| 26 março, 2020 - 19:38

JFRN determina que CODERN comprove estar operando porto ilha conforme normas sanitárias da Anvisa no combate ao coronavírus

 

Liminar solicita que a Anvisa fiscalize a operação do Porto Ilha

O Juiz da 10ª Vara Federal, Lauro Henrique Lobo Bandeira concedeu liminar favorável à Prefeitura Municipal de Areia Branca, para que a CODERN, no prazo de 24 horas, apresente relatório expositivo das medidas tomadas para controle de pessoal, bem como das providências preventivas em relação ao controle de transmissão da COVID-19 nas dependências do Terminal Salineiro -Luís Fausto de Medeiros, o Porto Ilha, e que informe ao Município de Areia Branca/RN, em especial, ao Comitê de Gerenciamento das Medidas Preventivas à COVID-19, sobre casos suspeitos a fim de que sejam monitorados pelos órgão responsáveis deste Município.

A liminar solicita ainda que a ANVISA proceda à imediata inspeção no Terminal Salineiro Luís Fausto de Medeiros a fim de atestar a adequação das dependências do Porto às medidas de prevenção determinadas pelos entes públicos e órgãos competentes, sob pena de multa diária no valor de R$ 5.000,00.

Veja a íntegra da decisão:

DECISÃO

Trata-se de Ação Civil Pública proposta pelo MUNICÍPIO DE AREIA BRANCA/RN em face da UNIÃO, da AGENCIA NACIONAL DE VIGILANCIA SANITARIA – ANVISA e da COMPANHIA DOCAS DO RIO GRANDE DO NORTE-CODERN , objetivando, liminarmente: a) que a CODERN, no prazo de 24 horas, apresente relatório expositivo das medidas tomadas para controle de pessoal, bem como das providências preventivas em relação ao controle de transmissão da COVID-19 nas dependências do Terminal Salineiro Luís Fausto de Medeiros; b) que a CODERN informe ao Município de Areia Branca/RN, em especial, ao Comitê de Gerenciamento das Medidas Preventivas à COVID-19, sobre casos suspeitos a fim de que sejam monitorados pelos órgão responsáveis deste Município; c) que seja determinada imediata inspeção pela ANVISA no Terminal Salineiro -Luís Fausto de Medeiros a fim de atestar a adequação das dependências do Porto às medidas de prevenção determinadas pelos entes públicos e órgãos competentes.

Relata que, apesar de as medidas de prevenção e combate à pandemia do COVID-19 adotadas pelo Governo Federal em conjunto com os Estados e Municípios, a ANVISA e a CODERN não tomaram qualquer iniciativa de controle quanto ao acesso e ao desembarque de pessoas no Terminal Salineiro de Areia Branca/RN, pondo em risco toda a população do Município.

Aduz que a ausência de controle sanitário no referido Terminal põe a perder todas as medidas sanitárias já implementadas pela edilidade, ensejando a proliferação da doença no município de Areia Branca/RN.

Decido.

Da ilegitimidade ativa da União Inicialmente, são cabíveis algumas considerações a respeito da ilegitimidade da União para figurar no polo passivo da ação.

A parte autora requer que a ANVISA e a CODERN sejam compelidas a adotar uma série de medidas no sentido de garantir o controle da transmissão da COVID-19 nas dependências do Terminal Salineiro Luís Fausto de Medeiros.

É certo que a ANVISA, na qualidade de autarquia federal vinculada ao Ministério da Saúde, possui personalidade jurídica própria, detendo aptidão para figurar no polo passivo desta demanda.

Dessa forma, não há razão para a permanência da União no polo passivo da presente ação, devendo ser reconhecida sua ilegitimidade passiva para figurar no feito.

Do pedido liminar

O instituto da tutela de urgência de natureza antecipada, no plano geral do processo de conhecimento, nos termos do art. 300 do Código de Processo Civil de 2015, é admissível quando da existência dos seguintes requisitos: a) probabilidade do direito; b) perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.

Compulsando os autos, entendo que estão presentes os requisitos fáticos e jurídicos necessários à 1/4 concessão da medida pleiteada.

Visando ao combate e prevenção da pandemia do novo Coronavírus, o Governo Federal, em conjunto com os Estados e Municípios brasileiros, vem adotando uma série de medidas restritivas no sentido de conter a transmissão do COVID-19 em todo o país.

Nesse sentido, foi promulgada a Lei nº 13.979/20, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do Coronavírus, prevendo, dentre outras providências, a possibilidade de adoção da restrição excepcional e temporária, conforme recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, por rodovias, portos ou aeroportos:

Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, dentre outras, as seguintes medidas:

(…)

VI – restrição excepcional e temporária, conforme recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, por rodovias, portos ou aeroportos de:

a) entrada e saída do País; e

b) locomoção interestadual e intermunicipal;

De fato, a recomendação do Ministério da Saúde, até a presente data, é no sentido da manutenção do isolamento social e de outras medidas restritivas como meio de controle do alastramento da doença, evitando que um número maior de pessoas entrem em contato com o vírus e acabem contraindo a enfermidade.

Seguindo as recomendações do Governo Federal e do Ministério da Saúde, a Governadora do Estado do Rio Grande do Norte e o Prefeito do Município de Areia Branca editaram decretos dispondo sobre medidas restritivas a serem implementadas para mitigar a propagação da pandemia, a exemplo do Decreto Estadual nº 29.524/2020 e do Decreto Municipal nº 002/2020, que preveem medidas como a suspensão de atividades coletivas, de eventos de massa, de reuniões que envolvam aglomerações, etc.

