O vigente Código de Processo Civil (Lei 13.105/15) deu novos contornos à fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais e deve ser obrigatoriamente observado em razão de se tratar de norma cogente. A matéria é disciplinada pelo artigo 85 e seus parágrafos. Dentre as alterações, destaca-se o detalhamento do regime aplicável às causas em que a Fazenda Pública for parte.
Historicamente, o valor da verba advocatícia vem sendo apurado por duas metodologias distintas: conjugação da base de cálculo com a alíquota fixada pelo juiz (critério convencional) ou arbitrado por este em valor certo segundo o critério de equidade (apreciação equitativa).
Sob a égide do CPC/73, o STJ firmou o entendimento repetitivo no sentido de que o julgador poderia adotar qualquer dos dois critérios na hipótese de ser vencida a Fazenda Pública[1]. Entretanto, no novo codex o critério convencional passou a ser a regra geral, já que a fixação dos honorários por apreciação equitativa foi permitida apenas quando for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo (art. 85, §8º do CPC/15). Essa alteração tem suscitado debates na jurisprudência acerca das hipóteses de aplicação da apreciação equitativa.
A 2ª Seção do STJ[2] firmou entendimento no sentido de que em decorrência da referida alteração a apreciação equitativa somente pode ser utilizada nas hipóteses taxativamente previstas. Em todos os outros casos deve ser “observada a ordem decrescente de preferência dos critérios (ordem de vocação) para fixação da base de cálculo dos honorários, na qual a subsunção do caso concreto a uma das hipóteses legais prévias impede o avanço para outra categoria”[3].
Por outro lado, em um primeiro momento a 2ª Turma do STJ[4] concluiu que “a regra do artigo 85, § 3º, do atual CPC — como qualquer norma, reconheça-se — não comporta interpretação exclusivamente pelo método literal (…) Dessa forma, a regra do artigo 85, § 8º, do CPC/2015 deve ser interpretada de acordo com a reiterada jurisprudência do STJ, que havia consolidado o entendimento de que o juízo equitativo é aplicável tanto na hipótese em que a verba honorária se revela ínfima como excessiva”[5].
Entretanto, o referido julgado foi anulado porque a mesma questão já estava sendo apreciada pela Turma no REsp 1.644.077 desde 22/8/2017, no bojo do qual já foi proferido o voto do relator, ministro Herman Benjamin, no sentido de prestigiar a apreciação equitativa e os votos divergentes dos ministros Mauro Campbell e Og Fernandes, no sentido de determinar a observância da ordem de vocação, na linha do entendimento firmado pela 2ª Seção. Atualmente aguarda-se a apresentação do voto-vista da ministra Assusete Magalhães.
Considerando a inexistência de posicionamento da Corte Especial e de consenso entre os órgãos colegiados que compõem o STJ, o tema merece reflexões. Afinal, qual é a discricionariedade do julgador na aplicação do regramento previsto no CPC/15 para a fixação dos honorários advocatícios?
Com efeito, em detalhamento à regra geral, o CPC/15 impõe a adoção de uma de três grandezas distintas como base de cálculo da verba honorária: (a) o valor da condenação quando se tratar de sentença condenatória ou (b) o proveito econômico para as sentenças declaratórias ou constitutivas (§3º). Não havendo condenação ou não sendo possível aferir o proveito econômico, (c) o valor atualizado da causa (§4º, III).
Também foram previstas quatro faixas de alíquotas sucessivas e escalonadas de acordo com o valor da base de cálculo (§3º, I a V), cabendo ao julgador estabelecer os percentuais dentro dos limites mínimos e máximos, proporcionalmente ao grau de zelo do profissional; ao lugar de prestação do serviço; à natureza e a importância da causa; ao trabalho realizado pelo advogado e ao tempo exigido para o seu serviço (§2º, I a IV).
A literal redação do artigo 85 e de seus parágrafos não deixa margens ao alvedrio do julgador: o livre arbitramento, com espeque na apreciação equitativa, é exceção à regra, aplicável apenas aos casos taxativamente previstos. A esse despeito, o CPC/15 ainda encontra dificuldades em sua aplicação, seja por resistência por parte dos julgadores, seja por aplicação equivocada dos dispositivos.
