeição. Sem erros”.
Na verdade, alguns criminalistas sagazes cometem erros propositais. Herrmann deu um exemplo do que fez um advogado de defesa, em uma inquirição: “Você recebeu US$ 10 mil pelo primeiro contrato e, então, mais US$ 10 mil pelo segundo contrato… bem, no total você recebeu US$ 30 mil, correto?”
Reação da outra parte: “Protesto! A matemática está errada”.
Nesse ponto, os jurados se aprumam nas cadeiras e concentram seus olhares e toda sua atenção no advogado que fez a conta errada, para ver o que ele iria dizer.
“Oh, me desculpem. Você está certo. Na verdade, foram três contratos de US$ 10 mil cada um, o que perfaz o total de US$ 30 mil, correto? Esqueci de citar o terceiro contrato”.
Tudo que o advogado queria era que os jurados fixassem em suas mentes que foram três contratos, pelos quais foram pagos o total de US$ 30 mil. Ele não teria sido bem-sucedido nessa estratégia, se a outra parte não houvesse protestado. “Não caia nessa armadilha. Deixe que os jurados façam a conta”, ele diz.
Obviamente, protestos devem ser usados, porque fazem parte do bom andamento do julgamento. Porém, é preciso ter consciência de que protestos chamam a atenção dos jurados – às vezes, para o que não deve. Outro exemplo histórico:
— Que universidade você frequentou?
— Harvard.
— Quando você se formou?
— 1940
— Esse foi o mesmo ano que o presidente Kennedy se formou, não foi?
— Sim, Kennedy e eu fomos cocapitães do time de regata da universidade.
— Protesto! Irrelevante.
O juiz instruiu os jurados a não levar em conta a resposta à última pergunta. Porém, o “mal” já estava feito. Não havia como não simpatizar com um sujeito que foi parceiro de Kennedy. Os jurados redobraram a atenção para ouvir o que ele tinha a dizer.
Conjur