A despeito das providências tomadas pelos governantes, o Município da Areia Branca/RN aponta à inicial que não houve, por parte da ANVISA e da CODERN, a adoção de medidas para combate à pandemia do COVID-19 no Terminal Salineiro de Areia Branca/RN, local de grande fluxo de pessoas e, consequentemente, de maior probabilidade de proliferação do Coronavirus. Com efeito, sendo os portos locais onde são carregadas e descarregadas mercadorias, com grande fluxo de pessoas, é fato que tais zonas se mostram vulneráveis à propagação do novo Coronavírus, necessitando de um controle efetivo acerca das medidas de contenção da pandemia.

De acordo com as disposições da Lei nº 9.782/99, que criou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, compete à União exercer a vigilância sanitária de portos, aeroportos e fronteiras, podendo essa atribuição ser supletivamente exercida pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios:

Art. 2º Compete à União no âmbito do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária: (…) 2/4

IV – exercer a vigilância sanitária de portos , aeroportos e fronteiras, podendo essa atribuição ser supletivamente exercida pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios; § 1º A competência da União será exercida:

(…)

II – pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVS , em conformidade com as atribuições que lhe são conferidas por esta Lei

Conforme estabelecido na Lei 8.080/90, ” Entende-se por vigilância sanitária um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, abrangendo: I – o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo; e II – o controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou indiretamente com a saúde.”

Portanto, vê-se que a legislação impõe à ANVISA um verdadeiro poder-dever de agir na execução das medidas de vigilância sanitária e epidemiológica, prevendo sua atuação direta no controle sanitário de portos, aeroportos e fronteiras.

Do mesmo modo, em se tratando de um terminal salineiro submetido à autoridade portuária da CODERN, cabe à referida empresa pública tomar as providencias necessárias para enfrentamento da COVID-19 no Terminal Portuário Areia Branca/RN.

Nesse sentido, inclusive, vê-se que a CODERN emitiu um “Protocolo Para Enfrentamento da COVID-19 Nos Terminais Portuários de Natal e Areia Branca/RN” ( http://codern.com.br/wp-content/uploads/2020/03/POP-COVID19-PORTOS-DE-NATAL-E-AREIA-BRANCA-REV-03.pd f ), em março de 2020, no qual estabelece diversos procedimentos técnicos e administrativos a serem adotados em situação de emergências em saúde, indicando as medidas para restringir danos à saúde individual e coletiva em virtude da pandemia do COVID-19.

Em que pesem as medidas já previstas pela CODERN para controle da propagação da doença nos limites do terminal salineiro, é certo que as providências de prevenção não devem se restringir somente à embarcação, devendo também se estender à proteção da população residente no municio de Areia Branca/RN.

Com efeito, como bem ressaltado à inicial, há que se considerar o fato de que boa parte dos trabalhadores portuários reside em Areia Branca/RN, havendo grande probabilidade de que tais empregados, ao retornarem para suas residências, acabem por transmitir o vírus à comunidade residente em Areia Branca/RN, pondo a perder todo o trabalho realizado pela edilidade no sentido de proteger a população da disseminação do vírus.

Sabe-se que o vírus apresenta um alto poder de contágio, de modo que a principal forma de transmissão da doença ocorre justamente entre pessoas. Para agravar ainda mais o quadro, há de se ressaltar a situação de calamidade e caos do sistema público de saúde, que há tempos se mostra falido e sem condições de atender a uma grande demanda de doentes, restando clara a importância de se combater a propagação da doença.

É premente, portanto, a necessidade de um controle efetivo quanto ao acesso e ao desembarque de pessoas no Porto de Areia Branca/RN, a ser realizado em consonância com as orientações emanadas dos órgãos de saúde, de maneira a permitir a adoção de medidas para evitar a transmissão da COVID-19 tanto nas dependências do Terminal Salineiro, quanto na população do município de Areia Branca/RN.

Ante o exposto, DEFIRO o pedido de tutela antecipada formulado à inicial para determinar:

a) que a CODERN, no prazo de 24 horas, apresente relatório expositivo das medidas tomadas para controle de pessoal, bem como das providências preventivas em relação ao controle de transmissão da COVID-19 nas dependências do Terminal Salineiro -Luís Fausto de Medeiros;

b) que a CODERN informe ao Município de Areia Branca/RN, em especial, ao Comitê de Gerenciamento das Medidas Preventivas à COVID-19, sobre casos suspeitos a fim de que sejam monitorados pelos órgão responsáveis deste Município;

c) que a ANVISA proceda à imediata inspeção no Terminal Salineiro Luís Fausto de Medeiros a fim de atestar a adequação das dependências do Porto às medidas de prevenção determinadas pelos entes públicos e órgãos competentes, sob pena de multa diária no valor de R$ 5.000,00.

Intime-se com urgência os réus para imediato cumprimento.

Exclua-se a União da lide.

Considerando que a matéria discutida não admite autocomposição, citem-se os réus para apresentarem contestação no prazo de 15 dias, sendo em dobro para a Fazenda Pública.

Ciência ao MPF, para acompanhar o feito na condição de fiscal da lei.

Expedientes necessários, no plantão.

Mossoró, 26 de março de 2020.

LAURO HENRIQUE LOBO BANDEIRA

Juiz Federal da 10ª Vara SJRN


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