A OAB/RJ, por meio de sua Comissão de Prerrogativas, oficiou ao juiz Claudio Manoel Barros Souto, diretor do Fórum de Angra dos Reis, para que preste esclarecimento a respeito da violação sofrida pela advogada Maelen Bernardo Leone que, grávida, foi coagida ao se negar a passar pelo raio-X para ingressar no prédio.
O direito de entrar em tribunais sem ser submetida a detectores de metais e aparelhos de raios-X – que podem expor a mulher a complicações em sua gestação – é uma prerrogativa trazida pela lei 13.363/16, mais conhecida como Lei Julia Matos.
(Imagem: OAB/RJ)
O ofício foi entregue a Souto pelas mãos de Fernanda Mata, coordenadora de Prerrogativas da Mulher Advogada da Seccional, em reunião requerida pelo presidente da OAB/Angra dos Reis, Luís Carlos Jordão, e pelo presidente da Comissão de Prerrogativas da subseção, Jorge Barouch.
Na ocasião, Mata conta que representou a advogada, a seu pedido, pois a mesma se sentia abalada psicologicamente para o encontro com o representante do fórum. Segundo Leone, foram pelo menos três as vezes em que ela não foi liberada para entrar no tribunal sem passar pelo raio-X, sendo constrangida quando afirmava sua prerrogativa.
Na primeira, em dezembro, ela estava grávida de dois meses e, por ser presidente da Escola de Prerrogativas, já acreditava que enfrentaria problemas com a questão. Por isso, levou consigo seu exame de gravidez, assim como a orientação contida na lei:
“Nós sabemos o quanto as prerrogativas são desrespeitadas, principalmente a Lei Julia Matos. Mas uma coisa posso afirmar agora: é muito diferente falar sobre nossos direitos, saber, e viver a violação na prática. É algo humilhante, que de fato te impede de exercer seu trabalho da melhor forma.”
De acordo com Leone, ao negar sua submissão ao raio-X ela foi levada à equipe de segurança do fórum, que a constrangeu, inclusive na frente de sua cliente.
“Eu tinha uma perícia agendada para as 14h, o horário ia se aproximando e nada de me liberarem. Minha cliente chegou, fiquei mais nervosa ainda com ela acompanhando aquela situação a qual estavam me submetendo, pedi para ela ir na minha frente para não perder o horário. E somente após as 14h30 eu fui enfim liberada, mas acompanhada por um policial militar, o que me gerou ainda mais constrangimento. Aceitei porque não queria perder a perícia.”
Segundo ela, nesse espaço de tempo ouviu de um segurança que “juiz passa, defensor passa, promotor passa, então por que ela não passaria pelo pórtico?” e que “ela nem tinha barriga de grávida”.
“Realmente senti ali um tratamento que rebaixa a figura do advogado, sabe? Me senti muito mal, muito constrangida. Eu explicava que estava amparada por lei e ouvi que não havia essa recomendação no Estado do Rio de Janeiro, de que mulheres grávidas fossem dispensadas do raio-X. A partir dessa violação, entendi que sozinhos somos frágeis e como profissionais atuando na defesa dos direitos dos nossos clientes, ficamos à mercê daqueles que deveriam exigir e praticar o fiel cumprimento da lei, porém esses acabam se tornando os principais violadores de prerrogativas da advocacia e por conseguinte dos direitos de todos os cidadãos.”
Leone pediu amparo à Comissão de Prerrogativas. “Eu até evitava ir lá para não ter que passar por isso, pois todas as vezes era assim, tinha que entrar no fórum acompanhada por um policial militar durante todo o tempo, era a única condição para que eu não passasse pelo aparelho”.
Segundo Fernanda Mata, a OAB/RJ trata com toda a rigidez os casos de violação da Lei Julia Matos. A coordenadora atua no caso junto à assessora da Diretoria de Mulheres da Seccional, Flávia Monteiro; à coordenadora regional da diretoria na Costa Verde, Jucimar de Almeida Silva; e à vice-presidente da OAB/Angra, Edna Neves. O grupo presta, também, acolhimento à vítima.
“Gravidez não é doença, mas as prerrogativas da mulher grávida não são frescura. São direitos garantidos por lei. E sempre que tiver uma violação desse tipo a Comissão, assim como a Diretoria de Mulheres, terá um olhar rígido. Não é só pela Maelen, mas é pela advocacia feminina. Quando Maelen é escoltada por um policial no seu trabalho, como se tivesse cometido algum crime, algum deslize, todas nós, advogadas estamos sendo escoltadas junto com ela.”
Fernanda Mata conta que o diretor do fórum recebeu o ofício para responder ao processo, mas que, antecipadamente, já se pronunciou a respeito, entendendo que o que ocorreu com a colega tratou-se de “um excesso por parte de sua equipe de segurança”.
A diretora de Mulheres, Marisa Gaudio, lembra que há dois anos a OAB Mulher oficiou todos os tribunais do Estado informando sobre os direitos previstos na Lei Julia Matos, tendo realizado também a Caravana da Mulher Advogada e, posteriormente, uma blitz pelos fóruns para averiguar se as prerrogativas estavam sendo cumpridas.
“Nós estamos agora trabalhando com os casos que chegam até nós, mas, por isso mesmo pedimos: nos informem quando isso acontecer. Nós precisamos saber dessas violações, precisamos de casos concretos, para ter argumentos para nossas próximas ações. Muitas colegas têm medo de se expor, mas quem está na frente somos nós. Confiem e nos acionem sempre que não forem respeitadas.”
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