Não raras vezes o jurisdicionado se depara com decisões que admitem o cálculo dos honorários por equidade em ações com valores “exorbitantes”, ou afastam a aplicação do CPC/15 e arbitram os honorários a seu bel prazer com escusa nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Na primeira hipótese, o julgador confere interpretação analógica à norma insculpida no § 8º do artigo 85, pois, embora o dispositivo trate apenas dos casos em que o valor da causa for muito baixo ou o proveito econômico for inestimável/irrisório, é razoável que a verba honorária seja arbitrada equitativamente quando os honorários advocatícios resultarem em montante exorbitante[6].
Ocorre que a interpretação analógica é facultada ao julgador apenas na existência de lacuna legislativa. Por outro lado, não há espaço de discricionariedade na ausência de lacuna, pois regras jurídicas são aplicáveis segundo um modelo de tudo-ou-nada, de modo que “se os fatos estipulados por uma regra estão dados, então, ou a regra é válida, situação na qual a resposta que ela fornece precisa ser aceita, ou não é válida, circunstância na qual ela não contribui em nada para a decisão”[7].
Diante da taxatividade do §8º do artigo 85 do CPC/15 (que reservou o arbitramento de honorários por equidade para quadros fático pontuais), o critério convencional deve ser obrigatoriamente aplicado a todos os casos que não se adequem às exceções categoricamente elencadas.
Outrossim, na segunda hipótese, o julgador simplesmente afirma que os princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade se sobrepõem a sistemática prevista no CPC/15, pois supostamente leva a condenações excessivas e injustas, razão por que afasta a sua aplicação e arbitra um valor que entende adequado.
Entretanto, a possibilidade jurídica de aplicação dos princípios é delimitada pela existência das regras jurídicas. Na lacuna normativa são utilizados para encontrar a solução mais adequada ao caso, ao passo que na coexistência os princípios norteiam a aplicação das leis como “mandados de otimização”, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal[8].
Tanto é assim que “ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência” (artigo 8º do CPC/15) e somente “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito” (artigo 4º da LINDB – Decreto-Lei 4.657/42).
Portanto, na ausência de lacuna a ser preenchida pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, estes devem nortear — e não afastar — a aplicação da norma cogente do artigo 85 do CPC/15, cabendo a sua utilização apenas como “mandados de otimização” para balizar a fixação do percentual de honorários advocatícios, considerando o grau de zelo do profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para seu serviço.
Se não há dúvida a respeito da norma construída a partir do artigo 85 do CPC/15, “utilizar os princípios para contornar a Constituição ou ignorar dispositivos legais — sem lançar mão da jurisdição constitucional (difusa ou concentrada) — é uma forma de prestigiar a irracionalidade constante no oitavo capítulo da TPD de Kelsen”[9].
Isso não quer dizer que os referidos princípios são irrelevantes na aplicação da norma, até mesmo porque o juízo de proporcionalidade foi feito pelo legislador quando gradou os percentuais de acordo com o valor da base de cálculo e definiu os limites mínimos e máximos em que o julgador pode transitar com observância aos parâmetros. Portanto, para as causas de valores supostamente “exorbitantes” já existe o próprio escalonamento da lei que não violou, mas sim prestigiou os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Como se vê, os referidos parâmetros buscam justamente concretizar o postulado axiológico dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, razão por que, na hipótese mencionada, as decisões foram desproporcionais e desarrazoadas já que fixaram os honorários de forma arbitrária ante a adoção de critério sem fundamento legal.
Em conclusão, se “o âmbito do juridicamente possível é determinado pelos princípios e regras opostas”[10] e se o CPC/15 foi exaustivo no detalhamento das regras e limites aplicáveis a cada hipótese fática, o julgador não possui espaço de discricionariedade para decidir fora da moldura normativa estabelecida. Não há que se falar em injustiça ou exorbitância no ponto, afinal “o processo deve dar, na medida do possível, a quem tem um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo que tem direito de conseguir”[11].