| 10 fevereiro, 2020 - 07:30

O uso do WhatsApp como prova na Justiça

 

A partir desses diálogos, a Justiça assumiu que João havia tido um relacionamento com Maria e deveria ser o pai do filho que ela esperava, e determinou que ele deveria pagar pouco mais de R$ 1.000 por mês a ela

“Estou pensando aqui”, escreveu Maria, de 25 anos, para João, de 29, alguns dias depois de uma noite de sexo. “O quê?”, perguntou o empresário. “Vc sem camisinha… e eu sem pílula”, lembrou a mulher, que trabalha na área administrativa de um hotel. “Vai na farmácia e toma uma pílula do dia seguinte”, disse ele. “Eu já deveria ter tomado no domingo.” Ou seja, o medicamento para evitar uma gravidez já não teria efeito, explicou ela. Os dois haviam se conhecido pelo Tinder, um aplicativo de relacionamentos, e ficaram só aquela vez. Os temores que as mensagens indicam se confirmaram, e no mês seguinte Maria estava grávida. As conversas, por WhatsApp, continuaram, no mesmo tom. “Amanhã tenho o primeiro pré-natal. Será que você pode ir comigo?”, perguntou Maria. “Olá… já estou dormindo… bjo”, foi a resposta. “Fui à médica, preciso ficar dez dias em repouso absoluto. Minha irmã e meu cunhado querem te conhecer. Vc pode vir este final de semana, podemos marcar um almoço ou um jantar? Beijos”, enviou ela, moradora de Campinas, para o homem, que vive na capital paulista. “Bom dia! Fds vou trabalhar! Bjo.

Reprodução

A troca de mensagens, do início de 2014, toca em vários pontos dos relacionamentos atuais — as relações fugazes da era dos aplicativos, os diálogos curtos e superficiais por mensagens, e o típico “boy lixo”, como são definidos os homens que tratam mal as mulheres. Elas são, também, e literalmente, a prova de um fenômeno que se disseminou nos últimos tempos, o uso de mensagens de WhatsApp em processos na Justiça. A partir desses diálogos, a Justiça assumiu que João havia tido um relacionamento com Maria e deveria ser o pai do filho que ela esperava, e determinou que ele deveria pagar pouco mais de R$ 1.000 por mês a ela, ainda durante a gravidez, para arcar com “alimentos gravídicos”, um auxílio para cobrir custos durante a gestação. Como o processo correu em sigilo, e para não expor os envolvidos, os nomes verdadeiros não foram revelados nesta reportagem.

“Em relacionamentos eventuais, como nesse caso, é mais difícil comprovar um vínculo. A conversa, no entanto, trouxe o reconhecimento da relação sexual, oferecendo um indício de que o filho seria dele”, explicou a ÉPOCA o advogado Ricardo Nacle, que atuou no caso. “Sem o diálogo no WhatsApp, certamente não seria possível obter os alimentos gravídicos. As outras provas seriam muito rarefeitas.”

Foto: Arte de ÉPOCA

Mesmo sem legislação específica para apontar o que pode e o que não pode ser levado do WhatsApp para os tribunais, o uso de conversas do aplicativo de mensagens como evidência jurídica aparece em casos que vão desde pagamento de pensão alimentícia até demissões por justa causa, passando por relações societárias, direito do consumidor e até reparação de erros médicos. Na verdade, segundo advogados e juristas consultados por ÉPOCA, é mais fácil perguntar qual seara judicial ainda não foi invadida. Conversas a dois que antes seriam impossíveis de ser comprovadas agora têm a materialidade no “print” do diálogo. Uma década depois da criação do aplicativo de troca de mensagens mais popular do mundo, com estimados 800 milhões de usuários em dezenas de países, o lema mudou: em vez de “tudo que você disser poderá ser usado contra você no tribunal”, agora tudo que você enviar pelo WhatsApp poderá ser usado contra você no tribunal — e será.

Época


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